terça-feira, setembro 01, 2015

O futebol distante


Vejo com preocupação um movimento que ocorre no futebol brasileiro.

Sob a desculpa esfarrapada da organização, alguns clubes e assessores de imprensa de clubes desencadearam um processo que está afastando e isolando os jogadores de futebol de seu público-alvo: os torcedores.

Pode parecer que a ideia esteja envolta em um ar de modernidade. Ela envolve os repórteres que acompanham o dia-a-dia dos clubes. Também passa pela divulgação das marcas dos times e do próprio trabalho dos jogadores.

Hoje os atletas profissionais do futebol estão sendo escondidos do público. Falam cada vez menos. Há casos em que o destaque do jogo não fala, não mostra a cara, não vende seu peixe, mesmo depois de ter decidido uma partida. Tudo porque não estava programada sua entrevista coletiva.

Qual o efeito disso tudo? A perda da naturalidade e do protagonismo.

Hoje somos bombardeados por enfadonhas entrevistas coletivas de treinadores. Eles foram catapultados, muito por culpa da própria mídia, ao posto de grandes estrelas de um espetáculo do qual nem sequer são os protagonistas. Técnico tem sua importância, claro, mas ninguém compra ingresso para ver o Tite, o Mano, o Luxa, o Levir, os Oliveira, o Roger. Quem vai a campo, vai para ver uma camisa, uma história e os jogadores de futebol.

Muito do que se sabe hoje da gloriosa história do futebol brasileiro foi contado por jornalistas que viram essa história acontecer. Treinadores espetaculares como Tim, Ênio Andrade, Brandão, Telê, Minelli, entre outros, trabalharam em uma época em que era tudo menos complicado e mais natural.

Treinadores e jogadores muitas vezes cobram comentaristas dizendo que não assistem aos treinos.

Ora, que treinos, cara-pálida? A maior parte deles é fechada, tida como secreta, e o que se pode ver é um festival de roda de bobinho e cruzamentos.

Perguntar, conversar, investigar?

Está cada vez mais difícil. Isso só faz proliferar a ideia de que os jogadores são estrelas inacessíveis, trancafiadas em suas caixas-fortes de hotéis, aviões e concentrações. E que treinadores são primas donas inacessíveis e donos da verdade.

Felizmente, alguns poucos ainda falam e trazem boas histórias e informações. Além de explicarem algumas situações que ganham a rua por falta de esclarecimento.

Essa postura gera, também, informações equivocadas, as chamadas barrigas. Porque quando o jogador não fala, outros falam por ele. É aí que mora o perigo.

Recordo uma história que vivi em meus tempos de repórter de jornal. Trabalhava em A Gazeta Esportiva. Mirandinha, aquele atacante do final dos anos 90 que era velocíssimo, estava em alta no Corinthians. Tinha acabado de jogar bem e se destacar em um clássico. Era personagem. Fui entrevistá-lo no vestiário - ainda se permitia que repórter entrasse em vestiário após o jogo. Ele disse que tinha um compromisso numa emissora de TV e que precisava sair rápido, mas acrescentou o seguinte: "Anota meu endereço e passa amanhã na minha casa que a gente faz a matéria".

Fui à casa de Mirandinha na segunda-feira. Divertido, ele me pediu desculpas e disse que precisava almoçar com o filho e me convidou para comer. Recusei educadamente. Ele foi almoçando e respondendo. Papo bom, mas nada de espetacular.

Até que depois da sobremesa ele pegou o filho e foi jogar videogame. Montou seu time e escalou o ataque: ele, Mirandinha, e Ronaldo Fenômeno. Disse que seu sonho era jogar com o Fenômeno e que só podia realizá-lo no videogame.

Era a matéria. Fotografia do jogo, dele jogando, das jogadas que fazia no game com o ídolo, respostas sobre a admiração pelo Fenômeno, que brilhava na Espanha.

A matéria teve ótima repercussão e recebi um telefonema do José Maria de Aquino, que era o chefe do esporte da Globo em São Paulo à época, pedindo o telefone do Mirandinha, elogiando a reportagem e perguntando se tinha problema eles fazerem uma matéria com o mesmo tema na TV. Claro que não tinha.

Enfim, apenas uma situação para ilustrar como o futebol pode se beneficiar de uma relação que não precisa ser bagunçada, mas pode ser mais aberta com os jornalistas.

Muitos torcedores jamais chegarão perto de um jogador, de um ídolo. O contato com a mídia ajuda a fazer esse meio-campo, com o perdão do trocadilho, e a desmistificar (ou até negar) uma ideia corrente que aponta os jogadores da atualidade como estrelas mimadas e desconectadas da realidade.

Falta visão para alguns clubes, empresários de jogadores e assessores de imprensa.