No reino da
hipocrisia
Três notícias, entre as muitas da semana, me chamam a atenção. A primeira sobre uma multa que seria aplicada ao zagueiro do São Paulo, João Filipe, pela expulsão diante do Corinthians. A segunda a respeito da interminável discussão sobre a lei geral da Copa e a proibição de bebidas alcoólicas em estádios de futebol. E a terceira versa sobre a expectativa em torno de uma suposta renúncia de Ricardo Teixeira ao cargo de presidente da CBF.
Nada de novo no reino da hipocrisia que costuma reger o futebol no mundo.
Multar um jogador por que ele foi expulso em um lance de jogo é o fim dos tempos. Até aceito que o cara seja multado por faltar a treinamentos, por chegar atrasado, por brigar em treino, coisas assim. Esse tipo de advertência existe nas relações patrão/empregado. Agora, multar o cara porque ele foi expulso corretamente é coisa de dirigentes querendo jogar a culpa de tudo que aconteceu errado com o São Paulo no jogo contra o Corinthians nas costas de um rapaz que chegou outro dia ao clube. Mesmos dirigentes, aliás, que se divertiam e arregalavam os olhos quando torcedores apressados chamavam o zagueiro de Blackenbauer, precipitadamente empolgados com uma ou duas atuações.
Nunca botei muita fé nessa história de multa em time de futebol. Já ouvi de mais de um jogador que é tudo conversa para agradar imprensa e torcedor e que ninguém é multado. Outros disseram que a tal da multa faz parte de uma caixinha que no final do ano é dividida entre os próprios jogadores ou dada como gratificação a funcionários como massagistas, roupeiros e seguranças.
Tudo bem que João Filipe prejudicou o time, mas se for assim, tem diversas outras situações em que a tal da multa se aplicaria e não acontece. Displiscência, corpo mole, chinelinho, técnico que escala e mexe errado, que é expulso de campo por ficar batendo boca com juiz em vez de orientar o time. Se for mexer nesse vespeiro, vale multar um monte de gente. Inclusive dirigente que contrata mal, atrasa salário, entope o clube de dívidas, perde data de inscrição etc.
Existe um movimento reacionário em torno do futebol, capitaneado por torcedores cegos pelo fanatismo, que exige que o atleta profissional tenha comportamento de gladiador romano. Treinos exaustivos, dedicação total e oferta da própria vida pela honra da casa do patrão, no caso o torcedor. Reclamam dos salários altíssimos dos jogadores com uma frequência que melhoraria o País caso a revolta fosse canalizada para funcionários públicos, governo e políticos.
Menos, gente, muito menos. Não vale isso tudo. Cada trabalho tem sua remuneração, seu tempo de serviço, sua dedicação e sua importância. Vala comum cheira mal.
Já sobre a bebida nos estádios, haja hipocrisia! É aquela história do cara que reduz a velocidade quando passa ao lado do radar, e cem metros depois pisa fundo até 140 por hora. Não tem bebida dentro de estádio, mas tem na porta, na esquina, do lado. E tem dentro também, que eu já vi, em mais de um estádio no Brasil, neguinho matando uma lata de cerveja no maior relax.
Aí vem uma discussão pra lá de sem sentido sobre a Lei Geral da Copa. Pra defender o Estatudo do Torcedor como se fosse uma Vaca Sagrada, intocável, embora, como tudo, também precise ser atualizado e avaliado frequentemente, mesmo sendo um louvável avanço.
A Fifa não pediu ao Brasil para fazer a Copa. O Brasil se candidatou a fazer a Copa e sabia como as coisas funcionavam. Trabalhei em mais de 20 jogos em estádios na Copa do Mundo da África do Sul. Em todos se vendia cerveja em garrafa de plástico, da marca patrocinadora da Copa, e não houve problema algum digno de registro.
Lembro de uma época em que se vendia uísque no estádio Olímpico, em Porto Alegre, em especial nos dias de frio, e também não recordo confusão provocada por isso.
Em tempo: gosto de tomar vinho - tinto, em casa, principalmente, ou em volta de uma boa mesa, e nunca bebi em serviço ou antes do serviço, perto de estádio, em estádio, em estúdio etc.
A questão passa mais pela responsabilidade das pessoas, por saber que beber demais faz mal em casa, fora de casa, em estádio, fora de estádio, e que não se deve vender nem oferecer bebida a menores de idade.
Muita gente já entra de pileque nos estádios de futebol e os arautos da hipocrisia proclamam que a proibição da venda de bebidas alcoólicas nos estádios melhorou alguma coisa. Só transferiu o ponto de venda. Isso sem falar em drogas ilícitas que perambulam pelos estádios.
Número três. Será uma mudança louvável, uma saudável brisa de ar fresco uma provável renúncia de Ricardo Teixeira após décadas na presidência da CBF. Mas você, caro leitor, acha, honestamente, que vai mudar alguma coisa na gestão do futebol brasileiro? O estatuto da CBF prevê que José Maria Marin, o vice-presidente mais velho, assuma o cargo. Marin tem, por baixo, uns 40 anos como dirigente de futebol e muitos na CBF. Andrés Sanchez foi escolhido por Teixeira. O presidente da Federação Paulista, Marco Polo del Nero, já despacha regularmente na CBF há muitos dias - de semana, claro.
Enfim, muda o nome, mas o estilo e as ideias devem permanecer. Parece uma manoba evasiva de cunho pessoal, não uma mudança de rumos administrativos. O tempo dirá.