Histórias de Redação
Não é um foguete!
Até para desanuviar o ambiente pesado pela notícia de mais uma morte estúpida em estádio de futebol, recorro à memória para contar mais uma história de redação.
Que, lamentavelmente, envolve um foguete. Ou melhor, não é um foguete! Como veremos.
Era dia de Brasil x Chile pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 1990. Maracanã lotado, plantão concorrido na redação da Folha da Tarde (que hoje se chama Agora São Paulo). O cenário de milhões de pequenos ladrilhos coloridos que ornavam as paredes era ocupado pela correria tradicional de uma redação. O recesso, breve, permitia apenas ver o jogo e torcer.
De repente, silêncio! Alguns gritos de protesto! Que absurdo! Animais! O Brasil será eliminado da Copa e suspenso pela Fifa!
A cena na tela da TV mostrava o goleiro chileno Roberto Rojas caído em pleno gramado do Maracanã, levando as mãos ao rosto e se contorcendo em dor, em meio a uma cortina de fumaça.
Indignados, jogadores e dirigentes chilenos deixam o gramado bradando impropérios e protegendo o rosto banhado em sangue de Rojas.
Foi-se o recesso na redação. Correria, tensão, adrenalina.
Fulano, vá ao arquivo e puxe o perfil do Rojas!
Você, localize nosso repórter no Maracanã!
Era o José Roberto Malia, editor de esportes da velha FT, um craque nesse negócio de editar jornal, disparando ordens.
Vamos descobrir que tipo de foguete era esse!
- Não é um "fuguete", é um sinalizador!
A voz grave, pastosa, ecoou precisa naquele segundo de silêncio em meio ao caos. Inconfundível, o sotaque meio anasalado e algo nordestino, sentenciava, ressaltando :
- Não é um "fuguete", é um sinalizador!
O autor da frese era o João, João Faixa, como era conhecido e não consigo me lembrar por quê?
Recordo da figura do João. Era o revisor do jornal no past-up, onde as páginas eram montadas antigamente, momentos antes de irem para a impressão na gráfica. João, olhos de lince, encontrava erros, recortava com estilete os trechos equivocados e subia para a redação solicitando a troca.
Jornalista é vaidoso por contrato. Odeia que apontem seus erros. Principalmente em público e quando quem aponta o jornalista, do alto de sua arrogância, acha que é inferior a ele.
Era o que acontecia com o João Faixa, vítima desse preconceito bobo, com o qual nos divorciamos conforme o tempo vai passando.
Mas voltemos à figura do João. Barriga teimando em fugir da calçe e em não alcançar a camisa, deixando o umbigo à mostra. Camiseta básica, calça jeans e muitas vezes um chinelo de caminhar arrastado. Tudo isso ornado por um indefectível palito aos dentes.
- Malia, é um sinalizador, desses usados pela Marinha.
Naquele dia entendi a frase o silêncio que precede o esporro.
Coitado do João.
Choveram impropérios.
- Cala a boca! Seu ignorante! Vai lá recortar suas páginas etc.
Irredutível, João manteve a tese do sinalizador, argumentando que tinha servido na Marinha e sabia muito bem do que se tratava.
O tempo se encarregou de acabar com a farsa dos chilenos. Tudo fingido e arrumado. Rojas cortara a si próprio com uma lâmina, e arrumaram uma oportunista de plantão, posteriormente alçada aos 15 minutos de - nua - fama como Rose Fogueteira.
O tempo também se encarregou rapidamente de provar que João Faixa estava certo.
Não era um "fuguete".
Era um sinalizador.
Um comentário:
Nori, puxa, voce faz muita falta no twitter.
Lamentável sua ausência e seus sabios comentários esportivos.
abraços.
@submitonjob
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