Felipão, débito e crédito
Não é toda hora que um técnico de futebol que já ganhou a Copa do Mundo fica sem emprego. Pouco importa a dinâmica do processo, se pediu para sair, se saíram com ele, o fato é que Felipão saiu do Palmeiras.
É notícia de repercussão mundial e que sugere uma série de análises.
Felipão é um treinador consagrado, vencedor, com carreira estabelecida. Por isso é um profissional caro, que faz muitas exigências, respaldado por seus resultados. Quem aceita pagar esse custo espera que o retorno venha em forma de conquistas.
Até aí, tudo normal. O que pega é quando se coloca o nome Palmeiras na frase. Felipão não é apenas mais um técnico para o Palmeiras. Como não é Luxemburgo, como não foi Brandão. Felipão é verbete de destaque na enciclopédia palestrina, daqueles com direito a foto e mais de uma página de texto. É dos poucos treinadores a ter alcançado a estatura de ídolo.
No caso de um clube cujo pensamento político e futebolístico se perdeu em algum momento entre os anos 60 e 70, essa relação de idolatria é terreno pantanoso. Incapazes de administrar o gigante vitorioso que herdaram, os dirigentes palmeirenses pedem socorro a treinadores que eles consideram como salvadores da pátria. Capazes de, não apenas treinar um time, mas de gerir um deparamento de futebol. Porque é assim que as coisas funcionam no Palmeiras desde o fim da fantástica experiência de co-gestão com a Parmalat.
Tanto que entre 1977 e 2012 o Palmeiras ganhou muitos títulos de expressão. Todos eles tendo à frente apenas dois treinadores: Felipão ou Luxemburgo. Basta levantar o número de treinadores que conquistaram títulos com os rivais de cidade Corinthians e Palmeiras e um observador minimamente atento perceberá que o problema não é só técnico. Mas o problema também foi o técnico. Felipão tem crédito e tem débito, como qualquer profissional. Mas é preciso cobrar da conta dele apenas o que ele consumiu.
Em geral, em pouco mais de dois anos de trabalho, Felipão não teve um grande desempenho. Chegou a duas semifinais, uma estadual e uma continental (perdidas), e a uma final nacional (conquistada). No Brasileirão esteve sempre ali no meio da tabela - até despencar neste ano. Em termos de qualidade futebolística, o Palmeiras de Scolari jogou bem no Paulistão de 2011 e na Copa do Brasil de 2012. Fora isso, foi um time esforçado, lutador e limitado tanto na questão tática como na técnica.
Quem contrata Felipão sabe que com ele vem um pacote de atitudes e comportamentos. Embora seja hoje um cidadão do mundo da bola, o treinador muitas vezes ainda acha que a vida é um grande Gre-Nal e quem não for com ele estará contra ele. O conflito sempre foi usado por Scolari como uma ferramenta de trabalho, um artifício motivacional.
Estrategicamente, sempre foi um técnico que privilegiou a defesa. Seu pensamento futebolístico é conservador. O que não significa falta de coragem em situações pontuais. Mas vendo seus times em campo percebe-se claramente que a primeira regra é não perder. Talvez por isso em algumas situações eles sofram tanto para ganhar. Em várias situações, segurou sozinho a enorme incompetência dos dirigentes palmeirenses. Mas em outras mereceu o crédito pelos insucessos.
Olhando de longe fica claro que ele e o Palmeiras perderam o tempo de tomar uma decisão que talvez tivesse sido a melhor para ambos. Decisão difícil de se tomar, que requer coragem e sangue-frio. Quando ganharam a Copa do Brasil, Palmeiras e Felipão poderiam ter encerrado de forma amigável, por cima, a parceria. Talvez fosse até o desejo do treinador. Seu estafe aguardava, naquela época, um convite para dirigir a seleção da Rússia, que nunca veio.
Parece fácil escrever agora, mas uma conquista como aquela, num cenário que previa o fim do contrato em dezembro, pode ter mexido com a cabeça de técnico e dirigentes. Porque o Palmeiras ganhou, e com méritos, mas foi um presente dos deuses do futebol. Uma trégua em meio a uma série de insucessos, problemas e falta de visão de futuro. Talvez embriagados pela vitória, Palmeiras e Felipão pensaram que poderiam fazer mais do que realmente podem hoje. Por isso mudaram um curso que, nos bastidores, parecia traçado: Felipão querendo treinar uma seleção na Copa de 2014 e o Palmeiras querendo um técnico mais barato.
Porque o elenco palmeirense não permite a treinador algum grandes arroubos. Embora permitisse uma situação mais confortável, que não veio, também, porque Felipão desde que chegou não conseguiu dar consistência defensiva (a base de seu conceito de futebol). Exceto no breve período da reta de chegada da Copa do Brasil. Vitoriosos, clube e técnico passaram a planejar voos mais altos do que poderiam. Libertadores, grandes contratações, um esquadrão. Enquanto isso, a dureza da realidade batia no fundo das redes do goleiro Bruno a cada rodada.
Felipão e o Palmeiras certamente reencontrarão suas trajetórias de sucesso no futebol. Talvez um demore mais do que o outro. Não sei dizer em que ordem. Mas para isso precisam entender e admitir suas parcelas de culpa na hora de pagar a conta. O Palmeiras precisa lembrar que não é mais time da colônia italiana faz uns 50 anos. E Felipão tem que saber que o tempo em que ou se era chimango ou maragato hoje está nos livros de história.
2 comentários:
Para mim é correto dizer que o Felipão dá privilégios a defesa... sempre tive essa opinião. O que salvou Felipão nos seus anos vitoriosos foram os excelentes atacantes que teve na ocasião. Dessa vez faltou-lhe bons atacantes para que sua campanha fosse melhor.
Outra coisa que vejo é o extremo fascínio do brasileiro para que seu time jogue bonito, no ataque custe o que custar. O brasileiro nao admite que seu time jogue de modo pragmático, pelo resultado. O jogador brasileiro também só mudando de atitude quando vai jogar no exterior.
Com esse paradigma, é fácil entender o troca-troca de técnicos no futebol nacional.
Caraca Nori, que análise fera! Sabe o que eu caho do Felipão? Acho que o Brasil foi campeão em 2002 APESAR dele e não por causa dele. Um técnico mais competente e afinado com o -- antigo?; ex? -- estilo brasileiro de jogar (toque, tabela, futebol ofensivo etc) teria montado um esquadrão em 2002 e poderíamos ter goleado muita gente naquela Copa, ao contrário do que aconteceu, pois sofremos muito e até ganhamos roubado para passar da 1a fase. O mesmo pode ser dito sobre o Parreira em 1994: O Brasil ganhou apesar dele. Imagina o Telê (que estava no auge naquela época) fazendo uma seleção usando de base o SPFC e o Palmeiras/Parmalat com mais o Romário e um ou outro pra completar? Meu Deus, teríamos ganho aquela Copa com o pé nas costas...
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