terça-feira, julho 24, 2012


O Cesto da Gávea



Na Era dos Descobrimentos, muito antes do GPS e dos modernos instrumentos de navegação, todo navio tinha um ponto estratégico, o Cesto da Gávea. No mastro mais alto sentava-se um navegador experiente, com bons olhos, numa espécie de cestinha de madeira, para prescrutar o horizonte em busca de terra firma, após meses de navegação, muitas vezes sem rumo.

Pois a relação me parece óbvia e me permito a comparação, em tom de brincadeira, para amenizar um tema pesado para milhões de brasileiros de sangue rubro-negro. Falta ao Flamengo, o clube da Gávea, alguém que efetivamente suba ao cesto e aponte um caminho, um rumo. Um alguém não, mas vários deles, um grupo de pessoas que consiga atuar com o mínimo de discernimento para um clube de tal magnitude e importância para tanta gente.

Como todo fenômeno de popularidade, o Flamengo está sujeito às intempéries. A repercussão é maior para o bem ou para o mal. As funções se confundem, em todos os níveis de atuação. Todos que, de alguma maneira, trafegam em torno do clube, são tomados por esse sentimento. Dirigentes, funcionários, jogadores, mídia. Há uma grande confusão entre trabalhar e torcer.

Como disse o Casagrande no Arena de segunda-feira, no Flamengo o céu e o inferno quase se tocam de tão próximos. A paz do domingo vira guerra na segunda e vice-versa.

Tudo ganha proporção descomunal, para o bem e para o mal. Vitórias ilusórias são vendidas como épicas. Derrotas comuns são pintadas com tons de tragédia. Interesses são misturados, notícias são plantadas aqui e ali e, algumas vezes, sem a devida checagem, apenas produzem o efeito que o plantador queria, o de tumultuar o ambiente do rival político. Ou, o que é pior, são veiculadas com esse firme propósito, maculando outra instituição, a da notícia.

O Flamengo de dezenas de milhões atualmente é terra de ninguém.

Sou daqueles que sempre esperavam com ansiedade a chegada ao poder de um ex-atleta, sob o argumento de que acrescentaria um novo tom à função de dirigente esportivo. No caso de Patrícia Amorim a decepção é enorme. Ou ela é uma náufraga perdida no meio do oceano, o que talvez seja até melhor para sua imagem, ou trouxe para o cargos os vícios adquiridos no mundo político profissional.

Rachado, dividido, cheio de microcorrentes políticas, o Flamengo cometeu o pecado de fritar publicamente seu maior ídolo e símbolo, Zico. Como fez muitas vezes com tantos outros símbolos.

A política interna se sobrepõe ao interesse maior de um clube que é fundamental não apenas no futebol, mas também nos esportes que ainda são equivocadamente chamado de amadores no Brasil. Falta grandeza a essas pessoas que colocam o interesse pessoal acima de uma instituição gloriosa.

Como todo grande time de futebol, o Flamengo tem condições de conquistar títulos graças a sua mística, sua tradição, ao chamado peso da camisa. Uma taça aqui, outra acolá, mas é o futuro, e o rumo, que direção aponta o olhar atento de alguém que assuma posto no Cesto da Gávea?

Pode vir Dorival Júnior ou qualquer outro treinador que, sem condução, sem rumo, sem um trabalho com objetivo claro, o clube ficará perdido em meio a tempestades e furacões de bastidores.

Infelizmente, para os verdadeiros flamenguistas, aqueles que herdaram o espírito de um time de futebol criado na rua, em meio à sua gente, parece que a politicagem de clube hoje está acima dos destinos de uma instituição histórica.

Um comentário:

FRANCISCO disse...

Nori,

A argumentação é interessante e a metáfora do navegante no cesto, bem original. Só me permito discordar da história de ex-atleta no comando, até porque, poucos são os ex-atletas que se preparam para o exercício de funções de gerenciamento.
Zico não é um bom exemplo de atleta que saiba gerenciar. Enquanto esteve como diretor no Flamengo só fez bobagens. Não mostrou capacidade de liderança; foi lastimável na interação com os demais diretores; executou mal suas funções específicas, contratando jogadores caros e de qualidade duvidosa, dando margem a suspeitas - nunca rechaçadas - de que tais contatações foram "agenciadas" pelos seus parentes. Não seria Zico, exatamente o exemplo de pessoa que coloca interesse pessoal acima dos interesses da instituição?
Creio que a única solução para o problema dos clubes seria buscar a não apenas administração profissional; mas, principalmente, o modo de agir das empresas privadas.
Por exemplo: Qual empresa privada contrataria uma pessoa sem pedgree econômico-financeiro, como Patrícia Amorim, para gerir um orçamento como o do Flamengo?
Volto a concordar com você que Dorival Junior não é solução para os problemas do Flamengo. E não é solução, não só, pelos problemas da Gávea; mas, também, porque Dorival é, apenas, mais um incompetente a locupletar-se neste inverosímil mundo do futebol. O que Dorival Júnior fez no Atlético-MG? O que fez no Internacional? O prestígio conseguido com o Santos não foi merecido. O time marcava muitos gols, porque tinha Ganso, André, Robinho e Neymar; mas tomava muitos gols, porque Dorival Junior não sabia orientar os jogadores para que formassem uma equipe.
No mundo empresarial, qualquer candidato a coordenador de grupo é submetido à uma bateria de testes, para comprovar suas qualidades e seus conhecimentos. Duvido que indivíduos como Muricy Ramalho, Joel Santana e tantos outros, conseguissem aprovação em testes para encarregado de linha de montagem, numa fábrica de bicicletas.
No caso específico de Muricy Ramalho, duvido até que conseguisse aprovação num exame do ENEM.