Foi-se a Copa.
Nunca estive entre aqueles que achavam que ela não aconteceria, nem entre os que entendiam que aconteceria em meio ao caos.
A Copa teve cara de Brasil, com seus defeitos e suas virtudes.
Assim como sobrevivemos diariamente ao caos político e administrativo a que parecemos estar condenados eternamente, tocamos o Mundial adiante. Com o jeito do povo brasileiro, que sabe se adaptar às dificuldades e segue tendo uma qualidade admirável: a gentileza.
Por mais que estejamos endurecidos pelas dificuldades do dia-a-dia e uma violência descabida, ainda somos um povo gentil, cordial e que gosta de receber visitas.
O sucesso do Mundial é indiscutível.
Não caio nessa pegadinha de frases e termos antecedidos pelo sinal do jogo da velha (hashtag é o cacete!). A maior parte delas foi pensada por algum publicitário esperto ou por um diretor de marketing antenado.
Esse é o maior problema de uma Copa na era das onipresentes redes sociais: perde-se a naturalidade.
Ao ponto de jogadores da seleção brasileira terem recebido para espalhar frases de alento ao Neymar após a contusão. Isso já bastaria para desprezar esse comportamento.
A Copa do selfie tem disso. Não importa o que se diga ou se faça, importa é registrar o selfie e o sinal do jogo da velha (hashtag é o cacete!).
Não houve o caos aéreo e nessa, felizmente, eu quebrei a cara. Mas dá para entender lendo entrevistas dos executivos da aviação comercial. Houve queda no número de passageiros em relação à média histórica do período, em cerca de 10% a 15%. Menos gente voando. Uma realocação do período de férias das pessoas, obviamente. O que facilitou as coisas.
A internet brasileira é um lixo, e manteve-se assim durante a Copa. Nenhuma surpresa.
O transporte público brasileiro é um lixo e manteve-se assim, com honrosas exceções. O esquema de transporte por trens e metrô para o estádio em São Paulo foi aprovado com louvor. Também aqui não houve surpresa, porque a Paulicéia é a única cidade brasileira com metrô decente - embora insuficiente para a demanda cotidiana.
O trânsito, nosso vilão do dia-a-dia em qualquer parte de um País cuja economia eleitoreira tenta se segurar na produção e venda de automóveis, também foi o vilão na Copa. De novo, nada que possa ser chamado de surpresa.
Os elefantes brancos, os estádios construídos a custos faraônicos e que até agora não se sabe que uso terão, tipo Arena da Amazônia, Arena Pantanal, Mané Garrincha estarão lá por anos a nos lembrar do absurdo de se fazer uma Copa em 12 sedes por pura ganância política e pagamento de favores eleitorais.
Assim como o mico total de se fazer uma Copa no Brasil e não colocar a seleção brasileira para jogar no Maracanã. Talvez mais um traço de arrogância e prepotência típicos das pessoas que tocam nosso futebol atualmente, acreditando que o Brasil jogaria a decisão.
Diversão houve, com algumas pitadas de arte.
Há uma geração de jovens jogadores que estreou em Copas aqui no Brasil que provavelmente estará tinindo em 2018. Rodriguez, Pogba, Neymar, Goetze, Di Maria, David Luiz, Oscar, Wijnaldum, Kroos, Balotelli e outros.
Não duvido das presenças de alguns craques já figurinhas carimbadas da Copa em mais um Mundial, tais como Robben, Sneijder, o próprio Messi, se bobear até o interminável Klose.
Por falar em diversão, claro que me diverti nesse Mundial. Esse é um dos segredos da minha profissão, saber curtir para suportar as longas ausências de casa, as viagens, os horários malucos, motoristas perdidos etc.
Minha sede favorita da Copa de 2014 foi Salvador. Primeiro porque para o meu gosto tem o estádio mais bonito, que tem mais personalidade. A Fonte Nova foge da regra atual de que, vendo pela TV, a Copa parece estar sendo jogada sempre no mesmo estádio. Sem contar o fato de que vi ali belos jogos de futebol.
Em termos de atitude, outro termo da moda, fecho com Alemanha e Holanda. Seleções de bem com a vida, que esbanjaram simpatia e humanizaram o jogador de futebol, sem ataques de estrelismo, interagindo e mostrando que são seres de carne e osso como todos.
As torcidas deram seu recado. Inclusive a nossa, mesmo sendo formada, na maioria por um tipo novo de torcedor, o de RH. Aquele que ganha de brinde o ingresso da Copa e vai na mordomia, com tudo pago. Esse é o esquema da Copa. 60% dos ingressos são comprados pelos patrocinadores, que os distribuem a seus clientes como cortesia.
Daí veio o termo torcida de condomínio. Mas que deve ser creditado apenas a 60%, pelos números do negócio.
Mesmo assim, levamos um banho dos mexicanos, dos americanos, dos argentinos e dos holandeses e alemães em termos de animação. Sem contar as aulas de cidadania dos japoneses.
O mico das arquibancadas foi a vaia ao hino chileno no Mineirão.
Felizmente compensado pela torcida de Brasília no jogo do terceiro lugar. Apoiou e vaiou na medida certa.
Mas confesso que me diverti mais na Copa da África do Sul.
Não que tenha faltado diversão aqui, mas foram situações e momentos diferentes.
De todas as sedes do Brasil eu só não conhecia Cuiabá. E sigo sem conhecer.
Na África era tudo novidade para mim. Viajei muito, comentei mais jogos do que comentei no Brasil, pude experimentar uma nova cultura, ver novas paisagens.
Sem contar o vinho deles, infinitamente melhor do que o nosso.
E a naturalidade.
O sul-africano soube viver a Copa sem sinal de jogo da velha (hashtag é o cacete!), sem música ensaiada antes, sem choro previsível. As redes sociais não tinham se transformado em praga, não havia a ditadura do selfie, o Brasil não tomou de sete. Havia uma alegria natural nos sul-africanos em estarem sendo apresentados ao mundo. E havia Nelson Mandela entrando em triunfo no Soccer City.
Como já escrevi aqui em postagens anteriores, havia também música muito melhor do que a que foi executada na nossa Copa. Teve Waka Waka, Freshlyground, Malaika, Masekela, Ladysmith Black Mambazo.
A música brasileira de primeira qualidade, riquíssima, foi jogada para escanteio nessa Copa, preterida por pagode e pop baiano comerciais, pasteurizados e repetitivos.
Falar de futebol é chover no molhado.
O brasileiro deu vexame.
Arrogante, autoconfiante, prepotente, mal treinada, tensa e raivosa, a seleção brasileira fez hora extra na Copa. Deveria ter saído nas oitavas, por desempenho. Foi até a semifinal sem ter enfrentado um adversário de hierarquia, apenas para ser humilhada. Felipão, perdido em seu mundo de eternos antagonismos, acha que foram apenas seis minutos, quando os erros são de 15, 20 anos.
Enquanto formos seduzidos pelo canto da sereia da Copa das Confederações e tivermos os dirigentes que temos à frente da CBF, mudar esse quadro será difícil.
Pior ainda é ler que existe uma corrente que acredita que a saída seja estatizar o futebol brasileiro. Uma conferida no que existe hoje na Argentina, onde algo nessa linha foi feito, deve trazer uma lufada de bom senso. O que é preciso é fiscalizar e injetar competência e preparo onde existe política e interesse.
Desaprendemos a ganhar. Viramos resultadistas juramentados. Não temos a capacidade de ver o que os ianques (olho neles em 2018!) chamam de big picture. Estamos sendo engolidos pela era do selfie. Perdemos a naturalidade também dentro de campo.
Os alemães hoje têm o toque de bola que um dia foi nosso. A Holanda tem as jogadas de linha de fundo que nós sabíamos fazer. A Argentina mostrou a dignidade e a inteligência em campo que nossos jogadores costumavam ter. Exceto o Aguero, que deu um soco canalha do Scweinsteiger.
A Copa veio e foi embora, como outras virão.
A vida segue, como esporte e o Jornalismo do dia-a-dia.
Conteúdo nunca é demais.
Cada vez me sinto mais um dinossauro. Meu objetivo é conteúdo, preparo, pesquisa. Não tenho sorriso fácil, não faço selfie e não uso o sinal do jogo da velha.
Hashtag é o cacete!
4 comentários:
Bom dia, Nori!
Li duas vezes o seu texto, talvez porque fosse excesso de informação para um pobre indigente, talvez porque tenha gostado tanto que me senti motivado a reler.
Dos jovens jogadores, que provavelmente estarão na próxima Copa, preferiria que o amigo errasse ao indicar Davi Luís. Esse rapaz me parece um fanfarrão, um borboletáceo esvoaçante, com grau de responsabilidade zero. E sua decantada humildade, é puro (Como é que se diz, mesmo?) selfie.
Quando o Brasil já tomava de sete da Alemanha, Davi Luís não desperdiçou a oportunidade de "humilhar" Scweinsteiger aplicando-lhe um chapéu. Inabalável, Scweinsteiger tomou-lhe a bola e provavelmente construiria o oitavo gol, se o árbitro não se apiedasse dos donos da casa e tivesse inventado uma falta do jogador alemão. E não esqueçamos que o segundo gol da Holanda foi aproveitamento de um passe de cabeça do Davi Luís. Defensor, que se preza não cabeceia bola para a entrada da grande área.
O parceiro do Davi Luís (o melhor beque do mundo) é, também, um jogadorzinho medíocre - só que, com o rei na barriga. Não chega aos pés dos zagueiros da Argélia. Lembra do primeiro gol da Holanda? Thiago Silva disputa com Robin uma bola pelo alto. O holandês ganha a jogada. Ganha, põe a bola no chão e dribla o zagueiro do Brasil. Aí, é preciso desvencilhar-se do zagueiro, na corrida. Robin vence, de novo, no fundamento velocidade. Thiago Silva tenta segurar o atacante. Apenas tenta, pois é arrastado até dentro da grande área, como se o holandês fosse lenhador arrastando criança deficiente. O árbitro, que dava "vantagem" no lance, apita. É falta, é pênalti é gol.
Até logo!
Olá, Nori!
Certa vez, discutia "on line" (Que ironia! com um amigo sobre o pseudo-fato da internet "dar voz aos menos favorecidos". Eis os meus argumentos:
1) A sociedade humana constitui-se de 10 % de líderes e 90 % de seguidores. Isto significa que a massa acéfala será sempre massa acéfala e será mais facilmente manipulada pelos espertalhões, quanto maior for o poder do meio de comunicação.
2) Os tolos sempre tiveram voz e sempre usaram-na para falar besteira. Disponibilizar um instrumento de comunicação poderoso para obtusos é o mesmo que botar revólver na mão de macaco. NOTA: O direito de livre arbítrio fez surgir o diabo. Deus deve arrepender-se até hoje.
Concordo com você que quase nada do que se vê na internet é espontâneo. Aplausos ao Neymar ou vaias à presidente Dilma podem ser programados com meses de antecedência.
Por isso, ponho-me à vontade como seu seguidor e grito: Danem-se as bestas do jogo da velha! E, já que hoje me coloquei de seguidor:
Hashtag é o cacete!
Preciso. Texto bom do cacete!
Lufada: vento forte, repentino e passageiro.
Aprendi este termo hoje.
Você também poderia ter usado o termo "sustenido" pra se referir ao "jogo da velha".
E nosso amigo Milton Leite, não vai escrever nada sobre a Copa das Copas?
Ele está muito ausente do mundo digital.
Abraços.
Postar um comentário