segunda-feira, dezembro 23, 2013

Menos heroísmo e mais competência


Eis que o Brasil despertou neste 23 de dezembro como o País dos entendidos e apreciadores de handebol. Pululam teses nas inefáveis redes sociais sobre o esporte, a falta de apoio, a superação, a garra e o maquiavelismo do mundo dos negócios esportivos.

Um dos muitos problemas desta Terra de Santa Cruz é a capacidade infinita de proliferação de teses. Afinal, somos todos especialistas em tudo, doutos em qualquer assunto que se apresente. Sem contar a vocação ancestral para as teorias conspiratórias.

A conquista das mulheres no handebol é daquelas que merece, sim, ser classificada como histórica nessa era em que o adjetivo é banalizado a cada final de semana de evento esportivo, com base em estatísticas quase sempre inúteis e modorrentas.

Não havia até o 22 de dezembro de 2013, na trajetória dos esportes coletivos no Brasil, caso em que uma equipe tivesse chegado pela primeira vez entre as quatro melhores e cravado a medalha de ouro. Todos que foram campeões mundiais, futebol, basquete e vôlei haviam, antes, alcançado uma semifinal, uma medalha de bronze, uma prata. O handebol feminino fez barba, cabelo e bigode nas estatísticas que realmente importam. Isso é histórico.

Entre os milhares de manifestações infestadas de termos ufanistas de ocasião e a infalível e abominável musiquinha do "sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor" ficam poucas análises realmente realistas.

Claro que é preciso exaltar e comemorar o feito, mas com base no que ele representa e em tudo que aconteceu para que o título mundial fosse conquistado por esse grupo especial de atletas.

Há muito mais competência e trabalho duro do que heroísmo. Houve um projeto de trabalho que visava a evolução das seleções brasileiras de handebol, visando uma mudança de quadro que progressivamente levou dos Mundiais B até uma conquista.

Talento sempre houve, desde o tempo de Santo Baldacin. Bons jogadores sempre houve. Mas não basta talento para ser vencedor em alto nível. É preciso treinar em alto nível, jogar em alto nível, perder em alto nível para poder ganhar lá na frente. Isso tudo aconteceu, basta ler e estudar, mesmo sem acompanhar o dia-a-dia do esporte. Um grupo seleto de atletas talentosas foi destacado para jogar por uma equipe austríaca, numa liga de nível elevado, com um treinador experiente e capacitado, importado de uma nação com tradição e história no esporte. Os resultados vieram em uma década de trabalho sério, capacitado e muito suor.

Não há mistério, não existe milagre.

Acontecem fenômenos esporádicos, como Maria Esther Bueno e Guga, desperdiçados em meio à incompetência e falta de visão estratégica que contaminam um esporte como o tênis, apenas para citá-lo como exemplo.

Um título mundial não significa que em 2014 haverá brasileiros jogando handebol em cada esquina e ginásios lotados para ver os jogos por aqui. Longe disso. Uma seleção forte não é sinônimo de esporte e ligas igualmente fortes.

O vôlei dos Estados Unidos é um exemplo disso. Tem seleções fortíssimas, mas na pátria do esporte como negócio nem sequer possui uma liga profissional. O que não impede o trabalho de excelência nas seleções.

O que mais me incomoda sempre que acontece uma bela e justa conquista de esporte dito amador no Brasil é a comparação fora de hora e de contexto com o futebol. A velha história de que se não gastassem tanto com o futebol tudo seria diferente com outros esportes.

Tudo conto da carochinha, choro de patota e reclamação de amiguinho.

Basta ver os patrocinadores das seleções de basquete, vôlei e handebol para saber que existe dinheiro público e boa quantia investidos nesses projetos e em outros, como natação, atletismo etc. O esporte olímpico de alto rendimento no Brasil é praticamente estatal em termos de investimentos.

Sucesso esportivo não é sinônimo de popularidade. O futebol é o rei dos esportes na maioria do planeta, não apenas no Brasil. Gera e movimenta as quantias que o envolvem porque repercute igualmente em termos de popularidade. Isso é um fato incontestável. Assim  como dá mais audiência e rende mais espaço de cobertura em jornais e internet.

Escrevo com algum conhecimento de causa porque já cobri de tudo, de boliche a Copa do Mundo, tive uma experiência saborosa em minha vida como atleta e, posteriormente, como jornalista, em Olimpíada, Pan, Mundiais de vôlei, basquete, judô. Muitas vezes a qualquer comentário eu ouvia dos próprios colegas, poucos, é verdade, uma patotinha: "xi, olha o comentário do pessoal do futebol". Ou então: "aqui não é futebol, viu".

Pior que isso é o ainda presente comportamento de alguns que à primeira derrota entoam o coro do "faltou sorte, deu azar, falta apoio, vocês são heróis, são guerreiros, não têm apoio".

Prefiro ficar com as afirmações que ouvi recentemente de um dos maiores atletas brasileiros em todos os tempos, Arthur Zanetti. Ele não usa o chororô como discurso oficial, lembra que escolheu ser atleta porque gosta e faz isso porque é o caminho que deu a sua vida. Postura que talvez ajude a explicar seu sucesso, seu nível de concentração e envolvimento.

Muitos atletas chamados amadores no Brasil enriqueceram com o esporte e graças ao seu esforço e talento. Há atletas muitíssimo bem remunerados. É preciso abandonar o discurso da falta de incentivo e apoio no que se refere aos profissionais do esporte de alto rendimento.

O que falta é projeto de base, de educação, é levar e inserir o esporte à realidade escolar e na formação do caráter do jovem.

Nunca houve tanto esporte na TV brasileira como se mostra hoje. Tem de tudo. Handebol, vôlei, rúgbi, curling, atletismo, basquete, natação, esportes de inverno, maratona, esportes radicais. Há espaço, canais e modelos de negócio distintos e para todos os gostos. Ninguém faz nada de graça ou abre sinal por caridade. Como dizem os businessmen, não tem almoço grátis.

Talento sempre houve e sempre haverá. O que falta é exaltar a competência, o trabalho duro e os projetos de longo prazo e parar de chorar sobre o dinheiro (muitas vezes público) derramado, o que é especialidade de alguns esportes. Que podem reclamar de falta de sorte e apoio, por exemplo, basquete e tênis, que tiveram todas as oportunidades e as jogaram fora por picuinhas, politicagem e amadorismo?

O handebol mostrou que é possível atingir a excelência mesmo sem popularidade, e que as duas coisas não andam juntas obrigatoriamente.

Que as pessoas que fazem o handebol no Brasil aproveitam esta oportunidade para consolidar o projeto, seja com a manutenção de seleções fortes mesmo sem popularização e liga, ou com um bom campeonato nacional e massificação. Que não aconteça com o handebol o que houve com o basquete feminino, campeão mundial em 1994 e abençoado com Paula e Hortência e hoje uma triste lembrança desses tempos.

Atleta não é soldado. Ninguém que vista a camisa do Brasil numa competição internacional atendeu um chamado às armas, nem é um brasileiro mais brasileiro do que outro brasileiro por causa disso. O governo que twitta loas às conquistas é o mesmo que há bem pouco tempo queria desregulamentar a profissão de professor de educação física.

Entender essa realidade é o primeiro passo para profissionalizar e potencializar o esporte competitivo no Brasil, sempre tendo como base a escola, a educação. Ninguém é atleta por obrigação, geralmente é por escolha e prazer. Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é.

quinta-feira, dezembro 19, 2013

Ruim da cabeça ou doente do pé?


Antes de mais nada é preciso afirmar que a derrota do Galo para o Raja Casablanca é, sim, uma clamorosa zebra. Como tinha sido o fracasso do Inter diante do Mazembe, em 2010. Zebras estão aí para mostrar porque o futebol é o esporte rei do planeta.

Assim como zebras também são vexames. Também é preciso ter a honestidade de afirmar que, com o perdão da redundância, não é vexame dar alguns vexames na vida. Faz parte.

Em 2010 eu estava em Abu Dhabi com os companheiros Milton Leite, Lédio Carmona e Eduarda Strebb e vimos, atônitos, o dia de glória do Mazembe. Ontem acompanhei pela TV, revi pela Internet e não tenho dúvidas em cravar que foi zebra e também foi vexame, sim.

Porque pela estrutura, pelo tamanho dos times, pelo que se espera e se envolve, uma equipe brasileira ser eliminada por qualquer uma do Congo ou do Marrocos é um acidente, mas daqueles que sempre pode ser evitado. Tem imprudência, tem erro no caminho.

O que me pergunto faz tempos, desde que cobri, in loco, meu primeiro Mundial de Clubes, em 2006, é se nosso futebol chega a esta competição ruim da cabeça ou doente do pé? Porque não me lembro de, neste formato, a partir de 2005, uma equipe do Brasil ter vencido a semifinal com facilidade, com sobras. Além das duas fatídicas derrotas. Mesmo os que foram campeões tiveram suas doses de sofrimento, em algumas situações até mesmo andaram à beira da eliminação.

Sempre coloco isso em minhas opiniões, quando perguntado sobre o Mundial de Clubes: a semifinal é traiçoeira. É o jogo que dura seis meses e já começa vencido pelo time brasileiro. Todo mundo projeta a decisão contra o gigante europeu de plantão. Tentem lembrar agora, sem pesquisar no Google, os nomes dos times que foram derrotados nas semifinais pelos brasileiros que foram ao Mundial de Clubes desde 2005. Difícil, né? Mas do Mazembe e do Raja ninguém esquecerá.

É a história do ruim da cabeça. Eu acho que os times brasileiros lidam mal com essa questão psicológica do adversário mais fraco e da final anunciada com antecedência de seis meses. Mas não é a única tese para a explicação. A principal delas é a bola jogada. E o Atlético jogou mal, muito mal. Técnica e estrategicamente. Permitiu que um adversário inferior em qualidade utilizasse do contra-ataque como arma frequente e perigosa. Isso é um erro tático. Acontece porque um time sai do seu modelo habitual de jogo, se atira sobre o adversário, com todo mundo querendo resolver individualmente um problema que é coletivo. Não foi uma, não foram duas. Foram várias vezes em que o Raja contra-atacou perigosamente.

Individualmente todos os atletas do time mineiro estiveram opacos, abaixo de seu rendimento. O pênalti do segundo gol foi Mandrake, tudo bem, mas não serve como justificativa. O Galo esteve doente do pé em Marrakesh.

Seria coincidência o fato de os europeus jamais terem sucumbido à maldição da semifinal no Mundial de Clubes? Será que o fato de nós, brasileiros, valorizarmos muito mais essa competição do que os europeus não nos leva pesados demais para os duelos? Porque os times europeus chegam mais leves. Não quer dizer que deixem de levar a sério, mas lidam melhor com essa situação do favoritismo. Até porque, sem dúvida, taticamente seus atletas são mais bem preparados. Mesmo quando perdem para equipes sul-americanas na final, não é o fim do mundo, o portal do inferno. A vida segue.

Seguir com a vida é a missão do Galo. Mostrar que a Libertadores não foi um ponto fora da curva, que o projeto atual reposicionou o time, que entrará sempre para disputar títulos, não apenas participar.

terça-feira, dezembro 17, 2013

Futebol brasileiro atira no próprio pé


Ainda senhor absoluto da paixão popular esportiva o futebol posicionou-se em uma perigosa encruzilhada no Brasil.

Nunca antes na história deste País (sem nenhuma picardia política) se investiu tanto dinheiro em futebol como nos últimos 15 anos. As verbas advindas de TV, patrocínios de camisa e material esportivo deixaram o patamar da caridade para chegar a níveis excelentes. O valor do ingresso foi catapultado a um estrato que só agora começa a ganhar, sabe-se lá a que preço, equivalência no conforto de alguns estádios nababescos.

Tudo parecia caminhar para uma rota evolutiva consistente.

 Só faltou combinar com uma categoria fundamental: o dirigente. Aquele mesmo que odeia ser chamado de cartola mas raramente consegue se comportar como um manager, um gerente, um diretor remunerado.

Refém das décadas de amadorismo e coronelismo mascaradas pelas conquistas e pelo que parecia ser uma produção infindável de grandes jogadores, o futebol no Brasil começa agora a pagar o preço do amadorismo quase absoluto de seus dirigentes.

Embora nunca tenha entrado tanto dinheiro no mercado, os clubes acumulam dívidas que se afastam cada vez mais da casa das centenas de milhões para flertar com o bilhão.

O mercado de compra e venda de jogadores, que costumava ferver na segunda quinzena de dezembro, chafurda na penúria econômica da maioria dos clubes.

Nos últimos dez anos a praga cafona dos Novos Ricos se abateu sobre o futebol cinco vezes campeão do mundo. Jogadores medíocres cobram salários de três dígitos. Treinadores entendem que precisam receber soldos que ultrapassam a casa de meio milhão mensal e carregam a tiracolo comissões técnicas que custam o equivalente a uma diretoria de multinacional. Resultado que é bom, poucos dão.

Os calotes são frequentes. Alguns clubes se sustentam na base do mecenato, como o Fluminense com a Unimed. Outros sobrevivem antecipando receitas de patrocinadores e parceiros e incrementando as dívidas.

Os jogadores, acostumados ao patamar salarial surreal e inviável agora não aceitam propostas de redução. Afinal, precisam saciar a sede de empresários e investidores, sedentos de lucros, e das famílias que aumentam da noite para o dia, alimentadas por primos que surgem do nada e um rosário de namoradas e ex.

O quadro que se desenha, salvo um ou outro clube com números mais próximos do saudável, porém modestos, é de um futuro para lá de preocupante.

Jovens atletas sem qualquer resultado esportivos estrelam propagandas como se já fossem grandes craques. Falam de si próprios na terceira pessoa e exigem compensação financeira para algo que só conseguem prometer. Têm staff de estrela de cinema e bola de figurantes. Mas a marra, o cabelinho produzido, as fotos no Instagram e as bobagens postadas no Twitter estão lá.

Os dirigentes amadores que sustentaram durante décadas o profissionalismo da ala bandida dos torcedores enfrentam agora o dilema da rejeição pelo mercado.

O cancelamento do contrato da Nissan com o Vasco é emblemático. Motivado pela violência da torcida que o próprio Vasco insiste em ajudar financeira e juridicamente. Quem arca com o prejuízo? A instituição e o torcedor amador e verdadeiro. Quem terá coragem de, um dia, cobrar na Justiça ressarcimento?

Para completar, temos o quadro da chamada Justiça Desportiva, que no Brasil tem importância que, salvo grave engano desse modesto escriba, não encontra paralelo em qualquer outra nação boleira. Não tenho informação de que na Espanha, na Itália, na Alemanha, na Argentina procuradores e auditores tenham seus nomes conhecidos pelos torcedores e apareçam tanto na mídia como no Brasil.

Muitos campeonatos foram decididos na canetada sob o argumento da legalidade. Mas a interpretação da chamada letra fria da lei não responde ao anseio do verdadeiro dono do espetáculo, o povo, o torcedor, aquele que não recebe para fazer o futebol, mas que tira do bolso para nele buscar entretenimento, seja ao vivo no estádio ou pagando para ver na TV.

O amadorismo profissional do futebol brasileiro apresenta uma conta que agora ainda parece fácil de ser paga, mas que daqui a dez, vinte anos pode ser prenúncio de quebradeira.

Há tempos que observamos a nossa criançada correndo pelas ruas e quadras de grama sintética (a versão moderna e adaptada à insegurança vigentes dos campos de terra e de várzea) vestindo camisas do Barcelona, do Real Madrid, do Chelsea, do Bayern de Munique. Muitos já têm idade para ter medo de ir à escola com as camisas dos seus times brasileiros, o que pode ocasionar uma surra de um bando de covardes simpatizantes de algum rival. Outros são desencorajados por pais zelosos. E há aqueles que simplesmente não torcem para nenhum time brasileiro, são do Barça, do Real, do Arsenal. Não são poucos.

O nível técnico do último campeonato brasileiro foi sofrível, abaixo da crítica. O último ídolo que reverberava nacionalmente hoje brilha na Europa.

Quando um tribunal cujos integrantes afirmam ser defensores da Lei aplica penas risíveis após a Barbárie de Joinville fica difícil acreditar que algum de seus integrantes realmente se importe com o futuro do futebol. Porque esses 12 ou oito jogos em breve estarão reduzidos pela metade, serão convertidos na mágica favorita dos doutos, que transforma violência em cestas básicas ou multas se impacto algum.

Dia após dia as pessoas que dirigem o futebol no Brasil estão atirando com mira telescópica. Nunca erram o alvo: o próprio pé. Quando acordarem pode ser tarde.

 

segunda-feira, dezembro 09, 2013

UM PAÍS DE BÁRBAROS

A tragédia de Joinville, as cenas de barbárie, tudo isso só comprova a triste tese de que somos um País violento. Muito violento.

A violência faz parte da nossa cultura e se manifesta em diversas formas.

Há um culto à violência em boa parte da juventude, no desejo de ficar forte para se mostrar forte, brigar, espancar os mais fracos e marcar território, como típico selvagem. Exercitar a mente virou banalidade.

A cultura da violência está enraizada também na cultura do dinheiro fácil, da visibilidade, do ter para mostrar aos outros e, também, do mostrar aos outros mesmo sem ter.
 

O futebol é um reflexo da sociedade em todos os seus estratos. Há décadas que a violência está instalada confortavelmente nas praças esportivas.

A violência que transforma promotores públicos oportunistas em celebridades-relâmpago e, posteriormente, em legisladores.
 

Os marginais travestidos de torcedores foram legitimados por muitos clubes, são conselheiros, diretores. Até são defendidos com veemência por mandatários.
 

Mas não é apenas em estádios de futebol. As notícias estão aí. Brigas em colégio por causa de namorados e namoradas ou por causa da roupa do colega de classe.

Jovens espancando outros jovens até a morte em casas noturnas.
 

Talvez doa a alguns ler o que vou escrever agora, mas somos um PAÍS DE BÁRBAROS. Simples e direto assim.

Sem admitir isso não poderemos trabalhar para evoluir e preparar terreno para gerações melhores que possam suceder as muitas que já estão perdidas.

terça-feira, dezembro 03, 2013

O dia em que joguei com Pedro Rocha


Já faz tempo o bastante para que a memória não seja suficientemente precisa quanto a datas ou locais. Mas sou um jornalista à moda antiga, daqueles que ainda preferem a qualidade das histórias e o valor dos personagens à frieza dos números e das estatísticas.

O que me lembro bem é do fato que motivou esse texto, que ganha vida agora em forma de homenagem.

Se foi no final dos anos 80 ou no início dos anos 90 pouco importa. Também é um mero detalhe se aconteceu em Vinhedo ou Valinhos, foi por ali. E aconteceu, asseguro.

Meu pai, Luiz Noriega, era amigo do dono de uma fábrica de bolas chamada Lance.  Um dia ele me chamou para ir com ele a um churrasco (é nessa parte que não me lembro se foi em Valinhos ou Vinhedo. Está mais para Valinhos quando vasculho a memória). Seria a inauguração da iluminação de um campo de futebol na chácara do proprietário da fábrica.

- Leva uma chuteira, uma roupa porque acho que vai ter uma pelada - aconselhou.

Lá fomos nós. Papo animado, churrasco delicioso, cerveja e muitos craques do passado, a maioria da região de Campinas.

Quando foi anoitecendo chegou a hora do jogo, de testar os novos holofotes. O dono da casa me chamou e pediu que eu e um outro garoto (eu deveria ter uns 19 anos, no máximo), que se não me engano era filho ou sobrinho dele, fôssemos completar um dos times.

Pois lá fui eu. Timidamente nos apresentamos, eu e o outro cara, para completar um time em cuja escalação havia, entre outros, "apenas" esses nomes: Tuta (ex-ponta da Ponte, irmão do Zé Maria), Vanderlei Paiva, Dicá e "Dom" Pedro Rocha. Houve uma rápida reunião no meio-campo e uma voz carregada de sotaque charrúa se fez ouvir, ordenando o seguinte:

- Garotos, vocês "dos" lá na frente, não necessita voltar, tá bom?

Quem éramos nós para contrariar uma ordem do Verdugo, de um estilista, do jogador que o Rei Pelé classificou como um dos cinco melhores do mundo?

Para um fã de esportes e apaixonado por futebol como eu, ao ponto de ainda insistir com as animadas peladas com os amigos aos 46 anos e um monte de "dolores", como dizia Dom Pedro, era como visitar a Disneylândia da bola.

Sem contar Pedro Rocha, havia Dicá. Ouvir o som da batida na bola do camisa 10 da Ponte e vê-lo virar o jogo buscando a matada perfeita de Pedro Rocha vale mais do que muitas aulas e milhares de minutos de futebol pela TV ou ao vivo.

Em certo momento, Dicá virou uma bola daquelas que todos nós, simples mortais peladeiros, chamamos de "torta". É uma espécie de tradição entre os jogadores lançar esses desafios, provocar a técnica do amigo. Eu estava sozinho na área, jogo em campo de society, sem impedimento. Quando vi a bola viajando, jamais poderia imaginar que o Pedro Rocha pudesse alcançar, estava muito alta e vinha girando como um globo terrestre na aula de ciência. Pois ele tirou da cartola uma jogada de mestre. Deixou que a redonda passasse um pouco por cima de seus ombros, levou um pé à frente e com o outro, de chaleira, jogou a bola exatamente na direção em que eu estava. Meio atônito, fiquei assistindo a jogada e perdi o ponto da matada de bola.

- Garoto, presta atenção, pô! - veio a bronca!

Generosos, Pedro Rocha, Dicá e os outros craques daquela pelada brindaram a mim e ao outro jovem com muitos gols. Daqueles fáceis, de empurrar a bola para dentro, porque eles deixavam o texto pronto e editado, era só colocar o ponto final.

Hoje pela manhã ouvi no rádio que Pedro Rocha se foi. Uns dias depois de outro gênio, Nilton Santos. Não por coincidência, ambos foram amigos do meu pai. Eu tive o privilégio de conviver com essa gente desde muito cedo. Eram outros tempos de futebol e de jornalismo esportivo. Havia mais educação, mais convivência, respeito. Os jogadores eram grandes ídolos, quase intocáveis, mas não eram celebridades mimadas, narcisistas e milionárias.

Pedro Rocha foi um estilista. Um meia de técnica apurada, força e conhecimento do jogo dentro de campo. Alto, elegante, pernas longas, domínio de bola absurdo, finalização precisa. Jogou demais no Peñarol, no São Paulo, teve lampejos da velha técnica no Palmeiras.

Alguns amigos são-paulinos falam dele com reverência protocolar. Muitos torcedores de outros times nos quais ele não jogou o respeitam profundamente.

Eu guardarei para sempre na minha memória de peladeiro o dia em que pude ver de perto Pedro Rocha jogando, ainda mais ao lado de outro grande, Dicá. Porque quem jogava eram eles, eu só estava tendo raro acesso a um mundo superior, a uma espécie de Asgard futebolístico.

Que os deuses da bola recebam Pedro Rocha com todo o respeito e as homenagens que ficaram faltando em alguns momentos de sua vida.

quarta-feira, novembro 27, 2013

Seu Nilton


A missão era secreta. Precisava entrar em contato com alguns amigos de meu pai, Luiz Noriega, a fim de convidá-los para a festa na qual comemoraríamos seus 50 anos de carreira, em 1997. Desconfiado até o último fio dos poucos cabelos, ele dificilmente se deixava levar por tentativas de surpresas. O jeito era aproveitar quando ele não estava em casa para fazer os contatos.

Entre os escolhidos estava A Enciclopédia. Nilton Santos. Um dos maiores jogadores de futebol de todos os tempos. Ele e meu pai eram muito amigos. Lembro-me de uma ocasião, em 1991, quando eu fui cobrir um torneio de tênis em Brasília e meu pai pediu para que eu fizesse contato com o Nilton, que estava morando lá. Conversei com ele, pedi aos organizadores do torneio que conseguissem uma credencial especial. Mas eu telefonava e aquela voz sempre mansa, calma, respondia com uma simplicidade contagiante:

- Maurício, obrigado, mas eu não gosto disso, não. Não gosto de tratamento especial, de aglomeração. Fico aqui no meu cantinho, agradeço sua gentileza.

Seis anos depois eu telefonava de novo para o seu Nilton. A mesma simplicidade e a calma na voz que me atendeu, agora na Ilha do Governador, no Rio.

- Maurício, eu morro de medo de avião. Dê um abraço no Luiz, fale que eu telefono para ele depois para a gente conversar.

E assim ele fez. Telefonou, conversaram longamente, lembraram de viagens, jogos, da Copa de 1962, no Chile.

Ontem fez 11 meses que meu pai partiu para a sequência de sua jornada. Hoje partiu seu Nilton. Tenho certeza que meu velho estava a postos para recebê-lo e colocar o papo em dia.

Partiu fisicamente um dos grandes. Seu Nilton. De uma era que não volta mais, de estilistas, de refinamento técnico, do futebol de fundamentos perfeitos, da Era de Ouro da seleção brasileira.

Fica o legado eterno de alguém que foi figura determinante para transformar esse esporte no sucesso planetário que é hoje.
 

terça-feira, outubro 29, 2013

Seleção não é Exército e Copa do Mundo não é guerra

Seleção não é Exército e Copa do Mundo não é guerra.

Diego Costa não será menos brasileiro por ter decidido atuar como atleta profissional por outro país.

Nenhum atleta é mais cidadão ou mais patriota por ter representado seu país. Foi o caminho que ele escolheu na vida e muitos ganham fortunas nesse caminho.

Existem atletas fantásticos que não são tão fantásticos como cidadãos. E existem cidadãos fantásticos anônimos.

Deco jogou futebol pela seleção portuguesa e como cidadão brasileiro tem um projeto social exemplar em Indaiatuba, o que o faz mais patriota do que se tivesse jogado uma Copa pelo Brasil.

É o que penso.

sexta-feira, outubro 25, 2013

A dor e a delícia de ser Rogério Ceni


Rogério Ceni é um cara que venceu na vida. Chegou ao topo de sua profissão, é ídolo, tem reconhecimento profissional e foi muito bem e justamente remunerado por isso. Vive o sonho de muita gente. Mas tenho certeza que não é uma existência apenas de sonhos e sorrisos. Acordar como Rogério Ceni não deve ser nada fácil para ele muitas vezes.

Não sou amigo do Rogério. Sempre tive um ótimo relacionamento profissional com ele, fui tratado com respeito. Até porque sempre o tratei dessa forma.

Ele é um ponto fora da curva no perfil do jogador de futebol padrão. É articulado, pensa, se posiciona. Isso incomoda muita gente. Outros jogadores, treinadores, torcedores, jornalistas e dirigentes.

Nem sempre compartilho das opiniões e posturas do Rogério. Mas o que acontece com ele em algumas situações é tremendamente injusto. Há momentos em que ele não é julgado como atleta, mas como uma espécie de entidade. Existe exagero naqueles que o mitificam cegamente, como também nos que relutam em reconhecer suas muitas qualidades como goleiro profissional.

A liderança do arqueiro são-paulino é mais pragmática do que carismática. Rogério remete ao Leão, não ao Taffarel, por exemplo.

Como goleiro me parece inquestionável. Está entre os melhores do País em qualquer lista que seja produzida. Tem um bônus que é a qualidade para bater na bola, fazer gols de falta e pênalti. Diria que numa análise técnica, comparando a um contemporâneo, Rogério não tenha vivido um período de exuberância como o de Marcos entre 99 e 2002. Mas mostrou mais regularidade e longevidade, por ter sofrido menos contusões.

Quando Rogério falha, muitos tripudiam. Inclusive são-paulinos que dele não gostam. Quando emplaca uma atuação de gala, como fez diante da Católica, algumas bocas venenosas parecem estar costuradas apenas para não fazer o elogio justo e merecido.

Vá lá que Rogério de vez em quando vista a camisa de preposto (aquele cara que vai a uma ação trabalhista apenas para dar a versão da empresa). Fala como se fosse diretor do São Paulo, joga para a torcida, se comporta como se estivesse na arquibancada do Morumbi, cutuca adversários. Conheço dirigentes do clube dele que odeiam essa postura e também temem que ele entre para a política interna da entidade. Ouvi de muitos jogadores que atuaram ou atuam com ele alguns dos apelidos que eles deram, mas não falam na frente do Rogério. Coisas como Presença, Presidente, Chefia, Primeiro-ministro.

O que acho injusto e sacana é ler nas redes sociais ou mesmo em opiniões abalizadas que o Rogério (isso vale para qualquer profissional) tem que se aposentar, que já deu, está na hora de parar. Sempre que alguém me pergunta sobre isso respondo que não sou do INSS para aposentar alguém. É de uma crueldade sem tamanho querer decretar que a história de alguém chegou ao fim. Pior é ler algumas vezes as mesmas pessoas, torcedores na maioria, endeusando o Rogério uma semana depois. Falta filtro, coerência, equilíbrio.

Não se pode misturar o atleta com o ser humano em uma análise puramente futebolística. Rogério tem seus pecados, como todos nós. Na segunda metade dos anos 90 houve aquela até hoje mal explicada história do fax que um amigo dele enviou com uma inexistente proposta de um time inglês. Pegou mal no clube, assim como a loja que vendia produtos dele no Morumbi, sem conhecimento da direção. Ele ficou afastado, quase foi vendido. Errou como todos nós já fizemos um dia. Mas conseguiu se posicionar como um ídolo, talvez o maior na história de um grande clube como o São Paulo. É muita coisa.

Rogério tem respostas diversas vezes arrogantes, provocativas. Em outras é desconcertante, porque, como escrevi antes, raciocina e verbaliza o pensamento. Em campo, tem o costume de jogar para a torcida, tentar empurrar o estádio contra a arbitragem, até para encobrir alguns erros individuais. É inteligente, catimbeiro, sabe ler o jogo como poucos. Sua liderança emana e contagia o time, assim como qualquer falha também contamina a equipe, em virtude do peso que tem. E pega muito, intimida o atacante adversário. 

A questão é que, como escreveu o colega Victor Guedes, não parece correto que os cenistas de plantão o considerem à prova de erros e os anti-cenistas tenham pudor em elogiá-lo quando ele merece.

Estou solidário ao Rogério. Acho sacanagem quando o aposentam precipitadamente e misturam julgamentos extra campo ao que ele produz com as luvas. Também acho sacanagem quando babacas de plantão utilizam imagens pirateadas ilegalmente na tentativa de constranger companheiros de imprensa, como fizeram com meu amigo e companheiro de transmissões Milton Leite. Que, registre-se, tem comportamento eticamente exemplar como profissional.

Como escreveu o Caetano antes de brincar de censor: "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é". Como toda a fama, idolatria e fortuna, não deve ser nada fácil ser o Rogério Ceni em alguns dias. Como em muitos outros deve ser delicioso.

sexta-feira, outubro 18, 2013

O futebol brasileiro como ele é



Pipocam análises e questionamentos sobre a qualidade técnica do Brasileirão - Séries A e B.

Analiso de uma forma bem simples e direta, citando Nelson Rodrigues: vemos, analisamos e criticamos o futebol brasileiro como ele é. E atualmente é fraco, limitado tecnicamente, embora exista competitividade.

Explicações devem existir várias e cada um tem a sua. A questão do calendário é uma delas. A falta de uma pré-temporada adequada me parece a mais necessária das alterações. A quantidade de jogos disputadas no ano pode ser relativa. Há grandes equipes europeias que fazem 70 partidas em uma temporada.

Se formos puxar mais longe pela memória, o calendário brasileiro nos 50, 60 e 70 era um escândalo, e foi essa a época de ouro do futebol no País.

Claro que o mundo mudou, o jogo mudou, mas é preciso reconhecer que, tecnicamente, mudou para pior. Atualmente os jogadores correm muito mais e jogam muito menos. A dificuldade para uma dominada, uma virada de jogo, um chute de efeito, uma tabela e diretamente proporcional à capacidade respiratória, força, impulsão.

Há cada vez mais atletas e menos jogadores. O ideal seria que tivéssemos jogadores que fossem bons atletas.

Entendo e respeito todos os argumentos de que falta tempo para treinar, mas também falta qualidade de treinamento. Principalmente na base. Os jogadores chegam aos times de cima cada vez mais mal formados, com defeitos graves nos fundamentos básicos do futebol. Aprendem quase sempre a destruir com absoluta competência, mas sofrem horrores quando são chamados a criar, a pensar.

Quem quiser discutir seriamente o futebol brasileiro não pode deixar em branco esse tópico. Como diz o intelectual Toninho Neves, sempre antenado, no tempo em que diziam que os treinadores dormiam no banco mas havia craques às pencas, o Brasil ganhou três Copas do Mundo entre 1930 e 1970 (tirando o período da Segunda Guerra). Entre 1970 e 2010, na era de pranchetas e estrategistas, foram duas conquistas e muitas empacadas em quartas-de- final. No mínimo, faz pensar.

Por mais que o futebol tenha mudado, existem questões básicas, fundamentais, que não mudam nunca. O jogo é sucesso planetário porque é simples. Diferentemente do voleibol e do basquete, esportes nos quais é possível transformar um galalau desengonçado em grande jogador em alguns meses, no futebol isso é praticamente impossível. As técnicas aplicadas a cada jogo são muito distintas.

Formamos cada vez mais volantes combativos e corredores, e cada vez menos meias criativos e lançadores, ou pontas-de-lança dribladores e finalizadores.

Para isso também é preciso pensar com bom senso.

quarta-feira, outubro 09, 2013

A bola está com Minas, sô!


A não ser que ocorra um acidente de proporções cósmicas com o Cruzeiro, o time será o legítimo e indiscutível campeão brasileiro da temporada. O que configurará uma dobradinha mineira nos torneios mais importantes do futebol de clubes sul-americano. Galo na Libertadores e Raposa no Brasileirão.

A bola está com Minas. Sem chororô, sem reclamação de calendário, de tabela, de excursão os times mineiros.

Com a bola bem jogada, com times muito bem montados por Cuca e Marcelo Oliveira e uma característica comum: ofensividade. Cruzeiro e Atlético jogam atacando com quatro homens na maior parte do tempo. Um oásis nesses tempos de volantes botinudos, laterais com enormes dificuldades para cruzar uma bola e carência de meias armadores e finalizadores.

Os grandes rivais mineiros fizeram tudo isso mesmo sem contar com os maiores orçamentos do Páis, sem estar entre as cinco grandes torcidas de penetração nacional.

A política futebolística de hoje é a do leite com leite, deixando o café paulista na poeira.

Cuca já se firmou no grupo dos grandes treinadores ao colocar em seu currículo a Libertadores. Sabe montar times, dar coerência tática e tirar o melhor de seus jogadores. Tem um elenco de muita condição técnica, com jogadores experientes e boas revelações. Saiu Bernard, em termos de regularidade e talento o melhor do time, e o Galo segue seu diapasão.

Marcelo Oliveira tem perfil diferente. Parecia ser o eterno interino até resolver meter a cara na vida de quem ganha a vida no banco de reservas.

Mostrou-se um cara discreto, eficiente e um grande montador de times, mesmo sem contar com super estrelas.

Armou um Coritiba veloz, ofensivo e que bateu na trave da Copa do Brasil duas vezes.

Agora conseguiu fazer do Cruzeiro um time fiel às tradições do clube, que joga bem e bonito, tocando a bola, atacando, dominando o adversário. Mesmo sem grandes contratações, estrelas badaladíssimas. Dedé talvez tenha sido a aposta mais barulhenta. O corpo da equipe é muito bem distribuído, com uma série de jogadores que jamais foram unanimidades (Dagoberto, Tinga, Borges, Bruno Rodrigo) um atleta que com Marcelo joga o fino (Everton Ribeiro), um volante que vive o melhor momento da carreira (Nilton), boas revelações (Mayke, Lucas) e um grande goleiro.

O grito de gol no Brasil ecoa das Alterosas com o inconfundível sotaque mineiro.

sábado, outubro 05, 2013

Bom Senso é só para a elite?


Acompanho com interesse a formação do movimento Bom Senso Futebol Clube por parte de um grupo expressivo de jogadores de futebol.

Categoria geralmente alienada, a dos jogadores de futebol raramente se manifesta ou e posiciona no Brasil.

São poucos os exemplos de jogadores que tenham buscado algum posicionamento, casos de Sócrates, Casagrande, Afonsinho, Zé Roberto (da Máquina do Fluminense nos anos 70) e mais recentemente Paulo André, do Corinthians.

A manifestação padrão do jogador de futebol brasileiro é reclamar de atraso de salário.

Como atores principais do espetáculo, os atletas devem se manifestar e se posicionar. Além de buscarem, entre eles próprios, um comportamento mais ético e profissional, a fim de erradicar a imagem existente do boleiro inconsequente, malandro, mulherengo e maniqueísta.

Ainda vejo com certo ceticismo esse posicionamento do Bom Senso Futebol Clube, embora o receba com pensamento positivo.

É difícil saber se é um movimento nascido e criado por jogadores ou se existe algum dirigente por trás, pensando em capitalizar com o movimento.

Não podemos esquecer que estamos às portas da eleição para o comando da CBF.

A pergunta que faço nesse momento em que o Bom Senso F.C é um movimento cujo interesse principal envolve apenas as Séries A e B do Campeonato Brasileiro? Ou os times atuais da Série A e mais o Palmeiras, que estará nela em 2014?

Como ficam os atletas profissionais que são a maioria e perambulam pelos esburacados gramados das Séries C e D ou então de campeonatos regionais em troca de um salário-mínimo, quando muito?

Eles serão contemplados pelo movimento, estão sendo ouvidos e procurados para participar? Porque eles é que formam a massa do pé-de-obra (como diz o Mauro Beting) nacional. O verdadeiro futebol brasileiro é formado por esse tipo de jogador.

Considero fundamental que esse movimento demonstre interesse em ser abrangente e não apenas elitista.

Qual o posicionamento do Bom Senso em relação aos atletas que sobrevivem com o dinheiro ganho nos quatro ou cinco meses em que disputam um Paulistão, por exemplo? Porque esta também é uma realidade para o atleta profissional de futebol no Brasil.

Como abordar jogadores de times do Norte e do Nordeste que enfrentam severas dificuldades até para receber salários baixíssimos?

Qual o posicionamento em relação aos chamados empresários?

A preocupação com o que os atletas chamam de Fair Play financeiro envolve os ganhos muitas vezes abusivos deles próprios? Os pré-contratos assinados em segredo?

Quem alcançou o topo da carreira sabe como é a vida na base da pirâmide social do futebol. Passou por dificuldades, morou em alojamentos, tomou calote, caiu no conto de empresários e dirigentes picaretas.

Por isso aguardo pelo posicionamento do Bom Senso F.C sobre o mundo real do futebol, não apenas sobre a realidade de carros importados, programas de TV, mulheres espetaculares e viagens e hotéis de primeira categoria.

A bola rola para todo mundo, do rico ao pobre.

segunda-feira, setembro 23, 2013

Brasileirão, suas teses e seus mistérios


Não tenho receio em afirmar que o Campeonato Brasileiro é o torneio nacional de futebol mais equilibrado em disputa no planeta bola. Não há outra competição com o mesmo perfil que se aproxime do Brasileirão em termos de paridade de forças e candidatos potenciais ao título. A qualidade pode – e deve – ser discutida, mas a competitividade do nosso Campeonato Nacional é imbatível.

Muita gente boa defende uma tese sobre o Brasileirão que o campeonato desmente. A tese, segundo seus defensores, prevê o que eles chamam de “espanholização” do futebol brasileiro. Mas o que seria esse monstrengo? Uma concentração de dinheiro nos cofres dos clubes mais populares do País, através de direitos de transmissão pela TV, que criaria uma realidade parecida com a terra do rei Juan Carlos, onde Barcelona e Real não encontram concorrência. De acordo com essa teoria, Flamengo e Corinthians se transformariam no Real e no Barça do Brasil.

Uma rápida olhada na classificação do Brasileiro serve de argumento para aqueles que discordam dessa tese. O Flamengo luta para não cair, o Corinthians está mais próximo da zona de rebaixamento que da classificação para a Libertadores (escrevo a coluna antes da rodada).  Entre os quatro primeiros classificados (que serão os mesmos, com mudança, talvez, da ordem entre terceiro e quarto) não há um dos cinco clubes mais populares do Brasil. Um desses cinco está na Série B, outro está na zona de rebaixamento da Série A, dois lutam desesperadamente para se afastar da degola, e um está mais próximo da parte debaixo da tabela.

O melhor time do torneio nacional de 2013 terminou 2012 desacreditado. Mesmo sem estar entre os líderes no quesito popularidade e dinheiro da TV, o Cruzeiro encontra um caminho para buscar receitas e montar um bom time. O Botafogo luta para sobreviver e com base na revelação de jovens jogadores vai moldando seu caminho. O Grêmio recebeu muito dinheiro do programa de sócios-torcedores e também com o negócio da construção de seu novo estádio. Que dizer o Atlético Paranaense? Sem sua maior fonte de receita e de pressão sobre os adversários, o estádio, abdicou do estadual para se concentrar no Brasileiro, e transformou-se em gratíssima surpresa.

Argumentam os defensores da tese da espanholização que o torneio desta temporada é ponto fora da curva, que a tendência é a concentração de títulos entre os clubes que receberem mais dinheiro da TV. Talvez o que falte seja capacidade administrativa e criatividade para buscar fontes alternativas de receita. Com mais de cem mil sócios, o Internacional descobriu recursos que podem compensar uma questão mercadológica e geográfica. Por estar num mercado menor que Rio e São Paulo, com menos exposição nacional, o Inter  não recebe cotas de patrocínio e TV equivalentes, mas arrecada de maneira consistente com a paixão de sua torcida.

Outra questão, esta puramente futebolística, ampara meu argumento contra a tal espanholização. Lá na terra de Barça e Real, equipes como Valência, Sevilla, Athletic de Bilbao e até mesmo o Atlético de Madri, além de todos os outros médios e pequenos, soltam fogos com uma vaga na Liga Europa e vão ao orgasmo com um lugar na Liga dos Campeões. No Brasil há pelo menos 12 times que entram no Brasileirão para disputar o título. Em alguns casos podem nem ter uma equipe que reúna essa condição técnica, mas a história, a tradição, o peso da camisa fazem com que o torcedor não aceite a mera participação.

Por isso o Brasileiro, embora esteja devendo tecnicamente, entrega muito em equilíbrio, em disputa e em emoção. Por isso não aceito as teses de que o futebol brasileiro deve se adequar ao europeu. Nosso futebol sempre foi forte e vencedor por ser diferente, por buscar seus caminhos, suas soluções e sobreviver ao amadorismo reinante entre os cartolas. Há muito mais diferença entre o futebol brasileiro e o europeu que um Oceano Atlântico possa explicar.

sexta-feira, setembro 13, 2013

Scolari vai moldando a família de novo


Estive com a seleção brasileira em Boston, comentando a convincente vitória por 3 a 1 sobre Portugal.

Algumas coisas ficaram evidentes.

A primeira: Neymar amadurece a passos largos e não pipoca. É o craque, o farol do time. Se estiver bem na Copa, as chances brasileiras são boas.

A segunda: Thiago Silva é o dono da defesa. Seguro, firme, discreto. Não precisa ser espalhafatoso como David Luiz para exercer sua liderança.

A terceira: Felipão é danado. Ele mudou o clima da seleção em pouco tempo e vai criando a nova versão de sua família. Os jogadores pouco reclamam e quando reclamam é de questões que não se referem ao dia-a-dia dentro de campo.

Por exemplo: os jogadores ficaram putos com a viagem para Boston. A Gol é a transportadora oficial da seleção e destaca um de seus Boeing 737 para as viagens do time. São aviões modernos, mas nada confortáveis nem sequer para viagens curtas. Que dirá para uma viagem de mais de dez horas, com uma escala na República Dominicana.

Mesmo com uma fileira de assentos liberada para cada jogador, deitando em três assentos, o conforto passa longe. Estrelas milionárias, os atletas viajam em classe executiva ou em primeira classe, e chegaram arrebentados em Boston. Tanto que o treino de domingo foi facultativo.

Não se trata de frescura, é uma prerrogativa para atletas de alto rendimento nesse tipo de viagem. E a CBF tem dinheiro suficiente para pagar voos e aeronaves mais confortáveis.

Os jogadores fizeram a reclamação chegar aos ouvidos da mídia, mas isso em nada afetou o trabalho. Discretamente, a comissão técnica apoiou, internamente, a reclamação.

Outro aspecto da Família Scolari em versão 2013/14 é o ambiente entre o pessoal de apoio da seleção. Ninguém faz questão de esconder o alívio em relação aos tempos de Dunga. Qualquer conversa redunda numa crítica aberta ao treinador da Copa de 2010, ao ambiente carrancudo e pesado, ao tratamento pouco ou nada polido.

No que tange ao relacionamento com a mídia, Felipão tem seus rompantes, mas faz questão de todos os dias aparecer no saguão dos hotéis para um bate-papo amigável, forma uma roda em torno dele e fala bastante.

Isso se deve aos jornalistas gaúchos que acompanham a seleção pelos veículos de seu estado. Sempre aparece alguém com um chimarrão, um termo gauchesco, e o ambiente desanuvia. Ponto para a cordialidade e para o mate. 

terça-feira, setembro 03, 2013

Manifesto aos basqueteiros

Adoro basquete, embora tenha jogado vôlei e trabalhe 90% do tempo com futebol. Meu primeiro emprego foi na assessoria de imprensa da Federação Paulista de Basquete, já cobri Mundiais e Olimpíadas acompanhando o basquete brasileiro.

Dá uma tristeza ver o que aconteceu com esse esporte maravilhoso no Brasil. Embora seja difícil, a vaga para o Mundial ainda é possível. Havia uma expectativa de que a participação olímpica no masculino após tanto tempo mudasse a cabeça do "basqueteiro" nacional.
Mas parece que nada mudou.

Existe um conflito interminável entre gerações que contaminou o basquete brasileiro, em especial o masculino, de uma má vontade crônica de todos contra todos.
Sem contar o discurso pateticamente invejoso de alguns que conseguem argumentar que o vôlei tem culpa na decadência do basquete.
O que falta é união entre as pessoas que fizeram e fazem o basquete. Há muita vaidade, muito ressentimento, muita conversinha.
O tempo foi passando, o esporte foi evoluindo e o Brasil ficou preso a esse mundinho de mentalidade canhestra, pequena.
Não estou inventando nada, basta pesquisar na internet. Existe um rancor de algumas pessoas da geração dos anos 1970 e 1980 com a turma bicampeã mundial, quando deveria haver respeito e reverência, troca de opiniões.
Assim como existe um rancor de alguns da geração bicampeã mundial pela falta de reconhecimento.
Tudo deveria ser resolvido com uma conversa, com um comando.
O basquete tem um mercado potencial enorme no Brasil, praticantes e simpatizantes apaixonados, mas a postura política de coitadinho, de primo pobre não condiz com essa realidade.
Dá mais tristeza ver o feminino, campeão mundial, prata olímpica, de Paula, Hortência, Janeth, que não engata, não dissemina sua presença pelo País.

Entre os esportes coletivos de alto rendimento no Brasil o basquete é, de longe, o de pensamento mais individualizado. Parece ser cada um por si e todos contra todos.

Acredito que o Brasil tem muitos treinadores capazes, estudiosos, ex-jogadores e jogadores de boa vontade, capazes de resgatar nossa escola ou pelo menos adaptá-la aos novos tempos.

Mas sem um projeto coletivo, como esporte, com um pensamento voltado para o sucesso de todos e não apenas de alguns, não vai andar.

Acho injusto jogar na conta dos atletas que atuam na NBA a responsabilidade por um eventual fracasso na Copa América, com perda da vaga para a Copa do Mundo de 2014.

É preciso avaliar individualmente cada caso. Existem seguros caríssimos, compromissos assumidos, e a NBA é um mundo à parte.

Além disso, com toda a franqueza, nossos jogadores da NBA não são protagonistas em nenhum time da NBA. Se formos comparar com a importância dos argentinos, por exemplo, do Scola, do Ginobili, esses, sim, protagonistas. Sempre se esperava muita coisa dos brasileiros que passaram ou passam pela NBA e poucos deles entregaram na medida dessa expectativa. Varejão, mesmo antes de ir para a NBA, sempre se destacou. Spliter agora começa a ganhar algum espaço, mas longe de ser um protagonista.

Tomara que eu esteja errado, mas parece cada vez mais que a aventura olímpica de 2012 foi sonho de algumas noites de verão londrino.

Acorda, basquete!

quinta-feira, agosto 29, 2013

A previsível rodada da Copa do Brasil

Rodada da Copa do Brasil foi marcada pela normalidade. Claro que há reclamações, como sempre, de arbitragem. Muitas delas já são muletas de conhecidos treinadores e dirigentes. Passaram as equipes que foram melhores em 180 minutos de futebol.

Permito-me algumas observações.

Falta boa vontade com o Botafogo. Ganhou do Galo sem o Seedorf, empatou sem Vitinho, sem salários, seus jogadores seguem jogando sério e bem. Querem mais o que? O Galo não foi forte e vingador e desta vez foi ele quem saiu eliminado do Horto. Mais que a verborragia de seu presidente, precisa pensar nas razões por que sofreu seis gols em dois jogos.

O Fluminense se enrolou todo, perdeu jogadores importantes e virou um time amorfo. É triste ver Luxemburgo, um dos maiores treinadores do futebol brasileiro, repetindo a mesma ladainha de arbitragem jogo após jogo. O Goiás do gordinho Walter está arrumadinho.

O Corinthians cumpriu sua obrigação ante um adversário organizado e lutador, mas perdeu intensidade, já não empolga e sufoca o adversário como antes, não se impõe com autoridade. Tite está em busca de outra forma de jogar, isso ficou evidente para mim.

Renato Gaúcho precisa ser levado mais a sério como treinador, porque tem uma característica fundamental: não quer ser mais realista que o rei. Duvido que ele goste do sistema com três volantes e três zagueiros, mas está funcionando e Renato sabe que a missão do bom técnico é não querer passar por cima da realidade. Olho no Grêmio! O Santos parece acreditar piamente que descobre um novo Neymar a cada semana. Menos!

O Furacão deixou terra arrasada no Palmeiras. O resultado era até previsível, já que o time paranaense está jogando melhor do que o paulista já faz tempo. Defesa firme, com Manoel e Luiz Alberto jogando muito bem, e um ataque velocíssimo empurram o Atlético, sob as bênçãos de "vovô" Paulo Baier. A apatia demonstrada pelo Palmeiras não combina com um grupo de jogadores que carrega uma camisa centenária e vencedora. Luta jamais pode faltar. O Furacão não está para brincadeiras, e o Verdão carece de equilíbrio. É um time bonzinho demais com os adversários, tenta jogar mas deixa os rivais soltinhos. Kleina balança.

Por fim, Vasco e Inter só precisam assinar o papel da classificação.

Deixei para o final, de propósito, o Flamengo, na análise da Copa do Brasil.

De propósito por causa de um jogador: Elias.

Ele é o tipo de jogador fundamental para o futebol moderno e que raros clubes têm e raros treinadores sabem utilizar ou descobrir.

Elias é o volante que desafoga o time, que trafega com desenvoltura entre as duas áreas, a de defesa e a de ataque. Tanto aparece tirando uma bola na área de seu goleiro, como surge na área do goleiro adversário para resolver o jogo.

Elias já tinha feito no Corinthians o que Paulinho fez e seguirá fazendo na Inglaterra.
São jogadores com a mesma característica tática para o time e diferenças individuais.
Elias é mais veloz, Paulinho mais alto e forte, tem a jogada aérea que Elias não tem. Mas o flamenguista na corrida leva vantagem.

Elias é a chave para a reconstrução do time do Flamengo.

quarta-feira, agosto 28, 2013

Uma viagem aos tempos de Esporte é Cultura!




Luiz Noriega durante o Esporte Opinião (1982)


José Maria Pereira, o mago da restauração
Caminhão da Cultura

































Hoje vivi uma emoção um tanto estranha. Ainda estou negociando com a alma e a mente que tipo de sensações foram vividas. Após mais de 25 anos voltei à sede da TV Cultura, em São Paulo, onde meu pai, Luiz Noriega, viveu seus melhores anos como jornalista. Fui buscar algumas imagens para ter no arquivo da família, graças ao trabalho fantástico, de artesão, do espetacular José Maria Pereira, companheiro de batalha do meu pai desde os tempos da TV Tupi e também na Cultura.

O poder da memória é algo inacreditável. Fui transportado aos dias em que, ainda criança, acompanhava meu pai no trabalho, corria pelas arborizadas alamedas daquela sede (em que região de São Paulo, Lapa ou Água Funda?) projetada tendo como base a BBC londrina.
Era como se eu estivesse saindo da redação, onde ficava pentelhando o Orlando Duarte, Pedro Tadeo Zorzetto, o Dudu, o Cicarelli e correndo para um estúdio, ou para a lanchonete, o restaurante.
Ali eu via nascer e ir ao ar programas como É Hora de Esporte, Esporte Opinião, Esportevisão.
A velha redação do esporte da Cultura hoje abriga um estúdio, mas muita coisa está irretocável como permanece em minha memória. A entrada antiga, pela rua Carlos Spera (outro grande nome do jornalismo) está fechada, mas eu me vi passando por ela e correndo para a sala do meu pai, buscando as revistas France Football, Don Balón, Guerin Sportivo. Posso dizer que ali fiz pós-graduação em jornalismo esportivo muito antes de completar o colegial e fazer a faculdade.
Botei o DVD para rolar e vi um Esporte Opinião apresentado pelo papai com uma escalação de craques do porte de um Ary Silva, de Flávio Iazetti, Flávio Adauto, Wanderley Nogueira. E um programa especial com o (hoje tenho a honra de dizer isso) meu amigo Zico.
Agradeço de coração ao Zé Maria e seu arquivo fantástico, que ele restaura com mãos e olhos de artista, em nome da família.

Foi uma linda viagem no tempo.   

segunda-feira, agosto 26, 2013

Gilmar e o sonho do tio Zeca


Lá pelo final dos anos 90, 97 ou 98, não me lembro ao certo, resolvemos organizar uma festa, eu minha mãe e minhas irmãs, para celebrar os 50 anos de carreira de meu hoje saudoso pai Luiz Noriega.

Fizemos uma surpresa, alugamos um salão enorme e enganamos o velho com o papo de que era um pequeno jantar para comemorar seu aniversário.

Foi um barato ver a cara de espanto dele quando abrimos a porta do salão e ele viu toda a família, amigos da rádio e da TV Tupi, da TV Cultura, companheiros de trabalho, amigos da infância em Olímpia etc.

A meu cargo ficou a missão de convidar atletas e ex-atletas com os quais ele tinha mais amizade e que sempre se referiram ao meu pai como uma pessoa fundamental para suas carreiras. Alguns não puderam ir, mas enviaram telegramas, cartas, telefonaram. Gente de caráter como William e Montanaro, Paula. Outros simplesmente desprezaram o convite, talvez porque naquele tempo, afastado da TV, meu pai não servisse mais para os propósitos interesseiros que vinham disfarçados de amizade.

Algumas presenças foram especialmente marcantes para nós, como as do eterno Adhemar Ferreira da Silva e as de dois campeões mundiais pela seleção brasileira de futebol, Hideraldo Luiz Bellini e Gilmar dos Santos Neves. Amigos de longa data do meu pai, figuras frequentes no círculo social da família. Esbanjaram simpatia durante toda a noite, sem um pingo de frescura.

Em determinado momento, meu tio materno e padrinho, Zeca Galizia, me puxa num canto e pergunta:

- Má, aquele ali é o Gilmar, o goleiro?

- Sim, ele mesmo - respondi.

Meu tio já era um senhor de quase 60 anos, mas tremia feito vara verde, com dizemos lá em Bariri.

- Rapaz, eu era fã dele. Eu me jogava nas bolas como ele quando brincava de goleiro e saía dizendo que era o Gilmar - explicou meu tio, corintiano fanático.

- Me leva lá para falar com ele?

Levei e vi meu tio com um sorriso de garotinho. Gilmar, respeitosamente, levantou-se da mesa, apresentou a esposa. Eu tinha apresentado o Bellini também, ambos ficaram conversando animadamente com meu tio, e ouviram as histórias de suas aventuras de goleiro nos campinhos enlameados de Bariri.

Entrevistei Gilmar algumas vezes em minha carreira de jornalista. Em quase todas utilizei o nome do meu pai para facilitar o acesso. E em todas Gilmar foi de uma educação impressionante, de uma elegância que refletia a maneira impecável de se vestir. Era um senhor alto, boa pinta, elegante. Dizem que as mulheres suspiravam por ele em seus anos de atleta.


Quis o destino que algum tempo depois daquele noite, Bellini e Gilmar fossem acometidos por males que limitaram suas condições físicas e mentais.

Não vi Gilmar jogar, mas para a minha geração, a da turma que está entre 45 e 50 anos, ele era um monstro sagrado. Era como não precisar ir a Lua para saber que ela esta ali. Ninguém duvidava que Gilmar era o melhor goleiro brasileiro, mesmo sem tê-lo visto jogar.

Lembro-me de meu pai chegando em casa triste, abatido após visitas a Gilmar e Bellini, ou após conversar ao telefone com familiares.

A seleção de 1958 está sendo reforçada lá no céu. De Sordi, Djalma Santos, Gilmar, todos partiram recentemente. Serão recebidos por Didi, Vavá, Garrincha, o treinador Feola.

É o tempo, inexorável, cumprindo a única certeza da vida. Seja ela gloriosa como foi a de Gilmar, ou anônima.

terça-feira, agosto 20, 2013

Xô, patológico!

Já tenho 26 anos de trabalho na área de jornalismo. Desse tempo, diria que 90% na área esportiva e 70% desses 90% especificamente com futebol. Cada vez mais tenho a certeza de que há um tipo patológico de torcedor que não escuta o que você fala, nem vê a imagem que está sendo mostrada. Ele escuta o que ele quer ouvir e vê o que ele quer ver. Com esse tipo de gente, não tem discussão, não tem debate, não tem conversa.

 Nem o benefício da ignorância eles têm, porque geralmente o mais patológico está no grupo de gente que teve a sorte e o esforço de ter estudado.

 Existe agora uma espécie de mídia ninja de torcedor de futebol, publicações dirigidas que espalham teorias conspiratórias, deturpam regras do jogo e criam campanhas.

 Trabalhar com o que se gosta é uma benção. Eu gosto de esporte, fui atleta, me divirto e me realizo fazendo o que faço.

 Mas imagino como deve ser terrível a vida de quem inventa uma realidade paralela em função do fanatismo patológico.

Seguimos em frente. Sempre acreditando que é possível se fazer bom jornalismo na área esportiva e acreditando também que os bons fãs do esporte e do futebol prevalecerão sobre os patológicos.

sexta-feira, agosto 16, 2013

Um beijo, papai!

 
 
16 de agosto será sempre o seu dia, Luiz Noriega. O dia em que começou sua jornada terrena, cumprida com garbo, dignidade e amor. Tenho honra em ser seu filho e da dona Angela, irmão da Renata Noriega De Thomaz e da Ferdi Noriega. Um beijo em sua alma aí no céu. Meu, da Isabel Urrutia, da Clara Noriega e do Rafa. Brindaremos por você hoje. Tome um Royal Salute por nós. Te amamos sempre, papai!

segunda-feira, agosto 12, 2013

Tribunal não pode apitar jogos

Reproduzo aqui coluna publicada no Diário de S.Paulo no dia 23 de outubro de 2012.

Blog do Nori

Justifica-se porque continua atual o tema e minha opinião não muda. Arbitragem de gabinete não vai melhorar o futebol.


Tribunal não pode apitar os jogos*
*Reproduzo aqui a mais recente edição da colun a que publico às terças no Diário de S.Paulo.
 
Reflexo da sociedade da qual faz parte, o futebol brasileiro é tão confuso quanto o país. Situações e personagens se misturam de tal maneira que muitas vezes é difícil apurar e apontar responsabilidades. Um exemplo é a atuação dos integrantes dos tribunais de Justiça Desportiva, que recentemente parecem dispostos a agir como árbitros de futebol.

Entendo e reconheço que as atuações de promotores, auditores e outros integrantes dos tribunais, outrora chamados de tapetão pelo irreverente torcedor brasileiro, são necessárias, porém, como disse o Filho do Homem, “a César, o que é de César”.

Em minha visão de leigo, mas interessado e estudioso, os tribunais devem julgar casos de agressão, violência e determinar punições e suspensões tendo como base a súmula de uma partida de futebol e o que foi relatado pelo árbitro.

Não acho que caiba a um tribunal formado por profissionais do direito, representando clubes, julgar interpretação das regras do jogo, como simulação e faltas. Cito dois casos recentes. A suspensão do meia-atacante Ronaldinho Gaúcho, do Atlético-MG, por falta no atacante Kléber, do Grêmio, e a denúncia contra o centroavante Luís Fabiano, do São Paulo, por suposta simulação no clássico contra o Palmeiras.

Ronaldinho foi suspenso porque o STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) entendeu que ele praticou uma jogada violenta contra Kléber.

O árbitro daquele jogo, Héber Roberto Lopes, nem sequer marcou uma falta no lance. Duplo equívoco, penso eu. Houve a falta no lance, mas não foi uma jogada violenta. Além disso, o STJD tem competência para avaliar uma jogada sob a ótica da técnica de arbitragem? Acho que não.
O mesmo raciocínio vale para o clássico de 6 de outubro entre São Paulo e Palmeiras. Luís Fabiano tentou, sim, cavar um pênalti em lance com Maurício Ramos. O árbitro Paulo César de Oliveira nada marcou. Nem sequer advertiu o atacante são-paulino.

Por que haveria o STJD de acatar uma denúncia e julgar o atleta propondo suspensão de até seis jogos?

Não caberia ao juiz de futebol interpretar se houve ou não simulação ao ponto de merecer uma advertência dentro das regras, punindo com um cartão amarelo ou um vermelho?

Os tribunais esportivos são necessários, repito. Mas não podem cair em tentação e passar a atuar como paladinos ou, o que é pior, justiceiros do esporte brasileiro. O jogo começa e termina no campo, disputado por atletas e apitado por juízes.

Vídeo como prova - Há casos em que a chamada prova de vídeo pode e deve ser aceita. Como, por exemplo, agressões que são captadas pelas câmeras e não foram percebidas pelo árbitro.
Porém, um lance de jogo, que foi avaliado, de maneira correta ou não, por um juiz de futebol, dentro do direito de interpretação que a regra do jogo lhe dá, deve ser julgado por profissionais do direito e não da arbitragem?

Acho que não. E vejo um abuso de autoridade, uma intervenção em uma área à qual os promotores, relatores e auditores não pertencem.

Quantas simulações acontecem em um jogo de futebol? Toda queda é simulação? Como separar uma queda proveniente de um choque, em um esporte de contato, com uma tentativa de ludibriar a arbitragem? Quem está mais capacitado para decidir se um jogador tentou ou não simular um lance, um juiz de futebol ou um juiz do direito? Respondo sem pestanejar: o juiz de futebol.
Antes de levar a arbitragem de um jogo para os tribunais, é preciso trabalhar para capacitá-la, diminuir a margem de erro, educar jogadores e treinadores, uniformizar critérios.

Cabe aos tribunais julgar e condenar agressões, condutas antidesportivas, tumultos etc.
Apitar um jogo, bem ou mal, é atribuição dos árbitros de futebol e somente deles. O jogo acaba ali, não deve continuar num tribunal.

terça-feira, agosto 06, 2013

Perguntar não ofende



Longe de mim qualquer pretensão de ser professor de Jornalismo ou de qualquer coisa. Não tenho preparo, não tenho formação para isso, e também não tenho a intenção de ensinar nada para ninguém. Além de achar que não tenho nada para ensinar. Mas muito do que aprendi posso compartilhar.

Incomoda-me a ausência das perguntas no mundo do jornalismo esportivo atual. Esse jornalismo esportivo que já foi considerado, em outras épocas, combativo, chato, perguntador e fuçador.

Lembro que na época dos atentados de 11 de setembro de 2001, fui a um treinamento da Portuguesa, como repórter. O técnico era o Edu Marangon. Ele brincou e disse:

- Se querem achar o Bin Laden, é só escalar vocês da imprensa esportiva, porque vocês fuçam para caramba.

Claro que há um grande exagero nessa afirmação.

Mas a verdade é que a imprensa esportiva de que me recordo dos meus tempos de garoto e depois, de foca, sempre se caracterizou por perguntar sem pedir licença e sem medo. Quando em vez tomava o contra-ataque. Mas repórter bem preparado e perguntador não toma contra-ataque.

Até porque essa é uma premissa básica dessa profissão. Porque, no fundo, somos todos nós, jornalistas, repórteres. Podemos estar diretores, editores, comentaristas, mas seremos sempre repórteres.

O que me assusta é que as perguntas parecem estar em extinção. Muitas vezes o que ouvimos (e me refiro mais a rádio e TV porque esses meios estão quase sempre ao vivo, e é ao vivo que se conseguem, geralmente, os melhores depoimentos e respostas) são afirmações, ou opiniões. Nem mesmo a entonação da pergunta há.

Muitas vezes escuto algo assim:

- Que golaço, hein, fulano.

- Jogo difícil.

Comentários para que o entrevistado comente.

E, sem fazer média, não é por falta de capacidade, porque tem muito repórter bom por aí, felizmente.

Mas a pergunta é nosso ganha-pão, nossa credibilidade, ela vem sempre antes da opinião e da afirmação.

Sou meio antigo, já rodei um pouco, e acho que a fórmula básica é narrador narra, comentarista comenta, repórter reporta. Informação tem prioridade.

Pronto, acabei cagando regra, que era o que não queria fazer.

Edito o texto para uma sugestão modesta de quem perambulou muito como repórter antes de virar comentarista.

Perguntem, colegas!

Perguntar não ofende.

E boas perguntas geram boas respostas.

quarta-feira, julho 31, 2013

Barbárie 1 x 0 Civilização

Clássico com torcida única é a vitória da barbárie sobre a civilização. Por mais que argumentem, que falem em segurança, se pessoas que apenas torcem para times diferentes não conseguem dividir o mesmo espaço físico é porque a experiência ser humano não está dando certo.

terça-feira, julho 30, 2013

O gol está sendo jogado para escanteio



Tenho pena do gol no atual momento do futebol brasileiro.

Logo ele, coitado, que já deu tantas alegrias a milhões de torcedores por esse País. Que fez a alegria dos geraldinos, dos alambradinos, de crianças, papais, famílias e gerações criadas no cimento duro e imundo das arquibancadas.

Porque vou te contar uma coisa, não está fácil ser gol no futebol politicamente correto de hoje.

Quando não era patrulhado por todos os lados, o gol era sinônimo de êxtase, de gritos, soco no ar, cambalhota, montanha humana.

No tempo em que os orelhões eram novidades, tinha jogador que fazia o gol e pegava o telefone para fingir que ligava para alguém.

Hoje, coitadinho do gol, tem jogador que o faz e só falta pedir desculpa, chorar, entrar em depressão.

Uma das modas é não comemorar contra o ex-time, em respeito à torcida.

Mas e a torcida do time atual, faz o quê com o gol? Chora junto? Isso para não ser deselegante e sugerir outra coisa.

Gol não é pecado, é alegria.

Agora que todos babam ovo para os novos estádios, as novas arenas, nas quais o principal atrativo é estar mais perto do jogo, da emoção, o sujeito faz um gol, vai, literalmente, para os braços do povo, e na volta leva cartão amarelo.

Então para que fazer estádio assim? Não seria melhor isolar de vez o povo do jogo e investir na assepsia total?

Eu nunca vou entender porque para juiz de futebol é sempre tão fácil dar cartão amarelo para a alegria do gol e tão difícil punir o jogador violento.

Mas não fique assim solitário, amigo gol. Ainda tem muita gente que joga por você, torce por você, grita, chora de alegria, corre para a galera, sobe no alambrado.

Enquanto o tal novo código de ética do boleiro, outra bobagem criada pelos novos tempos, não acaba de vez com sua alegria, amigo gol, por favor, não nos abandone.

Continue por aí, de cabeça, de bico, de bicicleta, de falta, de escanteio, contra, de pênalti.

Você ainda vai derrotar os amantes do zero a zero e os prancheteiros do código de ética.

Tô contigo, golaço!

quinta-feira, julho 25, 2013

Galo cantou

Parabéns aos milhões de atleticanos mineiros espalhados pelas Alterosas e pelo Brasil.

Brasil que parou em frente à TV para ver o Galo em sua épica jornada rumo ao sonhado título da Libertadores da América, testemunhada in loco por 60 mil apaixonados que deixaram quase 15 milhões de reais nas bilheterias do Mineirão.

Título que premia a equipe que, de fato, jogou o melhor futebol da competição, mesmo que não tenha feito suas melhores apresentações nas partidas semifinais e finais.

Pouco importa, porque fez o suficiente para vencer sem contestações.

A base desse Clube Atlético Mineiro da América é o ataque. Um time baseado em volúpia, em sede de gol, que premia uma torcida apaixonada, sofrida, judiada pelo tempo.

O Galo pensou grande, executou grande e hoje está no Olimpo continental, sem qualquer intenção de trocadilho.

Cuca jamais traiu seus conceitos de futebol, espantou o azar que ele mesmo afirmava existir, e estápronto  para voos ainda maiores como treinador.

O canto do Galo mineiro ecoa pela América e já é ouvido no Marrocos.

quarta-feira, julho 24, 2013

Seu Djalma

Camisa comemorativa da Copa de 1958 de Djalma Santos





Em 2008, quando fazia as entrevistas para meu livro Os 11 Maiores Técnicos do Futebol Brasileiro, tive o prazer e o privilégio de bater um longo papo com Djalma Santos.

Eu o entrevistei para completar o perfil de Vicente Feola. O livro traz um pingue-pongue com atletas e treinadores que falam sobre os perfilados. Seu Djalma, como eu o chamei o tempo todo, foi de uma gentileza e educação fantásticas. Memória privilegiada, me fez viajar no tempo para o dia da final da Copa de 1958, da qual ele foi eleito o melhor lateral-direito mesmo tendo atuado somente na final.

Mesmo já sendo um veterano do Jornalismo, eu naquele dia me senti como se estivesse falando com um semideus. O que não deixava de ser verdade. Afinal, Seu Djalma brilhou na Portuguesa, no Palmeiras, no Atlético Paranaense, onde encerrou a carreira com mais de 40 anos, e foi seguramente um dos maiores jogadores de todos os tempos.

Três anos mais tarde, em 16 de março de 2011, fomos eu e Milton Leite para Uberaba, para a transmissão de Uberaba x Palmeiras, pela Copa do Brasil, no SporTV. Seu Djalma morava em Uberaba. Um pouco antes do jogo, um amigo dele nos procura da cabine do estádio e nos entrega camisas enviadas pelo seu Djalma, que se desculpava por não poder nos entregar pessoalmente. São camisas no estilo retrô, que reproduzem o modelo usado pelo Brasil na partida final da Copa da Suécia. Cada uma tem a assinatura estilizada de Seu Djalma.

Guardo essa relíquia com carinho em minha coleção de camisas. Hoje a tirei de seu descanso para fotografá-la e homenagear de forma singela o grande Djalma Santos, para muitos o maior lateral-direito de todos os tempos. Para mim, desde aquele dia ao telefone virou o Seu Djalma.

Que ele descanse em paz, após uma vida fantástica, que marcou milhões de torcedores.

terça-feira, julho 23, 2013

Coronelismo Futebol Clube


Os últimos episódios envolvendo o São Paulo Futebol Clube são lamentáveis, ridículos, humilhantes para a história dessa instituição tradicionalíssima.

O São Paulo repete os mesmos erros de seus rivais Palmeiras e Corinthians. Erros que culminaram em rebaixamentos. No caso corintiano, a correção foi feita rapidamente, o clube se reinventou e hoje curte a fase mais gloriosa de sua existência. O Palmeiras não aprendeu em 2002 e caiu de novo em 2012. Dá sinais agora de que parece, finalmente, ter aprendido a lição e ensaia uma recuperação que não seja pontual.

Confesso que o que acontece com o São Paulo agora é uma surpresa. Em minha carreira como repórter cobri os três grandes da capital paulista por muitos anos, a partir de 1989. O São Paulo sempre foi diferente, mais organizado, zeloso de suas coisas. O que não quer dizer que sempre fosse tudo certinho, mas quando não era, o clube sabia esconder da mídia e resolver internamente.

No Corinthians e no Palmeiras era o oposto, a crise brotava e segundos depois estava nas páginas de jornais e manchetes de rádio e TV. Cartolas boquirrotos, vendetas e acertos de bastidores faziam jorrar discórdia nas alamedas de Palestra Itália e no Bar da Torre do Parque São Jorge.

Houve diversos episódios de coronelismo explícito no Corinthians e no Palmeiras, notadamente quando Alberto Dualib e Mustafá Contursi dirigiram esses clubes por muitos anos. Deu no que deu. O mesmo vale para o Vasco nos anos de Eurico Miranda.

O São Paulo, que parecia imune a esse tipo de situação, mostra-se agora tão vulnerável quanto.

As cenas de Juvenal Juvêncio cercado por "jagunços" e ameaçando associados num churrasco na sede social do São Paulo são de dar asco em torcedor de qualquer clube, porque remetem ao pior da cartolagem tupiniquim.

O que deve deixar apavorado o torcedor são-paulino é que ele já viu isso acontecer com os adversários principais, riu e se divertiu com o desfecho, mas agora teme provar do próprio veneno.

Tempo há para corrigir a rota, mas o São Paulo e seu coronel brincam com fogo.

Porque o Brasileirão já provou que não importam tamanho, história, peso de camisa. O primeiro passo para o rebaixamento é o uso frequente da frase " esse time não cai".
 

segunda-feira, julho 15, 2013

Ouro de tolo


O doping no esporte é uma sacanagem tão grande quanto vender um jogo, um resultado, um torneio. Porque é o desrespeito supremo ao adversário, ao seu companheiro de equipe, ao torcedor, aos juízes, a todo mundo.

Não discuto as razões que levam alguém a fazer uso do doping, nem quero ser juiz da vida de ninguém para condenar eternamente. Errar é da natureza humana. O que discuto é o fato de o doping ser a negação do princípio do esporte, de aceitar que alguém pode ser melhor que você, que tenha trabalhado mais, tenha mais talento. É tentar brincar de Deus dentro de uma praça esportiva, querendo usar do meio ilícito para superar limites que existem exatamente para nos dizer dia após dia que temos limitações - o que é maravilhoso.
Para quem foi atleta honesto um dia, para quem trabalha com esporte, para quem tem apreço pela competição sadia o doping é uma traição. Principalmente quando é ocultado por muito tempo, quando produz um ídolo, um vencedor em escala olímpica e mundial. Quando descobrimos que esse atleta, cuja história parecia ser inspiradora, de superação através de treino, esforço, dedicação para buscar e superar seus limites com base na ciência honesta, enganou a todos e a ele mesmo, o sentimento é de traição.

Mas o doping está aí, é uma das muitas pragas do mundo moderno. Ele infesta a cabeça de um esportista que sabe que hoje o atleta é uma celebridade milionária, que gera negócios de valores astronômicos e que, se for vencedor em escala planetária, terá uma conta bancária recheada de casas decimais.

Há também o doping diário de algumas academias que não honram o termo ginástica e vendem apenas vaidade e futilidade. Cujo objetivo é produzir aberrações com peitoral de halterofilista e pernas de fundistas quenianos apenas para exercer o narcisismo. Saúde? Desempenho? Objetivos? Que nada. O que vale é a medalha de ouro da maromba ou o pódio da bunda turbinada para ganhar o apelido de mulher-alguma fruta e gozar da alegria de ser uma celebridade de quinta categoria.
O doping é tão nocivo quanto a corrupção, a sonegação, até porque está cercado por atos criminosos, contrabando, subterfúgios.

Mas o pior aspecto do doping deve ser a consciência de quem ganha algo usando dessa artimanha. Duvido que um ser humano dotado de um mínimo de lógica durma feliz, mesmo cercado de medalhas e dinheiro, sabendo que na verdade o que ele ganhou é produto de uma farsa. Ele deve deitar cercado da dúvida interior, pegar no sono se perguntando se ele conseguiria sem aquela injeção de mentira, aquele comprimido de enganação.

 

quinta-feira, julho 11, 2013

Mineirão é o terreiro


 
Após a épica classificação para uma inédita final de Libertadores, acho que o Galo tem que pensar grande, pensar em sua gente, na paixão de seu torcedor.

Entendo as questões econômicas e até as técnicas de se jogar no Independência.

Há contratos assinados, no campo um pouco menor a pressão do time é amis eficiente, as bolas paradas de Ronaldinho são mortais, ele joga na área a partir do meio-campo.

Mas é a hora do torcedor do Galo, que sustenta essa paixão, que sonhou toda a vida com esse momento.

É a hora de um palco digno do time e da campanha, capaz de receber, tal coração de mãe, o maior número possível de atleticanos.

Não acredito nessas questões de que um estádio pode ser mais decisivo do que um time.

E o Clube Atlético Mineiro pode até não ser campeão da Libertadores, mas tem bola para ser em qualquer estádio.

segunda-feira, julho 08, 2013

Supertécnicos valem a pena?


Pego emprestado o termo daquele programa que o Milton Neves apresentava na Bandeirantes. Porque hoje vivemos a era dos supertécnicos no futebol brasileiro. Um clube seleto, diria que quase fechado, formado por nomes como Luxemburgo, Muricy, Felipão, Abel. Com um subgrupo que se aproxima dessa turma, gente como Tite, Mano Menezes, Dorival Júnior.

São treinadores caríssimos, com vencimentos astronômicos, que em muitos casos são multiplicados pelas exigências de comissão técnica e reforços que fazem aos clubes que os contratam, protegidos por multas milionárias que tornam o clube escravo do funcionário.

Talvez eu esteja equivocado ao colocar Tite e Mano na antessala desse grupo. Porque eles já podem estar frequentando a reunião principal. Ou estejam a ponto de. O caso de Tite é diferente porque ele se manteve no Corinthians, o que dificulta uma situação de inflação no mercado. Ele prefere manter um projeto e uma estabilidade. Mano foi demitido da seleção e optou por um período sabático, o que também contribui para uma relativa desvalorização no recomeço.

Então os tais supertécnicos da manchete seriam aqueles que puxam essa fila. Felipão, Muricy, Luxemburgo e Abelão.

Todos comprovadamente capazes. Todos caros, muito caros, graças aos currículos que construíram.

Mas como tudo na vida, há um preço, com o perdão do trocadilho.

Os supertécnicos estão condenados a serem campeões. Pelo preço que cobram, não adianta entregar bons trabalhos, vices ou classificações para a Libertadores. Um treinador com esse patamar de custo só se paga com título nacional ou internacional. O limite é cada vez menor, e o peso do fracasso ganha proporções muitas vezes injustas.

Pouco me importa quanto cada um ganha, não gosto de falar de valores. Levo a questão para o macro. Ao contratar treinadores que custam meio time, um clube deixa pouca margem para erros. Transfere para o treinador parte de sua responsabilidade como gestor de futebol. E ninguém faz milagre. Se fizesse, um supertécnico pegaria um time com orçamento mediano, sem apelo de massa, e levaria a uma conquista. Quantas vezes isso acontece? Raríssimas.

O que ocorreu no Brasil foi uma bolha de valorização dos treinadores. Hoje eles são mais ouvidos e mostrados que os próprios jogadores. Acaba o jogo, tem a sagrada entrevista do treinador, com bonézinho e cartaz ao fundo. Muitas vezes o cara que fez três gols e definiu a partida não fala, mas o professor é certeza. Eles são pequenas empresas com orçamento de médias. Têm agentes, assessores, procuradores, agendas concorridíssimas.

Repito: não vejo nexo em se propor um orçamento de time de futebol no qual o treinador custe o mesmo que meio elenco. Porque o retorno só virá em forma de conquista ou na venda milionária de um jogador que ele próprio tenha revelado, o que é cada vez mais raro de acontecer.

E reforço: por ficarem tão caros para o mercado, os supertécnicos correm o risco de amargar algum período de ostracismo, porque a crise está aí, o futebol encareceu sobremaneira.

O que justifica ainda o fato de os clubes aceitarem as propostas muitas vezes surreais dos treinadores é o amadorismo dos dirigentes, potencializado por situações de desespero.

sexta-feira, julho 05, 2013

Discoteca do Nori

Invisible Touch




Viúvas do progressivo, profetas de Peter Gabriel, me desculpem. Sou fanático pelo Genesis sempre, mas se eu tiver que escolher um disco da banda para levar dessa para a melhor, no fotochart, fico com Invisible Touch, tentando levar escondido o A Trick of The Tail.

Invisible Touch é o disco que os radicais fãs do Genesis da era Gabriel gostariam de queimar em praça pública.

Para mim foi a trilha sonora de um período divertidíssimo e feliz da minha vida, os meados dos anos 80. Das baladas no Piso 2 em Indaiatuba. Das madrugadas sob as estrelas escutando Tonight x 3. De acalmar depois da noitada ao som de In Too Deep.

Invisible Touch é o disco mais pop do Genesis, mas e daí?

 É pop bem escrito, bem tocado, bem produzido.

Lembro que entrei na fila na velha Hi-Fi Discos para comprar a bolacha. Tinha espera de 15 dias de tanto que vendia.

Nada nesse álbum anula as qualidades que o Genesis mostrou com Gabriel, com Collins e Hackett e como trio.

Só potencializa.

Sou tão fã desse disco que não gostei da remasterização feita por Nick Davis recentemente. Ele alterou o som da bateria eletrônica utilizada em muitas canções, alterou alguns timbres de teclado e tirou a caracterização de algumas músicas. Foram compostas naquele período, daquele jeito, deveriam ter permanecido como foram gravadas.

A faixa-título gruda à primeira audição, tem um riff de guitarra simples e direto, com o qual todo compositor pop sonharia. Throwing It All Away é uma gema pop indiscutível, subestimada como canção. In Too Deep idem. Land Of Confusion é um rockaço.

Enfim, tem de tudo que um bom disco pop pede.

Um crítico da extinta revista Bizz escreveu àquela época uma síntese perfeita do disco: pop competente, desavergonhado e musculoso.

Assino embaixo.

Discoteca do Nori

Love Walks In



Outro dia lembrei que fui a um show do Van Halen no Ibirapuera. 1983, acho. Jump ainda não tinha estourado. Meu pai tinha ganhado os ingressos e acabei pegando para mim.

Achei o show bem legal, apesar da péssima acústica do Ibirapuera e do fato de eu estar ainda me recuperando de uma hepatite, o que me fez ficar bem longe do palco, precavido para o caso de alguma correria.

O Van Halen estourou no mundo com Jump e com Panamá, e se transformou em ícone do chamado rock de arena, dos grandes estádios.

Mas o Van Halen que me cativou como ouvinte e fã é o de 5150, com Sammy Hagar nos vocais.

Nada contra David Lee Roth. Até comprei o EP dele que tem Just a Gigolo e Califórnia Girls, muito bom por sinal.

Mas o que os fãs mais dodóis chamaram de Van Hagar é o que eu mais gosto dessa banda. Principalmente o 5150. E fundamentalmente por causa de Love Walks In, para mim a canção emblemática da banda.

Tem um toque progressivo nos teclados, uma coisa meio Asia, mas não é apenas isso. Hagar canta uma barbaridade, a letra e a melodia casam perfeitamente, o solo de Eddie Van Halen é um assombro.

Adorava ouvir essa música a todo volume na chácara do meu pai em Indaiatuba, luzes apagadas, apenas as estrelas no céu. Quando o Sammy disparava "i travel far across the Milky Way" era literalmente uma viagem. Sem nada ilícito, diga-se.

Durante a Copa das Confederações, viajando para lá e para cá, voltei ao 5150 e a Love Walks In. Foi minha companheira em horas solitárias de voo e hotéis.

Na saída do Mineirão, após a vitória do Brasil sobre o Uruguai, botei para tocar no Ipad e contei com a aprovação do Casagrande, roqueiro de responsa.

Taí uma música que eu gostaria de ter composto se eu tivesse algum talento. Love Walks In. Sempre!

quarta-feira, julho 03, 2013

Exercício


Coerência

 

Listo abaixo o que retorna uma pesquisa feita em meu próprio blog com o nome de Neymar.

Para mostrar uma linha de raciocínio e coerência e responder a certo tipo de idiota que se esconde atrás do anonimato mas não passa de analfabeto funcional. Ou seja, sabe ler, mas não compreende um texto.

http://blogdonori.blogspot.com.br/search?q=Neymar

Xô, fanatismo!

Vale ler e entender a entrevista do Parreira. Um profissional do futebol, não um fanático desequilibrado. É raro e importante ver quem faça o tico e o teco conversarem nesse ramo, mas o Parreira é um deles. E dos mais sérios.


http://www1.folha.uol.com.br/esporte/folhanacopa/2013/07/1305260-nao-somos-os-melhores-mas-podemos-levar-a-copa-diz-parreira.shtml

terça-feira, julho 02, 2013

Seleção recuperou o respeito

http://www.diariosp.com.br/blog/detalhe/20700/A+selecao+recuperou+o+respeito

sexta-feira, junho 28, 2013

Números furiosos

Sempre relutei em analisar o futebol pela frieza dos números. Talvez seja o único esporte coletivo em que os números podem iludir e contar uma história diferente do jogo.
Claro que eles não são inúteis, que auxiliam, indicam tendências e caminhos.
Vejamos, pois, alguns números de Espanha x Itália. Partida que provocou diversas teses de como se para a Espanha, teorias táticas etc.
A posse de bola joga a favor de quem entende que a Itália amansou a Fúria. 55% para os ibéricos, 45% para os italianos.
Mas, que diabos, esses números traiçoeiros! A Espanha não é aquele time que enrola, que é chato? Pois sabem quantas finalizações teve a Espanha? Vinte, contra 13 da Itália. Enrola um time que finaliza 20 vezes, sendo dez chances reais de gol?
A título de comparação, o Brasil teve 68% de posse de bola contra 32% do Uruguai. Os brasileiros finalizaram 14 vezes, contra sete dos uruguaios. Quem enrolou mais? Quem ficou quase 70% do tempo com a  bola e finalizou seis ocasiões a menos que uma equipe que ficou 55% do tempo com a bola? De que lado esteve o tique-taco?
Claro que cada jogo tem sua história, sua particularidade. São jogadores diferentes, temperatura, orientação tática e cultura futebolística diferentes.
Por isso eu acho que quem conta a história de um jogo de futebol ou do futebol apenas pela ótica dos números oferece uma visão míope desse esporte maravilhoso.
É preciso respeitar e entender estilos, capacidades individuais e propostas de jogo. É também uma questão cultural.