Discute-se aqui e acolá, na maior parte do tempo, nas onipresentes redes sociais, o momento atual do Jornalismo.
Ele sobreviverá, apesar de enfrentar mais uma das muitas crises porque passa periodicamente, com o perdão do trocadilho.
Acumulo algum tempo de estrada para poder opinar sobre o tema, sem achar que tenho a solução para tudo, como muitos colegas e consumidores do Jornalismo acreditam ter.
Eu vejo um problema em uma palavra de nome simples e execução complicada: pauta.
A pauta é a majestade de uma boa redação, de um bom informativo, em qualquer meio de distribuição. Notícia não se inventa, Jornalismo não é ficção. Mas notícia se fuça, se cava, se fareja. Grandes repórteres são perdigueiros da informação, com faro privilegiado.
Mas uma boa pauta muitas vezes dá o pontapé que falta para um bom repórter.
A pauta está morrendo por uma imposição econômica, que ceifa cabeças nas redações e muitas vezes leva as pensantes.
A pauta é uma função ao mesmo tempo ingrata e gratificante para quem a executa. Por isso é preciso ter vocação e uma boa dose de abnegação. O pauteiro é quem pensa para o brilho do repórter. Egos complicam essa relação.
Trabalhei com vários pauteiros. O melhor deles, de longe, foi o Nelson Nunes, nos tempos de Diário Popular. Nelsinho, como nós, os amigos, o chamamos, é um grande repórter e levava isso para suas pautas. Eu era novato na redação do velho Diário mas conhecia o Nelsinho dos tempos de Folha da Tarde e sabia de seu trabalho de excelência. Quando chegava à redação, ainda nos tempos de máquina de escrever, a pauta estava lá, afixada no quadro de recados. Detalhada e detalhista, com telefones de fontes, sugestão de perguntas, suítes e previsão do tamanho do texto e muitas vezes até a página em que seria publicada, porque o Nelsinho já antecipava o espelho para os editores.
Acredito que tenha sido um bom pauteiro quando exerci a função. Procurei usar as lições que aprendi com o Nelsinho, sempre tendo em mente que era preciso identificar os talentos dos repórteres para cada tipo de pauta. Quem tinha alma de repórter setorista, de dia-a-dia, quem gostava de fuçar, de investigar, quem sabia cavar bons perfis de entrevistados. Organização é outro requisito fundamental. Pauteiro confuso e bagunçado pode até ser um gênio, mas confunde.
A pauta é uma função solitária. Geralmente o pauteiro fica sozinho na redação, num horário em que pouca gente chegou. Também lida com o ciúme e com a ingratidão. Sempre há repórteres que acreditam estarem sendo preteridos em favor de outros repórteres - diga-se que muitos realmente têm razão. Se a edição do dia é fria e perde para a concorrência o primeiro a ser cobrado é o pauteiro.
Uma coisa que a pauta não admite é preguiça. Pauteiro preguiçoso é sinônimo de jornalismo preguiçoso. Pauteiro que não goste da função atrapalha tanto quando o preguiçoso. Se os dois tipos se unem no mesmo pauteiro, aí complica. Porque se um programa ou jornal nasce ruim ele dificilmente será salvo e terá o mesmo fim.
A recuperação do Jornalismo de mais uma crise, eu aposto, virá de boas pautas e boas reportagens.
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