sexta-feira, março 29, 2013



A triste realidade

da seleção brasileira




 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Comentei os amistosos do Brasil com Itália e Rússia e o jogo entre França e Espanha pelo SporTV.

O suficiente para reafirmar uma noção que não é apenas minha, mas de muita gente. Sejam analistas, torcedores, ex-jogadores.

A noção de que nossa seleção vive uma triste realidade e passa longe da lista das melhores do mundo.

Pior: até algumas das seleções que não figuram no primeiro time da bola estão mais organizadas e atualizadas do que a Brasileira.

Só a história não se perde. Mas será a história suficiente para um bom papel em 2014?

Desde a última grande fase de Ronaldinho Gaúcho que a seleção brasileira já não provoca frisson, por não ter jogadores de hierarquia e impacto internacional.

Kaká e Adriano começaram a construir esse patrimônio, mas não o sustentaram.

Felipão, treinador do Brasil, deu uma entrevista em Londres antes do jogo com a Rússia. Nenhum, repito, nenhum jornalista inglês perguntou sobre a seleção brasileira. Nem sobre jogador da seleção. Só queriam saber das lembranças do treinador brasileiro sobre o Chelsea. Haveria outro sinal mais evidente da falta de importância?

Neymar é nosso jogador mais badalado, justamente. É o que temos de melhor hoje. Mas ainda não provoca suspiros na imprensa européia e simplesmente não consegue encaixar um grande jogo pela seleção brasileira.

Nosso estilo de jogo, mesmo com a maioria dos jogadores atuando na Europa, passa longe do que se pratica mundialmente.

Ainda estamos presos a um conceito antigo, aquele que prevê um volante de marcação e outro com mais saída para o jogo.

Quase todas as seleções e grandes equipes do mundo já abandonaram essa ideia há tempos. O que está em voga hoje é algo mais total, compacto. Os volantes estão incorporados ao sistema de jogo, aparecem na área de seu time e na do adversário.

A moda entre nossos treinadores agora é armar as equipes (Felipão inclusive) com um atacante isolado e os tais dos três meias. Mesmo que para isso sacrifiquem as características individuais dos atletas, apenas para se mostrarem atualizados.

Afirmei durante Brasil e Rússia, ao vivo, no SporTV, que é um desperdício que Oscar seja cobrado como ponteiro jogando pela direita.

Aí algum gaiato perito em Premier League irá dizer que no Chelsea ele joga aberto pela esquerda muitas vezes.

Vejo diferente: ele começa aberto pela esquerda, mas participa muito mais, não é um jogador estático, procura a área, troca de posição.

O mesmo vale para Kaká. Embora esteja jogando pouco, escalá-lo como extrema, ou winger, como dizem os europeus, é ir contra a lógica de seu jogo.

Sobre tática, claro que tenho a minha favorita.

Gosto dos times no 4-4-2. Uma linha de quatro atrás, dois volantes, dois meias e dois atacantes. Simples mas bonitinho.

Acho que encaixa melhor com as características do jogador brasileiro e com nosso estilo de jogo.

Vejo como nossa melhor formação hoje: Júlio César; Daniel Alves, Davi Luis, Thiago Silva e Marcelo; Ramires, Paulinho, Oscar e Ronaldinho Gaúcho; Neymar e Fred.

Seria esse o time que eu levaria a campo se cumprisse a loucura de ser treinador de futebol. Poderia quebrar a cara, claro. Mas acho que daí poderia sair algo interessante com treinamento e repetição.

Quem não rendesse, daria linha.

Hulk pode não ser um fenômeno, mas sempre que entra corresponde, e poderia acabar encontrando seu espaço.

Isso tudo é detalhe.

O que fica é a diferença de intensidade e dinâmica de jogo.

Em França x Espanha isso ficou claro. O time francês não está entre os melhores do mundo, mas é competitivo e está definido taticamente.

A foto que posto com esse texto exemplifica uma clara diferença entre o futebol que se pratica na média dos principais times do mundo e o que se joga no Brasil.

É a tal história da compactação e da diminuição de espaço.

Reparem como espanhóis e franceses reduzem o campo de jogo para os adversários. A partida se disputa entre as intermediárias. Raros são os lances de mano a mano entre atacante e zagueiro.

A aproximação entre as linhas da equipe é natural, o que facilita a troca de passes. Chutão só em último caso.

A Espanha é ponto fora da curva. Mas dá muitas pistas do que deve ser feito. Não muda seu estilo a cada chiadeira ou protesto de torcedor ou jornalista. Não rifa a bola, não dá chutão e nem apela para chuveirinho para ganhar jogo.

Para terminar, fica a triste constatação de que, tecnicamente, nossa escola vive um momento de entressafra e queda de qualidade.

Onde foi parar o drible? Em Londres, até Marcelo acordar em campo, eram os russos que tentavam os dribles.

Lembram das tabelinhas? Quantas a seleção encaixa por jogo?

Meio-campistas lançadores, com visão de jogo e ocupação total de espaço? A Itália tinha De Rossi e Pirlo. A Rússia tenta emplacar Shirokov, que tem lampejos.

A Espanha é covardia com Xavi, Xabi Alonso e Iniesta. Até mesmo Busquets, que está longe de ser craque, é ótimo taticamente.

A França busca um pensador, que não tem sido Cabaye, para abastecer Ribery, o cara diferente da equipe. Não é um supertime, mas está se remontando e tem boas opções para o futuro.

Não se trata de excluir o Brasil da briga pela teça em 2014.

Mas hoje, em 2012, estamos fora do grupo dos favoritos.

Espanha, Alemanha, Argentina, Itália, Argentina, Holanda, todos estão muitos passos à frente do Brasil.

A Espanha é o grande time do momento. A Alemanha tem um timaço, mas ainda não aprendeu a vencer torneios. A Argentina se organizou e tem o maior jogador da atualidade, Messi, que pode resolver tudo. A Itália se reinventou e está muito competitiva. O time holandês é quase sempre muito bom.

O Brasil hoje está no bolo que tem equipes como a própria França, Inglaterra, Uruguai, a emergente Colômbia. Todos na briga por uma vaga na Copa em que o Brasil é, por enquanto, a única presença confirmada.

Citei de sopetão dez times e coloquei o Brasil entre eles. Isso representa uma ótima possibilidade de alcançar as quartas-de-final em 2014. Boa chance de semifinal. Depois é contar com a mística, a sorte, o momento, a torcida.

O tempo é curto, mas é preciso ter em mente que a coroa mudou de mão faz tempo e que não frequentamos mais os salões da nobreza do futebol.

É preciso suor e trabalho, com boa dose de humildade.

Mesmo assim será bem complicado.

sexta-feira, março 08, 2013



A vida com preço tabelado



Um jogo sem torcida e multa de US$ 200 mil. Esse é o preço - tabelado - de uma vida para a Confederação Sul-Americana de Futebol.

Ah, já estava esquecendo!

Some-se a isso o astronômico valor de US$ 10 mil de multa aplicado ao San José de Oruro, clube mandante do jogo contra o Corinthians, cuja inexistente fiscalização permitiu que um celerado entrasse o estádio e atirasse um sinalizador marítimo na rota da morte do garoto Kevin Spada.

Não discuto aqui apenas se o clube tem ou não culpa pela ausência de cérebro e de moral de um ou centenas de torcedores. A discussão é mais ampla, é macro.

Assisti, estarrecido, a uma parcela importante da opinião pública brasileira manifestar mais preocupação com o fato de a torcida do Corinthians não poder ir ao estádio (e aqui generalizo, poderia ser qualquer torcida, do Íbis, do Bambala, pouco importa) do que a morte estúpida de um ser humano inocente, provocada pela estupidez de outro ser humano (ou seria de um integrante de um grupo organizado de pretensos seres humanos?)

Pior que isso. Recebi uma enxurrada de e-mails de assessorias de imprensa oferecendo entrevistas de advogados querendo seu quinhão nos 15 minutos de fama e bradando baboseiras sobre defesa do consumidor. Típica conversa de almoço na sede da OAB. Façam-me o favor!

Sem falar naquela patética tropa de quatro torcedores que, por plantarem melancia em casa, penduraram-nas aos pescoços e foram ao Pacaembu na expectativa de virarem celebridades esporádicas nas redes sociais. Lamentável!

Confesso minha decepção com a direção do Corinthians. O clube é exemplo de revolução administrativa, marketing e exploração de receitas, mas teve um comportamento tímido, cabotino nesse caso.

Poderia ter desfraldado a bandeira da paz e do fim da violência gratuita nos estádios, das torcidas militarizadas. Seu presidente, no entanto, preferiu o discurso da fatalidade, numa constrangedora entrevista na qual parecia ter esquecido o que aprendeu na faculdade de Direito, bacharel que é.

Ora, presidente! Fatalidade é chegar ao Taiti no dia do tsunami.

A bola quicou na frente do Corinthians, que não precisa de alguns milhares de baderneiros porque tem milhões de apaixonados pacíficos e legítimos, que não merecem a comparação absurda com um bando de fanáticos violentos.

Não vou muretar. Acho que o justo nesse caso seria que o Corinthians jogasse sem torcida toda a primeira fase da Libertadores e fosse multado em US$ 1 milhão. Depois, vida que segue, e a mensagem estaria dada. E o mesmo valeria para todos os baderneiros de todas as torcidas. Sem exceção, com as penas dobrando em caso de reincidência. Além de uma cobrança feroz e ferrenha de fiscalização nos estádios.

Vou mais longe: se sou dirigente do Corinthians, processo quem levou e quem atirou o sinalizador e peço ressarcimento com base no que o clube deixou de arrecadar e no prejuízo para a imagem da instituição.

Mas haveria coragem para isso, se há conselheiros e dirigentes do clube que são das organizadas? E ajudam a eleger o presidente, conselheiros, vereadores e deputados.

Quem vai dar explicações aos pais de Kevin? A Conmebol tem seguro para os torcedores? A Federação Boliviana não deveria ser punida também? Na Bolívia a vida vale menos do que no Brasil? Porque US$ 190 mil de diferença nas multas?

Enfim...

TERROR VERDE


Que dizer do Palmeiras e da - pequena - parcela violenta e irracional de sua torcida?

Que faz da vida alguém que fica de tocaia em aeroporto para agredir jogador de futebol profissional?

E aquele papo de que clube não ajuda torcida organizada? Afinal, o próprio presidente do Palmeiras admitiu que ajuda e prometeu não ajudar mais. Porque então não ajudar outros torcedores independentes a ir aos jogos? São esses menos palmeirenses por acaso?

Presidente este que, ao assumir o cargo, foi até a sede de uma torcida dessas para mostrar os números claudicantes da economia palestrina e pedir paciência.

Pergunto: ele fez o mesmo para algum palmeirense comum, ordeiro, pacífico? Foi até a casa dele e deu satisfações? Porque, então, foi até a sede de uma torcida? Há milhões de palmeirenses espalhados pelo País, porque apenas alguns merecem explicações diretas do presidente do clube.

Novato nesse negócio de presidência de clube, Paulo Nobre adotou um discurso firme, duro. Resta saber se manterá a postura. Se efetivamente processará o agressor por ter agredido seu funcionário.

Porque este mesmo presidente oferece cargo importante a integrante de torcida em sua administração. Integrante de torcida que teve expressiva votação no Conselho Deliberativo. Ou seja: o clube está legitimando esses grupos.

Corinthians e Palmeiras são dois dos maiores clubes brasileiros, e têm a chance de dar o exemplo na batalha pelo fim da violência e pela devolução do ato de torcer ao legítimo torcedor.

O que eles fizerem certamente será imitado pelos outros clubes.

Cabe também aos jogadores uma mudança de atitude. Devem deixar de pagar pedágio para determinados grupos de torcedores e entender que jogam para muitos milhões, não apenas para alguns milhares.

Devem pensar duas vezes antes de ir a festas ou desfiles de grupos que podem ameaçá-los ou agredi-los no dia seguinte, em caso de derrota. Principalmente, devem parar de falar e escrever bobagens em redes sociais, atiçando uma violência que aflora ao menor gesto.

Enquanto escrevo essas linhas penso nos pais de Kevin Spada. Pobres seres humanos que criaram com amor uma criança para que ela morresse no chão frio de cimento de uma arquibancada, sob a irresponsabilidade de alguém (ainda duvido que tenha sido outra criança) que levou uma arma do Brasil até a Bolívia achando que era um brinquedinho.

Pior ainda é saber que a vida de um filho está tabelada em US$ 200 mil e mais um bônus de US$ 10 mil pela entidade máxima do futebol sul-americano.

Anotem aí: agora é esperar pela próxima tragédia e saber se a tabela será corrigida.

Cabe perguntar agora onde estão os promotores públicos que fizeram fama e conseguiram mandatos e cargos no Governo vendendo a falsa ideia de que tinham controlado essas gangues disfarçadas de torcedores? Sumiram?

Assim caminha a mediocridade.

quinta-feira, março 07, 2013



Venezuela



Vejo pipocar textos e opiniões, nessas onipresentes redes sociais e na mídia em geral, a respeito da Venezuela e de seu futuro após a morte de Hugo Chávez.

Permito-me compartilhar uma experiência de 26 dias na Venezuela, em 2007, para a cobertura da Copa América pelo SporTV. Não serviu para me transformar num especialista em Venezuela, o que jamais fui ou serei, mas apenas para dividir uma visão de quem passou algum tempo por lá.

A chegada foi um choque. Desembarcamos de madrugada na cidade de Barcelona, província de Anzoátegui. Na recepção, uma imagem assustadora, pelo menos para mim. Fardados com o uniforme da Guarda Nacional (uma mistura estranha de polícia civil com Exército) havia adolescentes, alguns com provavelmente 12, 13 anos, segurando fuzis mais pesados que eles próprios.

Essa Guarda Nacional é (agora era) chavista e onipresente. Desde o policiamento dos estádios, passando pelo trânsito em ruas e estradas, eles estavam em todas com seus uniformes verde-oliva.

Há também uma espécie de Guarda Civil, que em Anzoátegui vestia uniformes azuis muito semelhantes aos da Guarda Metropolitana paulista. Tem menos atribuições. Muitos deles sequer andam armados.

O povo venezuelano é de uma alegria e amabilidade contagiantes. São amáveis, falam com aquele sotaque caribenho carregado, e espalham sua expressão favorita pelo ar: chévere! Uma versão para o nosso legal!

Assim como todos os países latino-americanos, a Venezuela foi, durante séculos, uma propriedade quase exclusiva de uma elite financeira, intelectual e política. O que gerou enormes desigualdades sociais. Nada diferente do Brasil, da Argentina.

A diferença é que a Venezuela foi abençoada com rios de petróleo em seu subsolo, o que a transformaria, potencialmente, numa espécie de emirado árabe encravado no Norte da América do Sul. O que jamais se concretizou, seja nos regimes da direita conservadora ou no modelo bolivariano de Chávez.

Cabe explicar algo dessa expressão bolivariana para que não haja equívocos de interpretação e, pelo menos, quando se queira elogiar ou criticar, se faça com conhecimento do contexto histórico. Simon Bolívar, o Libertador maior da América do Sul, era um monarquista de carteirinha. Fã dos reis absolutistas. Seu maior sonho era viabilizar a Gran Colômbia, que seria uma enorme faixa de terra que iria do Panamá (quer era parte da Colômbia) até a Patagônia. Ele, é claro, seria o Rei dessa monarquia sul-americana de inspiração absolutista.

Seu problema foi ter esbarrado em outro monarquista convicto, José de San Martín. Estiveram juntos apenas uma vez, em Guaiaquil, em 1822, e, dizem os historiadores, saiu faísca. O que deixou um saldo de divisão política no que seria a Gran Colômbia. O que hoje são Equador, Venezuela e Colômbia ficou sob herança de Bolívar (tanto que as bandeiras dos três países têm as cores da bandeira da Gran Colômbia. A Bolívia e o Peru são uma espécie de marco divisório entre as áreas de influência, tendo ficado para San Martín, digamos assim, o legado de Argentina e Chile.

Ambos os libertadores sempre sonharam em trazer o Brasil para sua causa, mas sabiam ds dificuldades de cooptar o gigante vizinho, sob forte influência da Inglaterra.

Bolívar tinha mania de perseguição. Via inimigos em toda parte, até na própria sombra. O soberbo livro O General em Seu Labirinto, de Garcia Marquez, retrata isso em forma de romance. Há historiadores que, inclusive, suspeitam que o assasinato do Marechal Sucre, espécie de braço-direito de Bolívar, tenha sido tramando pelo próprio Libertador.

Essa pincelada histórica serve para mostrar que Chávez tinha um discurso coerente com o personagem que sonhava encarnar. O bolivariano não era vago, em seu caso. Venezuelano, Bolívar terminou a vida tendo contra ele a elite que o apoiou em seu próprio país, porque ele havia encampado o discurso da justiça social.

Não que Chávez seja desprovido de contradições. Tentou um golpe de estado, se deu mal, foi preso, e critivava abertamente os que eram contra ele pela via das urnas. Mesma via pela qual foi eleito, o que não pode ser desprezado.

Mas e a Venezuela que eu vi, qual foi?

Um país tremendamente desigual e tenso, como é o próprio Brasil. Mas a Venezuela é um estado petrolífero por excelência. A Venezuela é, na realidade, um departamento da Pdvsa, a Petrobrás deles. Quem não está no governo ou na Pdvsa tem grandes dificuldades para sobreviver.

Ficamos boa parte do tempo na cidade de Puerto La Cruz, decadente balenário no Caribe venezuelano. A divisão do país era escancarada nas ruas do local. O setor hoteleiro estava encravado num distrito em que o chavismo fora derrotado nas eleições. Estava largado, havia desabastecimento e muita violência. Os supermercados com prateleiras vazias, e os donos contando essa história.

A cerca de dez quilômetros dali havia uma ilha de prosperidade, uma pequena cópia de Miami. Centros de compras modernos, supermercados abarrotados com o que havia de bom e do melhor, marinas luxuosas, uma gente morena, bonita e feliz da vida. Era o reduto em que o chavismo havia garantido a eleição de Tarek, governador de Anzoátegui e chavista. Eles próprios, os moradores, nos contavam isso abertamente e sem remorso algum.

A violência está tão encravada no dia-a-dia dos venezuelanos como no Brasil. Banalizou-se. É um país até mais violento que o Brasil. Há guardas armados até os dentes protegendo açougues de bairro, por exemplo. Tiroteios e assassinatos por motivos banais são frequentes. A miséria, exemplificada nas favelas, está presente, como aqui no Brasil. Na mesma rua há prédios nababescos e barracos miseráveis. É um país machista ao extremo.

A questão da Venezuela está no fato de Chávez ter apostado que com o petróleo transformaria o país. Não conseguiu. Porque a Venezuela é petróleo e mais nada. Infra-estrutura precária, agricultura inexistente, ao ponto de importar alface do grande rival ianque do Norte. A impressão que fica é que o discurso anti-EUA de Chávez tem como objetivo agradar alguma base de apoio radical, em especial grupos de jovens universitários e estudantes chavistas. Além de acariciar o estado-amigo cubano. Porque a Venezuela tem muitos negócios com os EUA, nunca deixou de tê-los.

Nas ruas pecebia-se uma clara divisão. Os pequenos e grandes comerciantes reclamavam abertamente do bolivarianismo. Quem aparecesse com dólar no bolso conseguia conversões fantásticas, porque há em boa parte do país, em especial na classe média, um desejo quase de oposicionista cubano de emigrar para os EUA.

Viajamos uma vez 500 km do caribe venezuelano para a região do rio Orinoco, no caminho para o Brasil. Não vimos uma plantação, e isso não é figura de linguagem. Não há nada no país que não seja oleoduto.

Em Zulia, província onde fica Maracaibo, está o grosso do petróleo venezuelano. Quando estivemos lá, o estado era de oposição, mas a cidade era chavista, o que potencializava o discurso ideológico de ambas as partes. Maracaibo é a cidade mais rica do país, e faz questão de mostrar isso, gastando o dinheiro do estado de Zulia.

Nos hotéis, o turista é freqüentemente abordado por belas venezuelanas, que justificam a fama de terra de misses. Educadas, cultas, são professoras, engenheiras, advogadas, comerciantes. Após meia hora de conversa oferecem serviços sexuais para reforçar o orçamento da família e ajudar o pai desempregado, ou que teve o negócio falido. Uma prática infelizmente comum no dia-a-dia de pontos turísticos do país.

Havia uma evidente manifestação de apoio popular a Chávez nas regiões mais simples por que passávamos, com a implantação de programas de assistência social parecidos com as bolsas distribuídas pelo governo brasileiro.

O transporte público é péssimo. Existe a figura do táxi comunitário. Vai parando e pegando gente pelas ruas, lotando aqueles carrões americanos dos anos 70. Porque lá a gasolina é mais barata que a água, então as banheiras sobre rodas fazem sucesso.

Nos estádios em que houve jogos da Copa América, a propaganda chavista era ostensiva. Livros escritos pelo presidente eram distribuídos aos borbotões por jovens trajados de vermelho. A propaganda ao estilo cubano e soviético está espalhada pelo país. Enormes painéis com pinturas épicas  e discurso nacionalista militarizado. Estudantes de universidades públicas foram enviados para trabalhar como voluntários na Copa América.

Em muitos casos havia confrontos ideológicos, com alguns poucos bate-bocas entre chavistas e opositores.

Na final da competição, em Maracaibo, os organizadores sofreram com um general chavista. Havia uma reserva de 600 lugares para convidados e patrocinadores. O tal general confiscou todos e encaixou os convidados dele, na mão grande.

Chávez não apareceu. Diziam por lá que ele tinha vários sósias que apareciam em seu lugar em algumas cerimônias, porque recebia muitas ameaças de morte. Outra versão dizia que por estar em território de oposição, certamente seria vaiado pelo público, o que ele evitava a qualquer custo.


Um dia, em Puerto La Cruz, chegamos para trabalhar em nossa cabine no estádio e havia um cartaz surreal pregado na parede: essa cabine foi confiscada pelo povo da Venezuela. Lá estavam alguns figurões do governo querendo ver o jogo em meio aos nossos equipamentos. Com alguma dificuldade, conseguimos arrancá-los de lá para trabalhar, até porque os direitos de transmissão valem uma fortuna.

Foi difícil avaliar a mídia, porque os próprios companheiros jornalistas diziam que 99% dos jornais eram bancados por propaganda do governo e fechavam questão com o chavismo. Como se soube depois, quem não aceitava essa condição tinha problemas e em muitos casos fechava as portas.

A figura de Chávez era onipresente. As tvs e rádios oficiais transmitiam seus intermináveis discursos por cinco, seis horas. O noticiário girava em torno do dia-a-dia do presidente e dos aliados como Cuba e Irã, e muita coisa relativa ao Brasil, com grande ênfase na figura de Lula. Algo muito parecido com o que faz hoje na Argentina a Kirchner de plantão.

O olhar de visitante pintava um quadro de um país tenso, ao borde da explosão. A Venezuela que vi em 2007 era um país dividido, com uma herança pesada de injustiça social. Com um governo de discurso socialista e de justiça social, mas que gastava os tubos comprando armamento e ajudando países amigos, deixando de cumprir com obrigações básicas. O desabastecimento na venezuela chega próximo ao que ocorre em Cuba em determinadas regiões.

Na volta, embarcamos na base aérea de Maracaibo. A polícia venezuelana entrou no avião para retirar dois venezuelanos e um brasileiro que tentavam deixar o país de carona e ilegalmente.

Torço, sinceramente, para que a Venezuela encontre uma saída de paz e democracia para a quase certa crise que se instalará com a morte de Chávez. Seu povo realmente irmão, alegre e hospitaleiro merece isso.

É um desejo acima de qualquer ideologia. Não simpatizava com Chávez e seu discurso torto, recheado de incongruências. Mas respeitava o fato de ele ter sido eleito em pleitos nos quais não se verificou fraude. Sua figura militarizada e algo folclórica jamais inspirava temor, como muita gente pintava no Brasil. Mas seu comportamento, em especial em relação a entidades como as Farc e ao Irã, eram muito inconsequentes.

Enfim, que a paz vença na Venezuela. Chévere!