quarta-feira, agosto 24, 2016

O Dia Seguinte

O verdadeiro desafio para o esporte brasileiro começou assim que o fogo olímpico se extinguiu no Maracanã.
O que virá depois do inegável êxito da Olimpíada carioca (é preciso ressaltar que apesar do êxito é necessária uma avaliação feroz e completa dos gastos)?
Nunca antes se usou de forma tão gratuita e ufanista termos como legado e fazer história. 
Para mim, a declaração emblemática dos Jogos, sob a perspectiva do esporte brasileiro, foi dada ao SporTV pelo treinador Rick Azevedo, brasileiro que foi head-coach do pólo-aquático da China nos Jogos Rio-2016. Ao ser preguntado se trabalharia para o Brasil, entre outras coisas, disse que não queria apenas montar um time, mas participar de um programa.
Quantos esportes brasileiros podemos dizer que têm efetivamente um programa? Que estão prontos a encarar uma sequência de ciclos olímpicos com capacidade de participar efetivamente da disputa e não apenas cumprir calendário? Vôlei, judô e quem mais?
Será essa a verdadeira pergunta que fica?
Qual o projeto esportivo do Brasil?
Gastamos bem a montanha de dinheiro destinada ao esporte de alto rendimento para a edição brasileira dos Jogos?
O Governo deve investir tanto como investe no alto rendimento quando pelo Brasil existem centenas de escolas que nem sequer têm professor de educação física?
O COB deve cuidar apenas do alto rendimento ou precisa participar mais intensamente do debate do modelo esportivo adotado no País?
A pergunta mais intrigante sobre o esporte no Brasil que ouvi foi feita pela genial Isabel Salgado, a Isabel do vôlei, num bate papo durante um dos intervalos de trabalho no SporTV 4. "Para quê ganhar medalhas? Será que é para isso que serve o esporte?"
O caminho da discussão passa por isso. Que esporte queremos para o Brasil? O modelo baseado na escola e no sucesso do sonho americano? O modelo de doação de crianças para competir pelo Estado adotado na China? O modelo assistencialista que o Brasil pratica? Ou as vitórias no alto rendimento serão consequência de um esporte como elemento transformador da sociedade através da formação de cidadãos?
A resposta não veio em 2016 e certamente não virá em 2020.

segunda-feira, maio 16, 2016

Minha memória olímpica - O ursinho Misha e a saudade do meu pai


As cerimônias de abertura e encerramento da Olimpíada de Moscou foram marcos na história do olimpismo.

O conceito de espetáculo foi definido a partir daqueles eventos na então União Soviética. Ainda hoje acredito que o nível de beleza e excelência apresentado em Moscou não foi superado.

A grande estrela das festas foi o simpático ursinho Misha, que sorriu e chorou em efeitos criados por painéis humanos.

Os Jogos de Moscou foram marcantes para mim. Com 12 para 13 anos eu era um jovem atleta sonhador, que imaginava um dia poder ir a uma Olimpíada, o que minha falta de talento esportivo só me permitiu fazer como jornalista, 12 anos depois.

Meu saudoso pai, Luiz Noriega, foi a Moscou, enviado pela TV Cultura. Que à época tinha o nome de RTC, Rádio e Televisão Cultura. Foi uma equipe pequena, basicamente ele e o repórter Carlos Eduardo Leite, o Dudu. Mas como tudo que aquela equipe da Cultura fazia, foi muito bem feito, com qualidade e excelência.

Para mim e para minha família, foi um período de longa ausência do pai. Acho que uns 40 dias, entre o período em que transmitiram amistosos preparatórios e eventos anteriores aos Jogos na Europa.

Lembro-me de ficar acordado de madrugada para ouvir os boletins que meu pai fazia para a Rádio Bandeirantes para matar a saudade de sua voz. Além disso, assistia a todos os eventos na Cultura, para ver suas narrações.

Nos cartões postais (será que alguém ainda usa isso) que chegavam meu pai dizia de seu fascínio pelas músicas da cerimônia de abertura e pelo Misha. Além do encantamento pelos parques e pelo Metrô de Moscou.]

Quando ele voltou, fomos esperá-lo em Congonhas (chegava-se via Rio e depois Congonhas). Tenho até hoje a foto com a cara de alegria desconcertante do meu pai saindo da área de desembarque, para ser engolido pelos abraços dos filhos de da esposa.

Entre as lembranças que ele nos trouxe está um Misha.

Que guardo até hoje. Está um pouquinho judiado.

Mas ajuda a matar a saudade do meu pai e lembrar de seu amor pelo esporte, pelo Jornalismo e pela família, Além de lembrar de um momento inesquecível da história dos Jogos Olímpicos.

segunda-feira, maio 09, 2016

Minha memória olímpica - O dia em que quase treinei com a seleção de handebol


Vou contar aqui no blog alguns "causos" envolvendo as Olimpíadas e minha experiência como jornalista envolvendo os Jogos. 

Começo com uma história envolvendo o handebol brasieiro em Barcelona, 1992. Espero que gostem.

Em 1992 eu trabalhava como repórter no Diário Popular, em São Paulo, e fui escalado para cobrir as Olimpíadas de Barcelona. Eu era relativamente novo na casa, tinha pouco mais de um ano na redação, e muita gente ficou incomodada com a minha escolha. O mau olhado era evidente.

Uns 15 dias antes da viagem eu estava jogando bola e tive uma lesão no tornozelo direito. Coisa feia, de ligamento, mas não era caso para cirurgia. Quando entrei na redação com uma dessas botas que são utilizadas para substituir o gesso, teve coleguinha que só faltou soltar rojão.

Caprichei no tratamento e embarquei para a cobertura ao lado de meu saudoso amigo Nicolau Radamés Cretti. Ele foi testemunha das dores que aguentei e do quanto chorava à noite com o pé inchado. Não podia usar cadarço porque o pé não cabia no tênis. Com o calor e as distâncias que caminhávamos e ainda dirigir para percorrer os 50 km de distância entre o local em que estávamos hospedados e o Centro de Imprensa, a tarefa era complicada. Mas não daria esse prazer os profetas do mau olhado.

Um dia eu estava entrando na Vila Olímpica, na área dos restaurantes, onde podíamos entrevistar alguns atletas, e o massagista do Comitê Olímpico veio falar comigo. Infelizmente eu não lembro do nome dele, mas o cara foi muito gente boa. Perguntou como eu estava, porque estava mancando e se podia me ajudar. Eu mostrei o pé para ele, que tomou um susto. Disse que não poderia ficar daquele jeito. Ele me arrumou um passe para visitar a Vila e me levou meio escondido para um dos apartamentos. Fez uma aplicação de uma pomada indicada para cavalos chamada Calminex e uma série de massagens. E me deu um tubo da pomada, com indicações para utilizar. Viramos amigos.

Uns dias depois, já andando muito melhor, estava batendo papo com meu amigo massagista e com um jogador brasileiro de handebol que tinha treinado no Pinheiros nos tempos em que eu jogava voleibol no clube (também não me lembro o nome dele. Coisas da idade).

Aí encostou o Antônio Simões, treinador do time brasileiro, e o papo ficou animado. Virou praxe, todos os dias, quando batíamos ponto na área internacional do restaurante, a conversa com o pessoal do handebol masculino, que estreava na Olimpíada, beneficiado pela desistência da seleção cubana. Papo vai, papo vem, o Simões vira para mim e diz: "Você tem pescoço largo, deve aguentar porrada. Jogou voleibol, deve saltar bem. Não quer treinar com a gente?".

Um jogador não poderia treinar naquele dia, e o treinador veio com essa ideia maluca. Recusei educadamente. Tinha jogado handebol só de brincadeira, a não ser em uma ou duas vezes que atendi ao pedido de meu amigo Faro, treinador do Colégio Arquidiocesano, que me via jogando vôlei pelo colégio e achava que eu poderia jogar handebol. Até joguei com ele uma ou duas vezes, mas nada mais do que isso.

Hoje fico pensando que se tivesse aceitado certamente o texto ficaria muito mais interessante.

quinta-feira, maio 05, 2016

A ditadura da estética ataca o Atlético de Madri


A eterna discussão entre beleza e eficiência no esporte tem uma nova vítima: o Atlético de Madri.

O tradicional time colchonero enfrenta uma terrível má vontade por parte de alguns analistas de futebol e, porque não, de estética.

Por ter eliminado Barcelona e Bayern na Liga dos Campeões o "Atleti" passou a carregar a pecha de Anticristo do futebol bonito, Judas do tiki-taka e por aí vai.

Talvez seja uma certa implicância com o argentino Diego Simeone, excelente treinador da equipe espanhola. Simeone foi um bom jogador cuja carreira foi marcada por alguma violência e doses cavalares de catimba. Como treinador, ele tem certos vícios que remetem aos piores momentos de Felipão, como jogar bolas para dentro de campo durante o contra-ataque adversário.

Isso não merece defesa, mas também não pode contaminar a análise sobre o trabalho do treinador e o desempenho do time.

Embora seja grande, forte e tradicional, o Atlético de Madri foi transformado em Patinho Feio pela imprensa esportiva espanhola, que assume uma posição descaradamente torcedora, dividida entre Real Madri, na capital, e Barcelona, na Catalunha. Para o Atleti ficam as sobras.

O time de Simeone é bom. Esteticamente pode não fazer o deleite dos analistas, não rende textos pretensamente poéticos ou teses supostamente definitivas.

Mas negar sua capacidade e sua competência parece implicância.

Ou apego exagerado a uma teoria ou à estética.

Diante do Barcelona, por exemplo, o Atlético não deixou dúvidas sobre sua capacidade.

É um time menos poético, menos Bossa Nova, menos jazz e mais rock industrial. Em campo troca longos papos de boteco sobre arte, cinema e teatro, regados a chope ou uísque,  por trabalho duro, horário a ser cumprido e contas a pagar. Se sobrar um tempo, dá para tomar um rabo de galo,

A estratégia futebolística do Atlético de Madri é primeiro anular os pontos fortes do adversário para depois explorar as próprias virtudes. A equipe marca forte - e bem - e executa um dos pilares do pensamento de Guardiola: a marcação forte no campo de defesa do adversário para recuperar a posse de bola mais próximo da meta contrária.

Vejo certo incômodo estético em alguns colegas e torcedores com o sucesso do Atlético de Madri.

Prefiro reconhecer os méritos.

terça-feira, maio 03, 2016

Teixeira Heizer

O Jogo Bruto das Copas do Mundo é livro obrigatório em qualquer biblioteca que se preze sobre futebol e jornalismo esportivo.

Conheci o livro muito antes do autor. Quando conheci o autor compreendi a importância do livro.

Teixeira Heizer foi um mestre. Um jornalista que quando cunhava uma frase mostrava mais vocabulário que toda uma geração de coleguinhas. Um artista das palavras bem escolhidas, colocadas de forma precisa, um guardião do vernáculo.

Cada resenha com o Teixeira era uma aula de vida, de simplicidade embasada em conhecimento de alguém que viu os melhores momentos do futebol brasileiro, acompanhou momentos e personagens decisivos de nossa História e ajudou a construir o padrão brasileiro de transmissão de futebol pela TV.


A amizade do Teixeira foi um tesouro passado de pai para filho. Começou com Luiz Noriega na Copa de 1962, Eu tive a honra de dar sequência a essa amizade em nosso convívio no SporTV.
Teixeira Heizer foi desses jornalistas cada vez mais raros, que colocavam a informação acima da vaidade, e prezava pelo conteúdo comandando a forma.


Mestre Teixeira, boa resenha com meu querido pai aí em cima e obrigado pelos ensinamentos.

terça-feira, abril 19, 2016

Vamos à luta, ó campeões!

Era uma tarde dos anos 70. Chutaria 1975. Como quase sempre fazia, acompanhava meu saudoso pai, Luiz Noriega, quando ele ia narrar, com sua incomparável categoria, jogos de futebol, basquete, vôlei etc.
O estádio era o Morumbi e um dos times era a Portuguesa, com certeza. O adversário? Tanto faz.
Provavelmente era um domingo - e de verão. Porque o dia de sol espetacular rapidamente se transfigurou e precipitou-se um aguaceiro monumental.
O estádio não estava cheio, mas a torcida da Lusa, que como quase sempre era minoria, foi deslocada, saindo da arquibancada para o anel intermediário, das numeradas superiores do estádio. Chovia uma enormidade.
Recordo-me perfeitamente que a torcida da Portuguesa estava posicionada à esquerda da cabine da TV Cultura, onde meu pai narrava o jogo.
Mesmo em minoria, a gente lusa gritava a plenos pulmões e sobrepujava a torcida que estava em maior número. Uma cena em particular me marca até hoje, 41 anos depois. Ensopada pela chuva, uma senhora de meia idade, braços fortes e traços de quem já batalhara muito na vida, gritava a plenos pulmões pelo seu time. Ao seu lado, um pequeno torcedor, que ela ora acalentava e ora abandonava pelo time, engrossava a cantoria.
Em campo, pouco importa contra quem jogava, a Lusa conseguia uma vitória improvável e consagradora.
O que me comoveu naquela cena foi o amor. A entrega.
Sei que muita gente acha bobagem, mas naquele dia aquele pequeno grupo de fanáticos pegou seu time no colo e o conduziu a uma vitória encharcada de simbologias.
Imagino que muita gente que esteve naquele jogo ainda se recorde de um desses momentos que fazem a magia do futebol.
Que o espírito, em vida e em outros planos, daquelas pessoas possa iluminar a Associação Portuguesa de Desportos, sua gente, sua alma.
A Lusa faz parte da minha vida de esportista, da minha vida de jornalista.
Fez a vida de muita gente, de muitas famílias.
Representa, sim, muito e muitos,
Ainda que não seja um fenômeno de popularidade é um importante laço social, cultura e esportivo entre dois povos. Foi, é e sempre será o clube dos amores de seus torcedores.
Que o grito daqueles bravos lusos encharcados de chuva e paixão possa ecoar ainda hoje e indicar o caminho da salvação.
Vamos à luta, ò campeões!
Força, Lusa! 

segunda-feira, março 21, 2016

Sobrou charme e faltou bola ao Fla-Flu

Disse na transmissão do Première com Luiz Carlos Júnior e repito: foi uma grande emoção comentar meu primeiro Fla-Flu.
Impossível não lembrar do Canal 100 e suas imagens mágicas que antecediam as sessões de cinema. Imagens de um futebol de excelência e de sonhos que talvez nunca mais retorne. Ou talvez fosse a magia do Canal 100?
O Fla-Flu faz parte do imaginário nacional e paira acima de bairrismos bobocas. Até pela sonoridade criada pela composição do nome é covardia para outros jogos. Não é que outros grandes clássicos nacionais sejam menos importantes.
O Fla-Flu é diferente.
O jogo exala charme, não tem jeito.
Mas o histórico clássico de domingo, no Pacaembu, prometeu o que não cumpriu: ser um grande jogo.
Até deu pinta em alguns instantes da primeira etapa, mas depois descambou para o jogo padrão do futebol brasileiro atual: insosso.
A lição que fica para um orgulhoso caipira paulista como eu é de que ainda é possível curtir o futebol pelo futebol, sem a estupidez organizada e o ódio uniformizado.
Pelo menos nas cadeiras e arquibancadas o Fla-Flu lembrou um tempo em que era regra que torcedores de times diferentes estivessem lado a lado nos estádios, com as respectivas camisas de suas paixões, sem que isso representasse risco de vida.
O sentimento de nostalgia é inversamente proporcional ao de repulsa por opiniões que por pura ideologia de arquibancada tentam politizar a violência gratuita.