sexta-feira, junho 28, 2013

Números furiosos

Sempre relutei em analisar o futebol pela frieza dos números. Talvez seja o único esporte coletivo em que os números podem iludir e contar uma história diferente do jogo.
Claro que eles não são inúteis, que auxiliam, indicam tendências e caminhos.
Vejamos, pois, alguns números de Espanha x Itália. Partida que provocou diversas teses de como se para a Espanha, teorias táticas etc.
A posse de bola joga a favor de quem entende que a Itália amansou a Fúria. 55% para os ibéricos, 45% para os italianos.
Mas, que diabos, esses números traiçoeiros! A Espanha não é aquele time que enrola, que é chato? Pois sabem quantas finalizações teve a Espanha? Vinte, contra 13 da Itália. Enrola um time que finaliza 20 vezes, sendo dez chances reais de gol?
A título de comparação, o Brasil teve 68% de posse de bola contra 32% do Uruguai. Os brasileiros finalizaram 14 vezes, contra sete dos uruguaios. Quem enrolou mais? Quem ficou quase 70% do tempo com a  bola e finalizou seis ocasiões a menos que uma equipe que ficou 55% do tempo com a bola? De que lado esteve o tique-taco?
Claro que cada jogo tem sua história, sua particularidade. São jogadores diferentes, temperatura, orientação tática e cultura futebolística diferentes.
Por isso eu acho que quem conta a história de um jogo de futebol ou do futebol apenas pela ótica dos números oferece uma visão míope desse esporte maravilhoso.
É preciso respeitar e entender estilos, capacidades individuais e propostas de jogo. É também uma questão cultural.

sexta-feira, junho 21, 2013

Cada vez mais Super Mario

A manchete online da Gazzetta dello Sport que reproduzo aqui mostra porque Mario Balotelli é, talvez, a grande personalidade do futebol atual.
Sua vida é roteiro de filme. Filho de imigrantes africanos abandonado e criado por italianos. A avó adotiva esteve em campo de concentração.
Um negro ídolo da Azzurra.
Mas o melhor de Balotelli é o fato de ser um maluco do bem.
Ele tem projeto social na Bahia e furou a ordem de não circular por Salvador, interagindo commos soteropolitanos.

- Não tenho medo. Sou um deles.

Mito!

quinta-feira, junho 20, 2013

A Copa e a insatisfação

A vida e o futebol permitem todas as teses.
Como o último talvez seja a melhor imitação do primeiro, permito-me pitacar minha tese de mestrado em gato-mestrice do momento atual do Brasil.
Somos uma pátria de insatisfeitos.
A insatisfação é que foi às ruas.
Mais do que um percentual ínfimo de baderneiros, mais que aqueles que pediram e conseguiram a redução da tarifa, mais do que os que protestaram conta tudo e contra nem eles sabem o que, a insatisfação entrou em campo.
Todo mundo tem um pouco de razão em tudo. Só perde a razão quem apela, quem aproveita o clima para saquear, vandalizar e roubar. 
Vi uma reportagem da tv Bandeirantes aqui de Fortaleza na qual um bando de arruaceiros invade um posto de gasolina, rouba cigarros e sorvetes, destrói equipamentos e ainda ameaça a equipe de reportagem. Esses não têm razão em nada.
Assim como os policiais despreparados e os vândalos infiltrados.
Eu me enquadro entre os insatisfeitos. Ainda que tenha sido um privilegiado graças ao trabalho duro e honesto dos meus pais, o Brasil de hoje me encheu o saco!
Um país de corrupção endêmica, de falta de respeito pelo próximo, de uma violência que já não se justifica pela desigualdade social. 
Um país que cultiva um sonho cafona de novo-riquismo mas que entrega serviços de quinta categoria, cobrando impostos aviltantes.
Eu me revolto contra isso dia após dia. O governo tunga praticamente 30% do que eu ganho todo mês e não me entrega nada que preste em termos de serviços. Meu plano de saúde quem paga somos eu e meu empregador. O resto, para ser decente, você precisa pagar, e caro.
Quem acompanha minhas opiniões aqui e naTV sabe que sempre fui a favor da Copa, mas contra os gastos públicos para construção de estádios. Essa opinião está registrada.
Achava que com a Copa o Brasil melhoraria sua infra-estrutura precária e se reapresentaria como destino turístico para o mundo.
O governo achou que a Copa seria a propaganda ideal de um Brasil grande (não importa a ideologia, sempre vem essa mania de grandeza idiota). E também aproveitaria para saldar dívidas com as empreiteiras, as grandes financiadoras das campanhas eleitorais no Brasil. Porque não existe melhor cliente para empreiteiras do que governos.
A Fifa faz negócio com o futebol, há muito tempo. Governos se envolvem nisso porque sabem a força política do esporte mais popular da Terra.
Não defendo a Fifa, mas trabalho com fatos. A Fifa não pediu ao Brasil para fazer a Copa. O Brasil concorreu, ganhou e quis fazer. A propaganda oficial usou e usa a Copa a rodo.
Quem quis fazer a Copa em 12 sedes foi a CBF, com a anuência do governo federal, não foi a Fifa.
O custo dos estádios sobe simultaneamente ao custo de qualquer obra no Brasil, onde tudo sempre é mais caro, como em passe de mágica.
São inocentes, quase bobocas, esses vídeos que circulam com menininhas bonitinhas, bem vestidas, dizendo que não vão à Copa e sugerindo o cancelamento. Se cancelar, as multas que o Brasil pagaria só aumentariam o buraco.
O que tem que ser feito é cobrar, fiscalizar e exigir punição a quem roubou.
E organizar o país para ganhar com a exposição e a chegada de turistas, para equilibrar os números.
Tem muita coisa ainda a ser feita.
Perdeu-se a oportunidade de incrementar o transporte público, as telecomunicações, os aeroportos. Mas certamente criaram-se e ainda serão criados empregos e circulará um bom dinheiro. Basta ter seriedade e fiscalização. E isso o povo pode cobrar agora e nas urnas.
Também é preciso aprender a respeitar o próximo, o cidadão. Os serviços no Brasil são péssimos. Ainda recebemos mal demais os visitantes, e eles continuam querendo vir.
Não sou hipócrita. A Copa é o maior evento esportivo e sou um jornalista que cobre esportes. Ter esse evento no Brasil é uma grande possibilidade em minha área.
Mas não vivo em uma redoma. E ao contrário do que muito babaca escreve em rede social, nunca recebi uma orientação da empresa que me paga para deixar de falar algo e jamais fui repreendido por falar alguma coisa. Mas é bom posar de revoltado usando uma vitrine grande, sem saber do que se trata.
Esse é outro problema do Brasil, a ignorância. Pior que ser burro, é ser ignorante por desconhecimento, despreparo, mesmo tendo dinheiro e condição para se informar.
Aí vira uma salada russa. Sonegador vira manifestante, funcionário público fantasma acha que pode se vestir de branco e reclamar contra ele mesmo, contra qualquer coisa. Dono de carro importado reclama do preço do metrô, a presidente acha que os protestos não são também contra ela.
Enquanto tudo isso gira, a bola rola. Com bons jogos, alguns espetaculares, como Japão e Itália. Felipão tenta dar um tom ufanista para lá de fora de moda à seleção. Mas pelo menos consegue fazer o time evoluir.
O estádio incompleto não honra o povo pernambucano. O Castelão está pronto, mas chegar e sair dele é um martírio. Quem tem de dar informação não sabe, a comida é uma ofensa de cara e ruim. Os integrantes dos tribunais esportivos gozam da boa vida de convidados da CBF. O estádio erguido no terreno onde havia o Maracanã é belíssimo, mas me pergunto quanto custará a próxima reforma até a Olimpíada?
Em Salvador, para onde vou agora, a água brota de tomadas e monitores de TV no aeroporto, mas a caríssima e até agora inútil transposição do São Francisco está emperrada e o sertão segue morrendo de sede, como sempre morreu.
Eu quero a Copa no Brasil e acho que pode ser legal. Mas quero que quem meteu a mão vá para a cadeia, que estádios erguidos com dinheiro público ofereçam serviços para o público, e que o País esteja cheio de gringos bem recebidos, em bons aeroportos, hotéis, interagindo, consumindo.
E quero que os protestos continuem, que os vândalos sejam presos, que apareçam novas lideranças antenadas com o mundo atual, que entendam que 1968 já passou faz tempo e que as ideologias antigas, de direita, centro e esquerda envelheceram mal. 
A molecada de hoje é muito mais rápida, esperta, apressada. Eles querem ser respeitados. 
Estão insatisfeitos. Eu estou com eles, mas sem violência e sem vandalismo.

segunda-feira, junho 17, 2013

A arte de Pirlo, e a magia hipnótica de Iniesta

A Copa das Confederações começou em alto estilo, com exibições de gala de dois dos maiores craques da atualidade. Andrea Pirlo desfilou sua arte pelo remodelado Maracanã, e Andrés Iniesta hipnotizou uruguaios e a torcida em Recife com seu futebol de dribles e passes perfeitos.
Ver Pirlo jogando futebol é como assistir a um filme clássico do cinema italiano. Ele dialoga coma bola de maneira íntima, e seus movimentos lembram ângulos revolucionários de um Fellini. 
Lembro de um tempo em que praticamente todos os grandes times brasileiros tinham um jogador como Pirlo. Gente da estirpe de um Ademir da Guia, de um Dicá, um Gérson, algo assim. Jogadores capazes de controlar um jogo, de pensar e executar jogadas que parecem simples, mas são intricadas.
Que dizer da Espanha de Iniesta, mas também de Xavi, de Fábregas.
Gosto não se discute, mas soa hilário que se proponha uma mudança de ritmo, de intensidade da Espanha, com o argumento de que é um estilo, digamos, enfadonho. 
Ora, na história da humanidade civilizações se impuseram e implantaram suas culturas. A Espanha fez isso com o futebol a partir de 2008. Ela joga como quer onde quer que esteja. Quem quiser brincar, que tente entrar no jogo. Mas quase sempre acaba entrando é na roda.
Ilude-se quem não consegue ver intensidade no futebol da seleção espanhola. Um time que troca 300 passes em meia hora e erra pouquíssimos, não é intenso? Uma equipe que joga com sete, oito jogadores no campo do adversário não é intensa?
Que dizer de Iniesta? Técnica e habilidade de craque de futsal com visão periférica de jogador de campo. Não deve ser tarefa fácil ouvir de um treinador que seu trabalho é tirar a bola de Iniesta. Que para mim é mais jogador que Cristiano Ronaldo. Melhor tecnicamente, melhor taticamente e mais decisivo.
E Pirlo? Aos 34 anos ele faz o que eu e milhões de brasileiros sonhamos que o Ganso consiga fazer um dia. Porque se Ganso viu o Pirlo jogar ontem, deveria pensar seriamente e se perguntar por que ele, com dez, doze anos menos, não consegue? Mesmo tendo nascido com o talento para isso.
Pirlo tem uma relação íntima com a bola, com o passe, com o toque.
Vida longa a Pirlo e ao estilo espanhol da Fúria e de Iniesta!

segunda-feira, junho 10, 2013


Honra e responsabilidade




De tempos em tempos somos surpreendidos com algumas situações que nos enchem de orgulho e nos fazem acreditar que é uma benção poder trabalhar com algo que gostamos. Felizmente, não é apenas através da ira de alguns fanáticos que se analisa o trabalho de um analista de esportes, notadamente de futebol.

Em meio a essa maratona que absorve a equipe do SporTV entre torneios nacionais, internacionais e a Copa das Confederações, recebi uma recompensa em forma de correspondência que me enche de orgulho.

Escrevi um livro em 2009, a realização de um sonho. Chama-se Os 11 Maiores Técnicos do Futebol Brasileiro. É uma obra de opinião, nunca tive a pretensão de escrever uma peça de História porque não sou historiador, não tenho formação e capacidade para isso. O livro está aí, vivo, pela Editora Contexto.

Mas volto à correspondência. Ela chega assinada pelo filósofo, professor, escritor e especialista em Motricidade Humana Manuel Sérgio. Veio acompanhada de uma elegante carta datada d´além mar, de Lisboa, em 3 de maio de 2013.

Sérgio Manuel é, entre outros, um dos mestres de José Mourinho, o genial e muitas vezes incompreendido treinador agora do Chelsea.

Pois fiquei sabendo que o professor Manuel Sérgio leu meu livro lá em Portugal, e gostou, o que me envaidece e me encoraja sobremaneira a tocar outros projetos literários que mantenho vivos.

Além da volta para casa e para o conforto da família após uma sequência de viagens, fui confortado por esse reconhecimento, que soma-se a uma enorme responsabilidade.

Parafraseando meu irmão Lédio Carmona, é muito bom fazer o que se gosta.

Se alguém reconhece, então, fica melhor ainda.

Se alguém como o professor Manuel Sérgio, fica melhor ainda.

Dormirei de ego cheio.

segunda-feira, junho 03, 2013



Maracanã



Lembro-me até hoje da primeira vez que fui ao Maracanã. Na verdade, fui ao Maracanãzinho, e acabei conhecendo o Maracanã.

Meu pai me levou com ele ao Rio para as transmissões do Campeonato Mundial Juvenil de Voleibol de 1977. O torneio foi o marco de arrancada para o sucesso do voleibol brasileiro, foi quando tudo começou. Um dia, antes de entrarmos no ginásio, meu pai me levou para conhecer o Maracanã.

É difícil descrever o impacto. Porque é algo gigantesco, que pulsa, que tem vida própria, emana uma vibração única. Ainda mais para um garoto de dez anos que respirava futebol 24 horas e só conhecia aquele colosso pelas imagens da TV.

Anos depois, o Maraca passou a ser um destino regular graças ao meu trabalho. Por pior que fosse o jogo, estivesse vazio ou lotado, o "Maior do Mundo" provocava espanto e admiração.

Certa vez, no ano 2000, o site em que eu trabalhava, o SportsJÁ!, organizou um jogo entre veteranos do Brasil e da Argentina, no Dia Nacional contra o fumo. Estiveram ali Zico, Dinamite, Renato Gaúcho, Goycoechea, Luque, Enrique, entre outros.

Estava batendo um papo com Leopoldo Jacinto Luque à beira daquele gramado que parecia interminável. Luque, um dos destaques da Argentina campeã de 1978, tem cara de bandoleiro de filme do Tarantino, mas é uma figura dócil, amável, típica do argentino do interior (ele é da província de Santa Fé).

Reparei que enquanto os outros jogadores aqueciam, Luque estava de jeans e camiseta.

- Não vai jogar? - perguntei.

- Não - respondeu. Minhas pernas já não deixam. Mas só de estar aqui e pisar nesse gramado já vale a pena - afirmou.

E aproveitou para emendar:

- Ah, você sabe onde anda o Paulo Isidoro? Esperava vê-lo aqui. Jogamos juntos no Santos. Mande um abraço para o Negrito. Ele jogava muito!!!

Esse é o efeito do Maracanã.

Algumas horas depois, jogo encerrado, goleada brasileira, estava eu, ao lado do colega Anelso Paixão, em pleno vestiário do Maraca, batendo papo com Zico, o Galinho de Quintino, estrela maior do estádio Mário Filho, que era colunista do nosso site. Privilégio para poucos ver o astro maior daquele palco em seu camarim.

Dia 16 estou escalado para comentar Itália x México pela Copa das Confederações, no SporTV. Será meu reencontro com o Maraca.

Que me lembre, a última vez em que lá estive foi no jogo final do Brasileiro de 2009, entre Flamengo e Grêmio. Talvez a memória me traia.

Mas confesso que estou ansioso para ver como está aquele velho conhecido.

Não me furto a dizer que a reforma saiu absurdamente cara, como todas as outras, e isso não pode acontecer.

Li relatos de gente que gostou e que não gostou.

A geral certamente fará falta, assim como as eternas cadeiras azuis das numeradas.

Mas o mundo mudou, é preciso mais conforto e segurança.

Claro que há muita coisa ainda a ser feita, mas não é apenas aqui. O que pega aqui é o preço sempre muito alto das obras.

Na Copa da África o Soccer City estava ainda em obras no dia da abertura, havia estádios cercados por lama gelada nos estacionamentos. Na Euro de 2012 o estádio de Gdansk foi utilizado sem que obras de acesso estivessem prontas, e os torcedores tinham que andar quilômetros ao relento, enquanto áreas enormes estavam interditadas e acumulavam material de construção.

Aqui não será diferente.

Espero que nesse reencontro o espírito do velho Maraca esteja presente, ainda que de roupa nova.

O Maracanã é a maior catedral ecumênica do futebol. É bom tê-lo de volta.