terça-feira, setembro 25, 2012



RÁDIO

 
 
Batuco essas linhas ao som de Radio Gaga, do Queen. Hoje é o Dia do Rádio. Não sou muito ligado nessas datas, em efemérides e coisas assim. Mas sou muito ligado em Rádio. Assim, em caixa alta. O rádio é, dos meios de comunicação, o mais companheiro. É aquele amigo que chega em casa, na cidade pequena do interior, puxa uma cadeira e engata aquela prosa longa, sem compromisso, que parece não ter hora para terminar.
 
O Rádio é o amigo que não liga apenas no dia do aniversário. Tem uma cumplicidade entre o Rádio e seus ouvintes que não existe, por exemplo, entre TV e telespectadores, entre jornal e leitores, entre Internet e navegadores. O Rádio conversa com a gente, a TV, exceto pelos grandes comunicadores (muitos deles egressos do rádio) meio que invade nossa sala, a Internet é xereta, e o jornal nos últimos tempos parece chegar sempre atrasado.
 
Eu sou ouvinte de Rádio desde que me entendo por gente. Recordo um Natal em que meus pais me deram um rádio de pilha da Philips, AM e FM, tons de cinza e preto, bem transado para a época. Devia ser lá por 1979, algo assim. Eu fiquei numa alegria só. Dormia com o radinho ao lado do travesseiro ouvindo "É Noite, Tudo Se Sabe", na Jovem Pan, com a voz insinuante de Ana Maria Penteado. O prefixo do programa era a canção-tema de Houve Uma Vez um Verão, de autoria de Michel Legrand.
 
Por influência do meu pai, que era muito amigo do genial Fernando Vieira de Mello, que é sinônimo de radiojornalismo, eu ouvia muito a Jovem Pan, cujo padrão de qualidade era reflexo do que pensava o Fernando. Sei de cor até hoje todas as velhas vinhetas da Pan, embora escute muito menos do que escutava e cada vez menos consiga ouvir a verdadeira Pan ecoando naquele prefixo.
 
Como esquecer do Fiori Gigliotti e suas maravilhosas peças de poesia nas tardes de domingo? Quando estava em férias em Bariri, perambulava pelos quatro cantos da casa da minha avó tentando encontrar um local em que a Bandeirantes entrasse sem interferência. Quase sempre, Lei de Murphy, na hora do gol a sintonia literalmente ia para o espaço. E dá-lhe caçar uma onda curta que tivesse mais firmeza!
 
Nas madrugadas lá na casa da Dona Olinda, eu me lembro que ela deixava o aparelho ligado e entrava cristalina a Tupi do Rio. Através daquelas ondas eu pude ouvir outro gênio da comunicação radiofônica brasileira, o Collid Filho e seu Salão Grenat. Ficava sabendo das notícias, dos resultados do futebol, e me impressionava quando a previsão do tempo dava a temperatura. Quando era inverno e as noites esfriavam no interior paulista, lá no Rio as madrugadas apontavam 25 graus. E o Collid falando como se estivesse tomando um cafezinho na sala. 
 
Ouvi muitas histórias da famosa Equipe 1040, da Tupi de São Paulo, que meu pai, Luiz Noriega, integrou, e que sob o comando de Milton Camargo e Pedro Luiz praticamente inventou o jeito de se fazer rádio esportivo que persiste até hoje. Quase tudo que se faz numa jornada esportiva do século XXI a 1040 já fazia nos anos 1960.
 
Percorrer o dial buscando, em ondas curtas, rádios de todo o mundo, tentando perceber estilos diferentes, sotaques, notícias, é um exercício fantástico. 
 
Isso sem falar nas FMs. Que alegria era poder ouvir um som mais potente, limpo, e conhecer grandes nomes da música, gravar uma fita K-7 para as namoradinhas que a gente sonhava e quase nunca conquistava. Hoje escuto muito as rádios que nos EUA são enquadradas do padrão AC, Adult Contemporary, e também as dedicadas ao rock, o que me faz lembrara da Fluminense, a Maldita, que introduziu uma geração ao bom e velho rock´n roll.
 
O Rádio do Interior, que segue firme, apesar da concorrência muitas vezes desleal das grandes redes, da TV e da Internet. Aquele Rádio que fala do baile no clube, da quermesse, da hora da Ave Maria, do sagrado horário sertanejo.
 
Como tudo e todos, o Rádio mudou. Houve um tempo em que para falar no Rádio era preciso ter uma voz capaz de capturar a atenção do ouvinte, que marcasse e identificasse seu proprietário. Hoje muitas vezes é difícil entender o que dizem algumas vozes no Rádio. Por isso admiro a Gaúcha, uma Rádio em que os comunicadores preservam a cultura da bela voz.
 
Gosto de ouvir as histórias de três grandes companheiros de transmissão do SporTV sobre o Rádio. Jota Júnior conta inúmeras dos seus tempos de rádio em Americana, em Campinas, na Gazeta, na Bandeirantes. Tempos em que o Rádio era o senhor da comunicação esportiva, que se fazia silêncio na sala, no carro, para ouvir a opinião de um Mauro Pinheiro, de um Juarez Soares. Milton Leite recorda suas peripécias do Show da Manhã da Pan, no qual ele, craque da comunicação, dizia que a Júlia, do Tatuapé, queria trocar um fogão e que a Márcia, de Interlagos, queria colocar uma TV no negócio. E Luiz Carlos Júnior lembra com carinho seus tempos de DJ e apresentador da Rádio Cidade, em Brasília, no Rio, lançando tendências e novas bandas.
 
Tive breves passagens pelo Rádio. Um pequeno período na Trianon, meio que como convidado, e um outro período, também breve, pela Bandeirantes. Guardo na memória a convivência com monstros sagrados como Muíbo Cury, José Paulo de Andrade, Salomão Ésper, José Nello Marques, Cláudio Zaidan. Escuto meu grande amigo Paulo Galvão e a simpaticíssima Thays Freitas carregarem o DNA da velha Band com grande competência.
 
Para fechar, lembro a vocação inabalável do Rádio, de prestar serviço, em dois momentos. Na votação das Diretas Já, lembro de todos em casa estarmos acordados, meu pai com o radinho de pilha na mão, esperando o resultado. Naqueles tempos estranhos, a sessão do Congresso foi fechada à imprensa. Quando acabou, lacônico, meu pai disse: "não passou. Agora vai dormir", e desligou. Meses mais tarde houve o famoso apagão na região Sudeste, muita especulação, gente falando em golpe, e o rádio informando, movido a pilha, mostrando caminhos para quem precisava sair de casa ou estava preso nos engarrafamentos.
 
O Rádio não tem um dia, tem a eternidade. Parabéns, companheiro!

8 comentários:

Rodney Brocanelli disse...

Lembro que você teve uma passagem como comentarista no projeto SportsJá/Nova FM, em que o Jorge Kajuru era um dos âncoras. Pena que a parceria não foi adiante e durou pouco mais ou pouco menos de seis meses, em 2000.

Unknown disse...

Rodney, não foi uma passagem, eu, como diretor de conteúdo do SportsJÁ, criei o projeto e convidei a Rádio K para ser parceira. Infelizmente, a parceria não funcionou como nós esperávamos, não por culpa do SportsJÁ!, mas foi uma experiência válida, até porque nós praticamente começamos com as transmissões esportivas na Internet brasileira.

Carlos Tavares - Campinas disse...

Mauricio,

Hoje sou um radialista aposentado aqui em Campinas e confesso que sempre ouvia a Pan desde o jornal de Integração Nacional com o Wilson Fittipaldi, até o É Noite tudo se Sabe, com a Ana Maria. Bons tempos.

abraços
Carlos Tavares

Eduardo Silva disse...

oi NORIEGA. Parabéns pelo lindo texto sobre o rádio. Percebi que ouvimos as mesmas rádios, os mesmos programas e comunicadores. Lendo seu texto voltei aos meus tempos de criança quando também andava pela casa tentando descobrir novos programas esportivos em ondas médias ou curtas. Foram tantos ídolos, tantos craque do microfone que devo a cada um deles, e em especial, ao Osmar Santos, toda minha carreira de jornalista. Obrigado pelas lindas palavras. Fizeram justiça a magia do rádio. Parabéns ao seu pai que é um dos grandes nomes da comunicação esportiva.
abs Edu

Rodney Brocanelli disse...

Agradeço pelo esclarecimento. Não lembrava que você tinha função executiva nesse projeto. De qualquer modo, foi uma experiência boa para quem era ouvinte, especialmente pelo lado da interatividade. Eu participava assinando com o nickname Suspeito. Abraços

Ana Maria Penteado disse...

Noriega, estava viajnado e só hoje me avisaram que você havia citado o meu nome em seu brilhante comentário sobre o que o rádio representa. Fiquei muito feliz em saber que você ouvia o É Noite, que era feito com muito carinho e que realmente fazia companhia a muitos ouvintes. Fique sabendo que sou sua fã e adoro seus comentários sensatos e precisos sobre tudo que acontece nos jogos. abs

Ana Maria

Adriana Lima disse...

Não sei se li todos seus textos desse ano, acredito que não, mas esse é um dos mais bacanas,é real e é bonito... É genuíno e diz muito quem é você.

Li de novo agora e curti mais uma vez. Parabéns.
Dri

Anônimo disse...

Nori, parabens só agora vi essa postagem, o radio sempre foi uma grande escola, e a Jovem Pan, se não foi a melhor esteve sempre entre as melhores, Pan, Band, a Antiga Radio Tupi, com o seu Grande Jornal Falado as 22:00, velhos tempos, velhos dias.