sexta-feira, janeiro 27, 2012


O drama da

aposentadoria




Com o fim da carreira de Marcos, o santo goleiro palmeirense, e as seguidas contusões de Rogério Ceni, o mito são-paulino, um dos assuntos mais dramáticos do futebol, e do esporte em geral, volta à tona: aposentadoria.

Enquanto a maioria dos trabalhadores vê na aposentadoria, se tiver alguma sorte, a possibilidade de um descanso merecido, no caso do atleta profissional, o dia de terminar a carreira assemelha-se a uma sentença de morte. Porque o atleta profissional, principalmente o jogador de futebol, morre duas vezes. Quando pára de jogar e quando parte dessa para a melhor.

Muitos depoimentos importantes já foram dados sobre esse tema. O filme Boleiros, o primeiro, aborda, de maneira tocante, esse drama.

Mas eu nunca tinha visto, lido ou ouvido um relato tão fundamental e verdadeiro do que seja a vida de um ex-jogador de futebol, das boas e das más lembranças, antes de ler o belo livro "Crônicas de Um (ex) Jogador, de autoria de José Roberto Padilha, publicado pela editora KBR.

Ganhei o livro do próprio Zé Roberto, que enviou através de um amigo comum, o grande Tiãozinho, o "Imperador de Três Rios", parceiro de memoráveis rachões no Clube Paineiras do Morumby.

Em sua dedicatória, Zé Roberto classifica o livro como o "ocaso de um jogador de futebol". Simples e direto.

Zé Roberto foi ponta-esquerda da Máquina Tricolor, o sensacional time do Fluminense de meados dos anos 70 do século passado. Era bom jogador em uma época em que era muito mais difícil ser chamado de bom jogador. Passou com sucesso por Flamengo e Santa Cruz. Fora isso, estava muito bem acompanhado na Máquina, por gente como Edinho, Félix, Toninho, Rivellino, Marco Antônio, Zé Mário, Gil, Manfrini.

Jornalista formado, treinador de futebol, Zé Roberto conseguiu a rara façanha de capturar a essência da vida de um jogador brasileiro e transmiti-la de forma direta, agradável, bem escrita e fluente. Desde as lembranças gostosas como as eternas resenhas, brincadeiras e aventuras, até a angústia dos contratos, das mudanças de cidade e ambiente, do desemprego.

Há dois momentos, entre muitos outros, que me tocaram em especial. Num deles, Zé Roberto recorda uma noite, quando jogava pelo Santa Cruz, na qual ele entende ter feito, talvez, a grande atuação da carreira. Mas era um jogo a mais, sem TV em rede nacional, um Santa Cruz x CRB. Zé Roberto gastou a bola e, recordando no livro, se pergunta por que aquela atuação perfeita não aconteceu no Maracanã, num Fla-Flu, com toda a grande mídia por perto.

Mas se contenta ao final da partida, no vestiário, com o reconhecimento de Amauri, funcionário do Santa, que reconheceu seu grande jogo.

Outro trecho em que Zé Roberto consegue passar, sem se fazer de vítima, todo o desrespeito e a politicagem que envolvem os ex-jogadores de futebol no Brasil, é o de uma festa nas Laranjeiras. Festa cujo objetivo "oficial" era celebrar o título brasileiro de 2010 e homenagear o time campeão brasileiro de 1970. O objetivo "real" era turbinar a campanha política de um candidato à presidência do clube.

Zé Roberto pinta de nostalgia sua viagem pela aristocrática sede do Fluminense, carregando em lembranças e memórias a cada rosto amigo que cruzava. Mas é cirúrgico ao descrever o desprezo do clube, que sequer deixou seu nome na portaria - foi salvo e autorizado a entrar na sede por um ex-massagista que o reconheceu. Em resumo: deixou a festa antes da metade, maltratado, mal alimentado e quase despercebido

Também descreve com rara sinceridade o sentimento de abandono ao ouvir o seguinte diálogo entre dois roupeiros do Flamengo, quando de sua passagem pelo clube: "Sabe quem está aí fora? O Liminha (volante de passagem importante pelo Rubro-Negro e jogador admirado por Zé Roberto, mesmo sendo ele torcedor confesso do Fluminense)." A resposta do segundo roupeiro tirou o chão de Zé Roberto, que se preparava para deixar o vestiário e conhecer o ídolo. "Deve estar desempregado. Ex-jogador quando vem ao clube é para pedir dinheiro".

Naquela abjeta festa nas Laranjeiras, Zé Roberto afirma ter sentido na pele o comentário preconceituoso daquele roupeiro.

Mais não conto porque o livro vale a pena ser saboreado por quem ama o futebol e respeita os verdadeiros autores de suas histórias: os jogadores. 

Um comentário:

Hugo disse...

Não sei não Nori se realmente os profissionais que mais sentem são os jogadores, talvêz pareça que sim porque estão sempre em evidencia e são personalidades populares além de geralmente pararem sua atividade mais cedo, no entanto quando eles sabem fazer o pé de meia, pelo menos no sentido economico não vão sentir muito.
Sou aposentado e trabalhei em chão de fábrica durante toda vida, sinto falta das cobranças, de levantar cedinho, de rever os amigos, de ter problemas para solucionar, das discuções profissionais, enfim da adrenalina do dia a dia.
Todos pensam no dia em que pararem, todos planejam e pensam que a aposentadoria é uma maravilha e penso que só se darão conta de que o trabalho (para o homem do trabalho)não apenas edifica, mas distrai, faz-se sentir útil e da felicidade.
Preparem-se meus amigos porque o baque é forte.