Onde você está?
Eu atendia o chamado no telefone e vinha aquela voz potente, de trovão:
- Onde você está?
- Em casa, pai, você ligou para minha casa.
Ríamos juntos disso, incontáveis vezes.
E foi assim durante muitos anos.
Eterno desligado, meu pai sempre me telefonava em minha casa e perguntava onde eu estava, pensando que tinha ligado para o celular.
Talvez tenha sido o instinto paternal, que ele sempre teve aflorado.
Hoje sou eu que pergunto: onde você está?
Choro ao saber que não ouvirei mais aquela linda voz ao telefone, e pessoalmente.
Mas sei que ele está coberto de luz, acompanhado por seus amigos e familiares que o antecederam nesse processo.
A resposta está nas lembranças que temos e teremos aos milhares.
Fecho os olhos e o escuto me chamar de Piqueta, a solução que encontrei para a dificuldade de falar Picareta quando era criança, e ele transformou em apelido.
Vejo a relação especial que ele tem com minha mãe, um companheirismo firme e amoroso. Porque sei que ele estará sempre por aqui com sua presença.
Mas, que diabos!
Como dói saber que a voz agora está nas fitas, no Youtube, na memória afetiva de milhões.
Tantos jogos que vimos juntos, tantas férias, tantas viagens, conversas, taças de vinho, abraços, olhares.
Felizmente, ao contrário do andróide de Blade Runner, elas não se perderam no tempo, como lágrimas na chuva.
Como Diana Ross cantou para Marvin Gaye, eu tentei estar aí, mas você não me deixaria entrar.
Como Phil Collins cantou, ouvindo discos enquanto você assistia TV, não passei o tempo que poderia ter passado.
Ou melhor, passei, sim. Passei, passamos eu, você, mamãe, irmãs, família, amigos. Porque sabemos lá como passa o tempo?
Lembro de ver o Pelé tratando o Luiz como um velho amigo, do Moreno pedindo conselhos, do Marcel chamando você de senhor, do Adhemar Ferreira da Silva te abraçando como velho amigo, da Paula te dando um beijo carinhoso de filha, do Brandão telefonando em casa.
Dos churrascos em Indaiatuba, das árvores que você plantou, dos conselhos, das críticas pontuais, dos trotes que você passava nos amigos, do seu espanhol perfeito, das músicas do Alberto Cortez que você ouvia chorando, lembrando do vovô Epifanio e da sua amada Espanha.
Agora sou eu que pergunto onde você está?
Fecho os olhos e sei que você responde, com esse vozeirão maravilhoso:
- Com Deus e com vocês.