Rogério Ceni é um cara que venceu na vida. Chegou ao topo de sua profissão, é ídolo, tem reconhecimento profissional e foi muito bem e justamente remunerado por isso. Vive o sonho de muita gente. Mas tenho certeza que não é uma existência apenas de sonhos e sorrisos. Acordar como Rogério Ceni não deve ser nada fácil para ele muitas vezes.
Não sou amigo do Rogério. Sempre tive um ótimo relacionamento profissional com ele, fui tratado com respeito. Até porque sempre o tratei dessa forma.
Ele é um ponto fora da curva no perfil do jogador de futebol padrão. É articulado, pensa, se posiciona. Isso incomoda muita gente. Outros jogadores, treinadores, torcedores, jornalistas e dirigentes.
Nem sempre compartilho das opiniões e posturas do Rogério. Mas o que acontece com ele em algumas situações é tremendamente injusto. Há momentos em que ele não é julgado como atleta, mas como uma espécie de entidade. Existe exagero naqueles que o mitificam cegamente, como também nos que relutam em reconhecer suas muitas qualidades como goleiro profissional.
A liderança do arqueiro são-paulino é mais pragmática do que carismática. Rogério remete ao Leão, não ao Taffarel, por exemplo.
Como goleiro me parece inquestionável. Está entre os melhores do País em qualquer lista que seja produzida. Tem um bônus que é a qualidade para bater na bola, fazer gols de falta e pênalti. Diria que numa análise técnica, comparando a um contemporâneo, Rogério não tenha vivido um período de exuberância como o de Marcos entre 99 e 2002. Mas mostrou mais regularidade e longevidade, por ter sofrido menos contusões.
Quando Rogério falha, muitos tripudiam. Inclusive são-paulinos que dele não gostam. Quando emplaca uma atuação de gala, como fez diante da Católica, algumas bocas venenosas parecem estar costuradas apenas para não fazer o elogio justo e merecido.
Vá lá que Rogério de vez em quando vista a camisa de preposto (aquele cara que vai a uma ação trabalhista apenas para dar a versão da empresa). Fala como se fosse diretor do São Paulo, joga para a torcida, se comporta como se estivesse na arquibancada do Morumbi, cutuca adversários. Conheço dirigentes do clube dele que odeiam essa postura e também temem que ele entre para a política interna da entidade. Ouvi de muitos jogadores que atuaram ou atuam com ele alguns dos apelidos que eles deram, mas não falam na frente do Rogério. Coisas como Presença, Presidente, Chefia, Primeiro-ministro.
O que acho injusto e sacana é ler nas redes sociais ou mesmo em opiniões abalizadas que o Rogério (isso vale para qualquer profissional) tem que se aposentar, que já deu, está na hora de parar. Sempre que alguém me pergunta sobre isso respondo que não sou do INSS para aposentar alguém. É de uma crueldade sem tamanho querer decretar que a história de alguém chegou ao fim. Pior é ler algumas vezes as mesmas pessoas, torcedores na maioria, endeusando o Rogério uma semana depois. Falta filtro, coerência, equilíbrio.
Não se pode misturar o atleta com o ser humano em uma análise puramente futebolística. Rogério tem seus pecados, como todos nós. Na segunda metade dos anos 90 houve aquela até hoje mal explicada história do fax que um amigo dele enviou com uma inexistente proposta de um time inglês. Pegou mal no clube, assim como a loja que vendia produtos dele no Morumbi, sem conhecimento da direção. Ele ficou afastado, quase foi vendido. Errou como todos nós já fizemos um dia. Mas conseguiu se posicionar como um ídolo, talvez o maior na história de um grande clube como o São Paulo. É muita coisa.
Rogério tem respostas diversas vezes arrogantes, provocativas. Em outras é desconcertante, porque, como escrevi antes, raciocina e verbaliza o pensamento. Em campo, tem o costume de jogar para a torcida, tentar empurrar o estádio contra a arbitragem, até para encobrir alguns erros individuais. É inteligente, catimbeiro, sabe ler o jogo como poucos. Sua liderança emana e contagia o time, assim como qualquer falha também contamina a equipe, em virtude do peso que tem. E pega muito, intimida o atacante adversário.
A questão é que, como escreveu o colega Victor Guedes, não parece correto que os cenistas de plantão o considerem à prova de erros e os anti-cenistas tenham pudor em elogiá-lo quando ele merece.
Estou solidário ao Rogério. Acho sacanagem quando o aposentam precipitadamente e misturam julgamentos extra campo ao que ele produz com as luvas. Também acho sacanagem quando babacas de plantão utilizam imagens pirateadas ilegalmente na tentativa de constranger companheiros de imprensa, como fizeram com meu amigo e companheiro de transmissões Milton Leite. Que, registre-se, tem comportamento eticamente exemplar como profissional.
Como escreveu o Caetano antes de brincar de censor: "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é". Como toda a fama, idolatria e fortuna, não deve ser nada fácil ser o Rogério Ceni em alguns dias. Como em muitos outros deve ser delicioso.