quarta-feira, outubro 24, 2012



Tribunal não pode apitar os jogos*

*Reproduzo aqui a mais recente edição da colun a que publico às terças no Diário de S.Paulo.
 
Reflexo da sociedade da qual faz parte, o futebol brasileiro é tão confuso quanto o país. Situações e personagens se misturam de tal maneira que muitas vezes é difícil apurar e apontar responsabilidades. Um exemplo é a atuação dos integrantes dos tribunais de Justiça Desportiva, que recentemente parecem dispostos a agir como árbitros de futebol.

Entendo e reconheço que as atuações de promotores, auditores e outros integrantes dos tribunais, outrora chamados de tapetão pelo irreverente torcedor brasileiro, são necessárias, porém, como disse o Filho do Homem, “a César, o que é de César”.

Em minha visão de leigo, mas interessado e estudioso, os tribunais devem julgar casos de agressão, violência e determinar punições e suspensões tendo como base a súmula de uma partida de futebol e o que foi relatado pelo árbitro.

Não acho que caiba a um tribunal formado por profissionais do direito, representando clubes, julgar interpretação das regras do jogo, como simulação e faltas. Cito dois casos recentes. A suspensão do meia-atacante Ronaldinho Gaúcho, do Atlético-MG, por falta no atacante Kléber, do Grêmio, e a denúncia contra o centroavante Luís Fabiano, do São Paulo, por suposta simulação no clássico contra o Palmeiras.

Ronaldinho foi suspenso porque o STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) entendeu que ele praticou uma jogada violenta contra Kléber.

O árbitro daquele jogo, Héber Roberto Lopes, nem sequer marcou uma falta no lance. Duplo equívoco, penso eu. Houve a falta no lance, mas não foi uma jogada violenta. Além disso, o STJD tem competência para avaliar uma jogada sob a ótica da técnica de arbitragem? Acho que não.
O mesmo raciocínio vale para o clássico de 6 de outubro entre São Paulo e Palmeiras. Luís Fabiano tentou, sim, cavar um pênalti em lance com Maurício Ramos. O árbitro Paulo César de Oliveira nada marcou. Nem sequer advertiu o atacante são-paulino.

Por que haveria o STJD de acatar uma denúncia e julgar o atleta propondo suspensão de até seis jogos?

Não caberia ao juiz de futebol interpretar se houve ou não simulação ao ponto de merecer uma advertência dentro das regras, punindo com um cartão amarelo ou um vermelho?

Os tribunais esportivos são necessários, repito. Mas não podem cair em tentação e passar a atuar como paladinos ou, o que é pior, justiceiros do esporte brasileiro. O jogo começa e termina no campo, disputado por atletas e apitado por juízes.

Vídeo como prova - Há casos em que a chamada prova de vídeo pode e deve ser aceita. Como, por exemplo, agressões que são captadas pelas câmeras e não foram percebidas pelo árbitro.
Porém, um lance de jogo, que foi avaliado, de maneira correta ou não, por um juiz de futebol, dentro do direito de interpretação que a regra do jogo lhe dá, deve ser julgado por profissionais do direito e não da arbitragem?

Acho que não. E vejo um abuso de autoridade, uma intervenção em uma área à qual os promotores, relatores e auditores não pertencem.

Quantas simulações acontecem em um jogo de futebol? Toda queda é simulação? Como separar uma queda proveniente de um choque, em um esporte de contato, com uma tentativa de ludibriar a arbitragem? Quem está mais capacitado para decidir se um jogador tentou ou não simular um lance, um juiz de futebol ou um juiz do direito? Respondo sem pestanejar: o juiz de futebol.
Antes de levar a arbitragem de um jogo para os tribunais, é preciso trabalhar para capacitá-la, diminuir a margem de erro, educar jogadores e treinadores, uniformizar critérios.

Cabe aos tribunais julgar e condenar agressões, condutas antidesportivas, tumultos etc.
Apitar um jogo, bem ou mal, é atribuição dos árbitros de futebol e somente deles. O jogo acaba ali, não deve continuar num tribunal.

Peixe e feijoada

O Santos foi de uma apatia contra a Ponte Preta que cabe o protesto com bom humor de alguns torcedores. Ouvi alguns deles, peixeiros fanáticos, argumentando que o time só poderia ter almoçado uma farta feijoada para entrar com a moleza que entrou em campo. A Macaca poderia ter goleado.

Coração Pirata
O atacante argentino Barcos consolida a cada jogo a condição de ídolo do Palmeiras. Joga muita bola e sabe se comunicar com a torcida sem precisar forçar a barra. Fez mais em menos do tempo do que o meia chileno Valdivia, cuja condição de ídolo junto aos torcedores palmeirenses é difícil de compreender.

Seleção natural
Forte e entrosado com seu time titular, o Corinthians não sustenta o rendimento e a consistência quando joga desfalcado.
Foi mal contra Cruzeiro e Bahia, jogando com mistões. Não deve ser tarefa difícil para Tite fechar o grupo de jogadores que levará ao Mundial de Clubes do Japão. É tipo seleção natural.

Nó tático
O filósofo Neném Prancha (Antônio Franco de Oliveira) dizia que o pênalti, de tão importante, deveria ser batido pelo presidente do clube. Pois algum são-paulino mais exaltado certamente protestará argumentando que Rogério Ceni, chamado de presidente pelos demais jogadores, seria o nome mais indicado para cobrar a penalidade máxima que Luís Fabiano perdeu no jogo contra o Flamengo.

É o típico caso da discussão inútil, porque envolve o se, o condicional. Mas ainda persiste a conversa em arquibancadas e botecos da vida sobre essa questão, que se repete a cada torneio. O time tem um cobrador oficial, mas tem um atacante que briga para ser artilheiro da competição. Mas esse atacante havia perdido uma penalidade no jogo anterior, não seria prudente trocar o batedor? Fica fácil falar depois que o atacante erra a cobrança ou que o goleiro defende. Quem garante que Rogério também não perderia?

É mais uma das muitas máximas do futebol que entram para o folclore. Coisas como em time que está ganhando não se mexe, alteração só se faz após os 15 minutos do segundo tempo, nó tático, treino secreto, grupo rachado, time unido e outros chavões.

Penso o seguinte: pênalti convertido ou perdido faz parte do jogo, é coisa daquele momento. Como gostam de dizer os jogadores profissionais e os peladeiros amadores, só perde quem bate. O resto é teoria para a resenha com cerveja.

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