sexta-feira, outubro 19, 2012



Samba e lirismo em

 

Perímetro Urbano
















Imagine uma roda de samba numa sexta-feira à noite. Local? O mais que paulistano bairro da Mooca. Lá fora, a fina garoa de Piratininga. Dentro, uma reunião de gente como Originais do Samba, Adoniran Barbosa, Paulinho da Viola, Paulo Vanzolin, Aldir Blanc. A acompanhá-los, a fina flor do instrumental do samba, com violões de seis cordas, clarinetes, flautas, bandolins.

Pois foi nessa viagem musical que embarquei ao colocar para rodar no som do carro o CD Na Capital do Pecado, do inspirado grupo Perímetro Urbano.

Recebi a jóia do Aílton Amalfi, companheiro de trabalho no SporTV. Coordenador de transmissão, dos bons, e parceiro de caminhadas regadas a bons papos sobre música e sobre a São Paulo dos anos 60 e 70 (no caso dele) e dos 70 e 80 (no meu).

Amalfi forma o Perímetro Urbano com Flávio Mesquista, Vital Mancini e Pena. O som do Perímetro Urbano remete a todos os craques citados no primeiro parágrafo. Mas não é cópia. Bebe dessa fonte com a devida reverência, mas sem agredir o estilo. O grupo não cai na armadilha fácil de, sob a desculpa de atualizar um estilo, destrui-lo

A primeira mensagem que chegou ao ouvir a faixa-título foi direta, certeira. O coro me levou até a inspirada interpretação de Do Lado Direito da Rua Direita, dos Originais do Samba. O grupo, mais conhecido pela presença do músico e humorista Mussum, trocou o Rio de Janeiro por São Paulo no final dos anos 60 e nessa faixa a adaptação fica evidente.

O samba paulista é mais duro, menos suingado que o carioca. Também não conta com a sensualidade do Samba do Recôncavo, constantemente maltratado por grupos da onda do axé-pagode. Não se trata de dizer que o samba paulista é pior que o carioca e o baiano. É diferente. Ele não tem como refletir a alma carioca, a ginga do subúrbio, ou a sofisticação bossa-novista da Zona Sul do Rio. Nem aquela sacanagem implícita provocada pelo sol e o calor que abençoam o baiano.

O samba paulista é urbano, feito de cimento e de cinza das chaminés das antigas fábricas de bairros como a Mooca e o Bom Retiro. Do friozinho de pé de serra da Zona Norte. É um samba que observa sua realidade, uma música cronista do dia-a-dia da cidade, de seus bairros. Onde não há o suíngue carioca, existe um flerte com a MPB e com o choro, que vem dos bares, da noite. Tudo isso impregnado pelo sotaque inconfundível adquirido pelo sangue italiano e português de boa parte dos paulistanos.

O Perímetro Urbano fotografa com rara felicidade e competência esse lado da alma paulistana de bairro. Não é por acaso que seus integrantes vestem, orgulhosos, camisas de times de futebol históricos como Juventus e Ypiranga, que representam muito desse bairrismo, no melhor sentido.

No Pout-Pourri de Partidos Altos há gemas de pura poesia cotidiana, como "mulher esconde a cerveja e a linguiça. Chegou o oficial de justiça", ou "mãe eu quero água da bica/vê se não encrespe/mas se não tem água da bica/eu bebo a da Sabesp". Quem ouve se imagina num boteco da Zona Leste, tomando cerveja, comendo torresmo e vendo a música nascer do cotidiano.

O instrumental é apurado sem ser prepotente. Não há espaço para virtuosismos sem propósito. As harmonias são sofisticadas, mas diretas, com melodias que tentam - e conseguem - escapar da vulgaridade.

Há parcerias surpreendentes, como Direitos Autorais, bem-humorada aventura de Aílton Amalfi com o repórter e amigo de infância Alberto Gaspar, uma espécie de quinto elemento do grupo.

O lirismo se faz marcante na belíssima Bom Retiro, numa interpretação de arrepiar da jovem cantora paulistana Luciana Alves. Na voz de Luciana, versos duros como "O lado escuro da cidade que meu coração proibiu/Que fica entre o meretrício e mau cheiro que vem do rio" escancaram a delicadeza com que os compositores do Perímetro Urbano tratam a metrópole. Mesmo em seus piores aspectos. Luciana é uma das expoentes da nova cena do samba e do choro, tendo se apresentado com Guinga, Paulinho da Viola e Hermeto Paschoal, entre outros. Destaque, também, para o lindo arranjo minimalista para piano e violoncelo de Edmilson Capelupi, diretor musical e arrranjador do álbum.

Amalfi, Pena, Vital e Flávio se revezam nos vocais das demais canções, sempre com absoluta competência.

Numa época em que se associa o samba ao pagode pasteurizado, apelativo e sem graça que invadiu as rádios nos últimos anos, visitar esse Perímetro Urbano é uma viagem libertadora. Veteranos da estrada musical, os integrantes do grupo, formado no final dos anos 70, desfilam uma gostosa nostalgia nas 14 faixas de Na Capital do Pecado. De quebra, ironizam a própria dificuldade em romper a ditadura do jabaculê nas rádios em Vida de Compositor (...vou buscar na rua inspiração/no balcão uma pizza comum, de atum/moço me dá um trocado! Não tenho nenhum).

Mas é na canção que fecha o disco, Depois de Vinte Anos, que o Perímetro Urbano prova que sabe tudo dessa arte de olhar para trás sem perder o rumo do que vem adiante. Arranjo belíssimo, nostalgia, poesia e lirismo. Um som que merece sair desse perímetro e ganhar as ruas e estradas do País.

Para conhecer mais sobre o Perímetro Urbano, visite a página do grupo no My Space:

http://www.myspace.com/grupoperimetrourbano

Um comentário:

Rafael disse...

trabalho com pesquisa musical e g
gostaria de saber quem são os compositores das faixas 5, 8, 10, 11 e 13 abaixo:

5. Pot-Pourri de Partidos Altos:
-Alto da Mooca
-Trio Esperança
-Condomínio
-Oficial de Justiça
-Água da Bica
8. Laranjeiras
10. Bom Retiro
11. Vida de Compositor
13. Negligência

Será que você poderia me ajudar quanto a isso. Desde já agradeço.