Lá pelo final dos anos 90, 97 ou 98, não me lembro ao certo, resolvemos organizar uma festa, eu minha mãe e minhas irmãs, para celebrar os 50 anos de carreira de meu hoje saudoso pai Luiz Noriega.
Fizemos uma surpresa, alugamos um salão enorme e enganamos o velho com o papo de que era um pequeno jantar para comemorar seu aniversário.
Foi um barato ver a cara de espanto dele quando abrimos a porta do salão e ele viu toda a família, amigos da rádio e da TV Tupi, da TV Cultura, companheiros de trabalho, amigos da infância em Olímpia etc.
A meu cargo ficou a missão de convidar atletas e ex-atletas com os quais ele tinha mais amizade e que sempre se referiram ao meu pai como uma pessoa fundamental para suas carreiras. Alguns não puderam ir, mas enviaram telegramas, cartas, telefonaram. Gente de caráter como William e Montanaro, Paula. Outros simplesmente desprezaram o convite, talvez porque naquele tempo, afastado da TV, meu pai não servisse mais para os propósitos interesseiros que vinham disfarçados de amizade.
Algumas presenças foram especialmente marcantes para nós, como as do eterno Adhemar Ferreira da Silva e as de dois campeões mundiais pela seleção brasileira de futebol, Hideraldo Luiz Bellini e Gilmar dos Santos Neves. Amigos de longa data do meu pai, figuras frequentes no círculo social da família. Esbanjaram simpatia durante toda a noite, sem um pingo de frescura.
Em determinado momento, meu tio materno e padrinho, Zeca Galizia, me puxa num canto e pergunta:
- Má, aquele ali é o Gilmar, o goleiro?
- Sim, ele mesmo - respondi.
Meu tio já era um senhor de quase 60 anos, mas tremia feito vara verde, com dizemos lá em Bariri.
- Rapaz, eu era fã dele. Eu me jogava nas bolas como ele quando brincava de goleiro e saía dizendo que era o Gilmar - explicou meu tio, corintiano fanático.
- Me leva lá para falar com ele?
Levei e vi meu tio com um sorriso de garotinho. Gilmar, respeitosamente, levantou-se da mesa, apresentou a esposa. Eu tinha apresentado o Bellini também, ambos ficaram conversando animadamente com meu tio, e ouviram as histórias de suas aventuras de goleiro nos campinhos enlameados de Bariri.
Entrevistei Gilmar algumas vezes em minha carreira de jornalista. Em quase todas utilizei o nome do meu pai para facilitar o acesso. E em todas Gilmar foi de uma educação impressionante, de uma elegância que refletia a maneira impecável de se vestir. Era um senhor alto, boa pinta, elegante. Dizem que as mulheres suspiravam por ele em seus anos de atleta.
Quis o destino que algum tempo depois daquele noite, Bellini e Gilmar fossem acometidos por males que limitaram suas condições físicas e mentais.
Não vi Gilmar jogar, mas para a minha geração, a da turma que está entre 45 e 50 anos, ele era um monstro sagrado. Era como não precisar ir a Lua para saber que ela esta ali. Ninguém duvidava que Gilmar era o melhor goleiro brasileiro, mesmo sem tê-lo visto jogar.
Lembro-me de meu pai chegando em casa triste, abatido após visitas a Gilmar e Bellini, ou após conversar ao telefone com familiares.
A seleção de 1958 está sendo reforçada lá no céu. De Sordi, Djalma Santos, Gilmar, todos partiram recentemente. Serão recebidos por Didi, Vavá, Garrincha, o treinador Feola.
É o tempo, inexorável, cumprindo a única certeza da vida. Seja ela gloriosa como foi a de Gilmar, ou anônima.
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