De quem é a culpa?
Da natureza humana
Desde sempre chove muito no verão no Brasil. Alguns anos mais, outros menos, mas sempre chove. No ano em que nasci, 1967, um naco gigante da Serra do Mar veio abaixo na altura de Caraguatatuba, provocando uma tragédia semelhante a essa que se repete agora na região serrana fluminense.
Já vimos esse cenário de horror, de flagelo e sofrimento em Santa Catarina, em Minas, em São Paulo, em quase toda parte desse País de gente cuja maioria é séria, sofrida, trabalhadora.
E o que foi feito nesse tempo todo? Desde que a ocupação urbana começou o caminho mais fácil foi ocupar, sem planejamento, sem análise, as áreas de várzeas de rios e suas margens.
Falo de São Paulo, onde moro. O Rio Tietê, essa cloaca urbana nojenta a atestar a roubalheira de décadas de dinheiro ali afundados para nada mudar, só alaga porque a cidade roubou uma área que era dele, as várzeas. A natureza é sábia, e o homem é estúpido. Não vê os sinais claros da natureza e teima em fazer tudo errado, sempre pensando em lucrar com uma comissãozinha aqui e outra ali.
Teresópolis, uma cidade linda, acolhedora, de paisagens deslumbrantes, não tem rede de esgoto, leio no noticiário. Também não tem política pública de ocupação de encostas, de construção em áreas de nascentes e florestas. Como quase todo o País não tem.
Angra dos Reis também não tinha, imagino. Como São Paulo não tem. E quem tem, não aplica, e o povo, vamos dizer a verdade, também não obedece, não colabora. Faz das ruas sua lixeira particular. Brasileiro joga bituca de cigarro pela janela do carro, papel de bala, de sorvete, de salgadinho, lata de cerveja. Já vi madame de BMW tragar e mandar a bituca voando pela fresta do vidrão blindado, enquanto certamente seguia para gastar milhares de reais na Daslu. Deu ao povo a bituca e os brioches.
Mas essa falta de educação é de rico e é de pobre. Não tem jeito. Somos um povo ainda incipiente na arte de respeitar o próximo.
Some-se a isso décadas de descaso do Estado, sob todas as legendas e ideologias. O presidente que saiu defendia a compra de um novo avião para a nova mandatária, argumentando que 12 horas de autonomia era uma vergonha. Pergunto eu, e a vergonha de quem teve a autonomia de vida reduzida por uma avalanche de lama e água numa madrugada escura?
O Brasil tem um déficit habitacional de 5,8 milhões de moradias. Quase 24 milhões de vidas. Mais que um Chile, quase uma argentina, se colocarmos 4 pessoas em cada moradia, em média.
Será que os mensaleiros, os aloprados, os lobistas de empreiteiras dormem tanquilo sabendo que com parte da propina que eles pedem se poderia construir milhares de casas?
E o que dizer da maior cidade do País, que tem 400 mil imóveis desocupados (1,6 milhão de brasileiros poderiam viver neles) e a cada dia sobe um prédio novo, no insaciável avanço da especulação imobiliária. Aqui perto de onde moro os prédios tomam área das calçadas, das ruas e ninguém faz nada.
Sempre é mais fácil culpar a Natureza por uma chuva espetacular, acima da média, imprevista, inesperada. Os governos de todas as esferas devem gastar mais com a propaganda dizendo que construíram duzentas casas populares do que com a construção das mesmas.
As tragédias são tão mais competentes que os governantes brasileiros que são democráticas. Elas ceifam vidas pobres, de classe média e ricas. Do pó viemos, mas isso não quer dizer que precismos voltar para baixo de toneladas de lama, com nossas famílias e amigos, enterrados nesse mausoléu de roubalheira, no esgoto político-administrativo do Brasil.
Mas assim é a natureza humana. A culpa é de São Pedro! Nunca choveu tanto assim! Onde foi parar a Mata Atlântica que segurava as águas, que devolvia as mesmas limpas? No bolso dos grileiros, dos empreiteiros, dos mateiros.
Roberto Carlos, profético na belíssima O Ano Passado, já avisava: quem briga com a natureza/envenena a própria mesa.
Já pensaram no que pode acontecer em mais 50 anos de destruição? A mudança no regime das chuvas no Sudeste pode ser dramática se a Amazônia for desmatada e virar um cerradão.
Enfim, tem tanta coisa para reclamar que resolvi dar uma passada no blog e interromper as férias para dar meu grito. Que por sorte não é de dor, de pavor, é de alerta. De solidariedade, de tristeza.
Não pode ser sorte ou azar estatístico que morra menos gente na enchete da Austrália do que na brasileira. Foram mais de 800 mortos em um terremoto no Chile e enquanto escrevo esse texto mais de 500 pessoas perderam a vida no Rio em virtude da chuva. Os números gritam, esperneiam.
Mas é muito mais urgente aumentar o salário dos deputados, depressinha, porque ninguém é de ferro.