RÁDIO
Batuco essas linhas ao som de Radio Gaga, do Queen. Hoje é o Dia do Rádio. Não sou muito ligado nessas datas, em efemérides e coisas assim. Mas sou muito ligado em Rádio. Assim, em caixa alta. O rádio é, dos meios de comunicação, o mais companheiro. É aquele amigo que chega em casa, na cidade pequena do interior, puxa uma cadeira e engata aquela prosa longa, sem compromisso, que parece não ter hora para terminar.
O Rádio é o amigo que não liga apenas no dia do aniversário. Tem uma cumplicidade entre o Rádio e seus ouvintes que não existe, por exemplo, entre TV e telespectadores, entre jornal e leitores, entre Internet e navegadores. O Rádio conversa com a gente, a TV, exceto pelos grandes comunicadores (muitos deles egressos do rádio) meio que invade nossa sala, a Internet é xereta, e o jornal nos últimos tempos parece chegar sempre atrasado.
Eu sou ouvinte de Rádio desde que me entendo por gente. Recordo um Natal em que meus pais me deram um rádio de pilha da Philips, AM e FM, tons de cinza e preto, bem transado para a época. Devia ser lá por 1979, algo assim. Eu fiquei numa alegria só. Dormia com o radinho ao lado do travesseiro ouvindo "É Noite, Tudo Se Sabe", na Jovem Pan, com a voz insinuante de Ana Maria Penteado. O prefixo do programa era a canção-tema de Houve Uma Vez um Verão, de autoria de Michel Legrand.
Por influência do meu pai, que era muito amigo do genial Fernando Vieira de Mello, que é sinônimo de radiojornalismo, eu ouvia muito a Jovem Pan, cujo padrão de qualidade era reflexo do que pensava o Fernando. Sei de cor até hoje todas as velhas vinhetas da Pan, embora escute muito menos do que escutava e cada vez menos consiga ouvir a verdadeira Pan ecoando naquele prefixo.
Como esquecer do Fiori Gigliotti e suas maravilhosas peças de poesia nas tardes de domingo? Quando estava em férias em Bariri, perambulava pelos quatro cantos da casa da minha avó tentando encontrar um local em que a Bandeirantes entrasse sem interferência. Quase sempre, Lei de Murphy, na hora do gol a sintonia literalmente ia para o espaço. E dá-lhe caçar uma onda curta que tivesse mais firmeza!
Nas madrugadas lá na casa da Dona Olinda, eu me lembro que ela deixava o aparelho ligado e entrava cristalina a Tupi do Rio. Através daquelas ondas eu pude ouvir outro gênio da comunicação radiofônica brasileira, o Collid Filho e seu Salão Grenat. Ficava sabendo das notícias, dos resultados do futebol, e me impressionava quando a previsão do tempo dava a temperatura. Quando era inverno e as noites esfriavam no interior paulista, lá no Rio as madrugadas apontavam 25 graus. E o Collid falando como se estivesse tomando um cafezinho na sala.
Ouvi muitas histórias da famosa Equipe 1040, da Tupi de São Paulo, que meu pai, Luiz Noriega, integrou, e que sob o comando de Milton Camargo e Pedro Luiz praticamente inventou o jeito de se fazer rádio esportivo que persiste até hoje. Quase tudo que se faz numa jornada esportiva do século XXI a 1040 já fazia nos anos 1960.
Percorrer o dial buscando, em ondas curtas, rádios de todo o mundo, tentando perceber estilos diferentes, sotaques, notícias, é um exercício fantástico.
Isso sem falar nas FMs. Que alegria era poder ouvir um som mais potente, limpo, e conhecer grandes nomes da música, gravar uma fita K-7 para as namoradinhas que a gente sonhava e quase nunca conquistava. Hoje escuto muito as rádios que nos EUA são enquadradas do padrão AC, Adult Contemporary, e também as dedicadas ao rock, o que me faz lembrara da Fluminense, a Maldita, que introduziu uma geração ao bom e velho rock´n roll.
O Rádio do Interior, que segue firme, apesar da concorrência muitas vezes desleal das grandes redes, da TV e da Internet. Aquele Rádio que fala do baile no clube, da quermesse, da hora da Ave Maria, do sagrado horário sertanejo.
Como tudo e todos, o Rádio mudou. Houve um tempo em que para falar no Rádio era preciso ter uma voz capaz de capturar a atenção do ouvinte, que marcasse e identificasse seu proprietário. Hoje muitas vezes é difícil entender o que dizem algumas vozes no Rádio. Por isso admiro a Gaúcha, uma Rádio em que os comunicadores preservam a cultura da bela voz.
Gosto de ouvir as histórias de três grandes companheiros de transmissão do SporTV sobre o Rádio. Jota Júnior conta inúmeras dos seus tempos de rádio em Americana, em Campinas, na Gazeta, na Bandeirantes. Tempos em que o Rádio era o senhor da comunicação esportiva, que se fazia silêncio na sala, no carro, para ouvir a opinião de um Mauro Pinheiro, de um Juarez Soares. Milton Leite recorda suas peripécias do Show da Manhã da Pan, no qual ele, craque da comunicação, dizia que a Júlia, do Tatuapé, queria trocar um fogão e que a Márcia, de Interlagos, queria colocar uma TV no negócio. E Luiz Carlos Júnior lembra com carinho seus tempos de DJ e apresentador da Rádio Cidade, em Brasília, no Rio, lançando tendências e novas bandas.
Tive breves passagens pelo Rádio. Um pequeno período na Trianon, meio que como convidado, e um outro período, também breve, pela Bandeirantes. Guardo na memória a convivência com monstros sagrados como Muíbo Cury, José Paulo de Andrade, Salomão Ésper, José Nello Marques, Cláudio Zaidan. Escuto meu grande amigo Paulo Galvão e a simpaticíssima Thays Freitas carregarem o DNA da velha Band com grande competência.
Para fechar, lembro a vocação inabalável do Rádio, de prestar serviço, em dois momentos. Na votação das Diretas Já, lembro de todos em casa estarmos acordados, meu pai com o radinho de pilha na mão, esperando o resultado. Naqueles tempos estranhos, a sessão do Congresso foi fechada à imprensa. Quando acabou, lacônico, meu pai disse: "não passou. Agora vai dormir", e desligou. Meses mais tarde houve o famoso apagão na região Sudeste, muita especulação, gente falando em golpe, e o rádio informando, movido a pilha, mostrando caminhos para quem precisava sair de casa ou estava preso nos engarrafamentos.
O Rádio não tem um dia, tem a eternidade. Parabéns, companheiro!