quinta-feira, abril 02, 2009

Uma história da
tragédia brasileira


A cena que reproduzo abaixo é verdadeira. Um dos personagens me contou. Deve ficar fácil entender qual deles. É uma amostra do País em que vivemos. De um País longe demais das capitais, como diria o Humberto Gessinger. Mas que é o mesmo País das capitais. Incrível acreditar que coisas assim aconteçam. Mas acontecem.


Começo de noite calorenta em algum lugar próximo da fronteira do Brasil com a Bolívia. O hotel tem muito luxo para aquele fim de mundo, cercado por ruas poeirentas e vazias.

Os músicos que acompanham um nome conhecido do cancioneiro popular chegam ao hotel em busca de um bom banho, algum descanso e uns minutos de tranquilidade antes do espetáculo da próxima noite.

- Oi, eu vim com a banda. Queria saber qual o meu quarto?

- Ah, pega uma chave aí e escolhe qualquer um - responde o funcionário, sem tirar o olho da revista pornográfica.

Devidamente instalado, o músico desce para o deck da piscina, que está coberta de lodo misturado a uma água suja, esverdeada, malcheirosa. Pede uma cerveja, se acomoda em uma mesa mais próxima do ventilador de teto, respira fundo.

O sujeito da mesa ao lado se aproxima, copo de uísque à mão, e puxa conversa.

- Boa noite, posso me sentar aqui?

- Claro, à vontade.

- Você está fazendo o quê por esses lados?

- Sou músico, trabalho na banda que vai tocar amanhã?

- Ah, tá.

O músico resolve devolver a pergunta.

- E o senhor, faz o quê?

- Eu sou matador.

- Ahn, ahn, é-é-é mesmo? - balbucia o músico, espantado com a sinceridade.

- Sabe, eu já estou cansado dessa vida, tinha me aposentado - começa o Matador.

- Estava lá na minha fazenda e me fizeram uma oferta muito boa, era dinheiro grosso.

- Ahn, ahn - tentava falar algo o músico, estarrecido.

- Mas eu já terminei meu serviço, viu. Agora estou relaxando. Cheguei na rádio da cidade, entrei chutando a porta e perguntei pelo cabra. Entrei no estúdio, ele tava ali falando. Perguntei: você é o fulano de tal? Ele disse sim. Eu disparei uns quatro tiros nele, pá, pá, pá, pá. Saí tranquilo pela mesma porta que entrei. Pronto, serviço feito, agora posso descansar na minha fazenda.

- Sabe, acho que vou me deitar, amanhã será um longo dia. Boa noite - disse o músico, caminhando apressado para o quarto.

Por via das dúvidas, ligou para a recepção e pediu para ser registrado com outro nome. Também trancou a porta e afastou uma das camas para bloqueá-la.

Não conseguiu dormir. Jamais esquecerá o dia em que conheceu um matador.

Um comentário:

Anônimo disse...

Vale a pena ouvir e conhecer essa canção na voz do Ney Matogrosso:

Cara Do Brasil
Ney Matogrosso
Composição: Celso Viáfora, Vicente Barreto

"Eu estava esparramado na rede
jeca urbanóide de papo pro ar
me bateu a pergunta, meio à esmo:
na verdade, o Brasil o que será?
O Brasil é o homem que tem sede
ou quem vive da seca do sertão?
Ou será que o Brasil dos dois é o mesmo
o que vai é o que vem na contra-mão?
O Brasil é um caboclo sem dinheiro
procurando o doutor nalgum lugar
ou será o professor Darcy Ribeiro
que fugiu do hospital pra se tratar
A gente é torto igual Garrincha e Aleijadinho
Ninguém precisa consertar
Se não der certo a gente se virar sozinho
decerto então nunca vai dar
O Brasil é o que tem talher de prata
ou aquele que só come com a mão?
Ou será que o Brasil é o que não come
o Brasil gordo na contradição?
O Brasil que bate tambor de lata
ou que bate carteira na estação?
O Brasil é o lixo que consome
ou tem nele o maná da criação?
Brasil Mauro Silva, Dunga e Zinho
que é o Brasil zero a zero e campeão
ou o Brasil que parou pelo caminho:
Zico, Sócrates, Júnior e Falcão A gente é torto igual Garrincha e Aleijadinho... O Brasil é uma foto do Betinho
ou um vídeo da Favela Naval?
São os Trens da Alegria de Brasília
ou os trens de subúrbio da Central?
Brasil-globo de Roberto Marinho?
Brasil-bairro: Carlinhos-Candeal?
Quem vê, do Vidigal, o mar e as ilhas
ou quem das ilhas vê o Vidigal?
O Brasil encharcado, palafita?
Seco açude sangrado, chapadão?
Ou será que é uma Avenida Paulista?
Qual a cara da cara da nação? A gente é torto igual Garrincha e Aleijadinho ... "