Cuca, Ceni e Gaúcho
Três personagens do futebol brasileiro vivem momentos distintos, cada um em sua particularidade, mas que ilustram perfeitamente a gangorra que é o mundo do esporte de alto rendimento, suas cobranças, a competitividade até certo ponto desumana.
Começo por Cuca, treinador do Atlético Mineiro. Bom jogador, atacante de importantes passagens por vários clubes, ele tem se mostrado há tempos um treinador capaz de armar boas equipes, de dar a famosa cara de time aos clubes que treina. Mas também ficou marcado por derrotas em momentos importantes, perdas de classificações e títulos que pareciam certos e por uma fama de supersticioso que até certo pronto prejudica a avaliação de alguns dirigentes, jogadores e analistas.
Uma cena me chamou a atenção na impiedosa goleada aplicada pelo Galo no São Paulo. Quando o jogo ainda estava 1 a 0, no começo da segunda etapa, houve um momento de confronto aberto, cerca de 5, 8 minutos em que foi lá e cá, tudo poderia ter acontecido. O São Paulo teve uma grande chance, em jogada na qual a bola circulou pela pequena área do Galo e Silvinho quase marcou. As câmeras do SporTV mostraram um Cuca com olhar petrificado, acompanhando lance a lance, esperando pelo pior que, felizmente para ele, não veio.
Essa imagem mostra muito do que ainda parece circundar a mente de Cuca. Talvez ele conviva com aquele questionamento: "de novo comigo? Por que perder sendo o melhor time?"
Acho que Cuca, vencendo ou não a Libertadores na qual o Atlético é o grande favorito, já não precisa se preocupar com isso. Ele é, de fato, um dos melhores treinadores do Brasil. Não apenas pelo que faz no Galo, mas porque sempre consegue montar boas equipes por onde passa. Seus times têm um perfil definido, geralmente são ofensivos sem deixar de ser competitivos. Atacam sem esquecer de defender, e ostentam algo que parece ficção científica para muitas das equipes nacionais: aquilo que se convencionou chamar de padrão de jogo.
Convivo com o Cuca desde seus tempos de jogador. Mais agora como treinador. É um sujeito boa praça, simples. Chega até a ser engraçado por causa da superstição. Dizem alguns mais próximos a ele que tem mania de perseguição, acha que sempre tem alguém querendo derrubá-lo. Quando ele assumiu o Atlético Mineiro, fui comentar um jogo em Ipatinga, contra o Corinthians. Estava fazendo check-in no hotel, e chega o Cuca. Sempre cordial, me saudou com alegria. Perguntei se ele estava chegando de uma corridinha matinal. A resposta diz tudo:
- Que nada! Fui à missa porque a fase tá brava e estamos precisando de todo tipo de ajuda - emendou, sério a ponto de nem sequer sorrir.
Relaxa, Cuca! Seu trabalho é sua maior ajuda.
No time de Cuca joga o último grande craque do futebol brasileiro. Depois de Ronaldinho Gaúcho não apareceu mais ninguém. Robinho deu pinta, mas não vingou. Adriano chegou perto, mas infelizmente está se perdendo pela vida. Neymar é o mais forte candidato. Já é o craque em atividade no País, porém, ainda não alcançou o patamar que Ronaldinho Gaúcho teve em seu auge.
Mesmo que o apogeu já tenha passado, o atual camisa 10 do Galo segue sendo um expoente. Ronaldinho tem uma característica que era a marca registrada do futebol brasileiro, mas está em extinção: ele se diverte jogando. O que pode parecer gracinha, firula e provocação para certos atletas, para ele não é. Porque o R10 ainda cultiva aquele gosto pelo aspecto lúdico do jogo de futebol, o brincar com a bola, o controle total, o drible, subjugar o adversário com base na habilidade. Fez isso a vida toda, mas contra o São Paulo ficou marcante, porque em momento algum ele deixou de ser objetivo e competitivo.
Talvez Ronaldinho já não consiga repetir em jogos internacionais entre grandes seleções o desempenho que ainda mostra no Atlético. Porque são mundos diferentes. O nível técnico de uma seleção como Espanha, Itália, Inglaterra, Alemanha, Argentina, Holanda está muito acima do futebol praticado entre clubes no Brasil e na América do Sul. E na maior parte do mundo, exceto algumas exceções, os maiores times do mundo. Mas ele continua intimidando adversários e impondo respeito.
Por fim, Rogério Ceni. Goleiro excepcional, histórico. Cruzei rapidamente com ele no aeroporto de Confins, em Minas. Comigo sempre foi educado, solícito e profissional. Veio até onde estávamos eu, Milton Leite e o companheiro André Plihal, da Espn. Ao contrário do que muitos bobocas fanáticos teimam em espalhar por aí, Rogério e Milton se tratam muito bem e com grande respeito. Rogério cumprimentou e abraçou Milton. Troquei com ele a tradicional saudação e perguntei se estava tudo bem, como é automático nesses casos.
- Tudo bem não está - respondeu, lacônico, cabeça baixa, desanimado o camisa 1 do São Paulo.
Havia um abatimento surpreendente em Rogério. Personagem polêmico graças a sua personalidade. Muitas vezes ele se expressa como torcedor, em outras como um autêntico cartola, e propaga uma arrogância que o São Paulo equivocadamente colou em sua imagem de time vencedor, em virtude do que considero um marketing equivocado, que usa mal o termo soberano. Mas isso é tema para outra postagem.
Rogério muitas vezes é julgado como atleta em virtude de seu comportamento como personagem histórico do clube que defende. O que é injusto. Pode-se gostar ou não dele como entrevistado, de algumas atitudes que soam incoerentes - quem não as tem? Rogério não tem o carisma natural de Marcos, por exemplo, mas é um goleiro sensacional. Vive aquele momento cruel que é o da aproximação do fim da carreira. O que para alguém que se acostumou a ganhar nos níveis em que ele ganhou, deve ser muito complicado. Sem contar as limitações físicas impostas pela idade, que chegam para todos nós, atletas de alto rendimento ou meros peladeiros.