quinta-feira, abril 23, 2015

O futebol brasileiro e a malandragem


O futebol é o esporte que melhor imita a vida.

Com seus altos e baixos, reviravoltas, surpresas, justiças, injustiças, fatalidades.

Não é à toa que ocupa o Olimpo da popularidade, é o esporte rei do planeta.

No Brasil o futebol é absoluto em popularidade.

Também por isso reflete o que a sociedade brasileira tem de melhor e de pior.

A malandragem, por exemplo, é das piores manifestações da nossa cultura.

Esse comportamento associado á romântica e ultrapassada figura de terno e sapato brancos impecáveis, chapéu e lábia sedutora, que ganha a vida enganando quem passar pelo seu caminho.

O futebol brasileiro é pródigo em malandros e falsos malandros.

Dizem alguns estudiosos das ciências sociais que é possível distinguir malandros entre bons e ruins.

Segundo essa linha, eu citaria Garrincha como o exemplo supremo do bom malandro em campo. Bom porque "enganava" o marcador com sua arte. Garrincha foi um grande ilusionista, muito mais do que um malandro. Tivemos grandes ilusionistas e artistas no futebol brasileiro. Quem carrega solitariamente esta herança é Neymar.

Infelizmente, a malandragem fez escola. A cultura do futebol brasileiro celebra, protege, tenta regularizar a malandragem. Desde a tese do roubado é mais gostoso até o fato de achar bacana enganar um juiz, simular um pênalti que não houve, chorar uma agressão que não aconteceu.

Isso teve reflexos na conduta de jogadores, treinadores, dirigentes, torcedores, jornalistas e árbitros. A velha história de reclamar do pênalti mal marcado contra e fazer vista grossa e dizer que não viu quando foi mal marcado a favor.

Levar vantagem em tudo, certo?

Errado.

Arbitragem sempre vai gerar polêmica, em qualquer parte do mundo. Malandragem não existe apenas no Brasil. Vide a mão boba do Henri, educado na melhor tradição francesa, e a "mano de Dios" de Maradona.

Mas no Brasil a combinação de atletas metidos a espertos e arbitragens indecisas e com critérios desequilibrados é pura combustão.

Sandro Meira Ricci apitou o clássico Majestoso pela Libertadores. Expulsou três jogadores: dois do Corinthians (Sheik e Mendoza) e um do São Paulo (Luís Fabiano).

Não existe verdade absoluta quando se trata de opinião. As minhas foram emitidas na transmissão do SporTV. Repito-as aqui e amplio o debate.

Rafael Tolói  dá um pisão em Sheik, que se achando mais esperto que a esperteza, passa a chamada chinela, de leve, no adversário. Pelas imagens, Ricci não viu uma coisa, nem outra, mas deve ter sido alertado por um de seus auxiliares e expulsou o corintiano. Deveria ter visto e sido alertado sobre o pisão de Tolói e expulsá-lo também. Acertou em uma e errou em outra. Claro que os árbitros não podem ver tudo, mas deveriam ter visto. São oito olhos que estão ali para isso. Não se avalia intensidade, se a chinela foi leve, forte, mas sim o ato, a intenção.

A regra 12, sobre Faltas e Incorreções, prega que serão sancionadas de diversas maneiras, entre elas esta: passar ou tentar passar uma rasteira em um adversário. Tiro livre direto e o árbitro avalia se a ação foi imprudente, temerária, força desproporcional ou agressão.

Luís Fabiano foi expulso por simulação. Por fingir tere sido agredido, quando não foi. A leitura labial de Ricci deixa isso claro. A regra fala disso no tópico Advertências por conduta antidesportiva, no seguinte item: tentar enganar o árbitro simulando uma lesão ou fingindo ter sofrido uma falta (simulação). Como já tinha cartão amarelo, o atacante tricolor levou o segundo, de forma correta, penso eu.

O corintiano Mendoza foi expulso por ter tentado atingir Luís Fabiano. Volto à regra 12, que versa sobre Faltas e Incorreções. A regra concede tiro livre direto para uma série de infrações e acrescenta que o árbitro pode considerá-las imprudentes, temerárias ou com uso de força excessiva. Entre os tópicos está o seguinte: golpear ou tentar golpear um adversário. Não é preciso acertar, o verbo tentar deixa claro. Na minha visão, Mendoza tentou golpear Luís Fabiano e a tentativa foi vista pelo árbitro como passível de expulsão. Concordo.

Um erro de Ricci, penso eu, aconteceu em relação a Elias, meio-campo do Corinthians. Ele já tinha cartão amarelo e fez carga proposital em Centurión, num lance idêntico àquele em que tinha sido advertido anteriormente. Passível de novo amarelo e consequente expulsão.

Há polêmica para muitos dias.

O problema é que a maioria dos jogadores brasileiros não faz nada para ajudar a arbitragem e, consequentemente, o espetáculo. Muitas opiniões acabam contribuindo para agitar o ambiente. Existe uma mania no Brasil de se dizer que o árbitro estragou o jogo, que não se expulsa jogador no início da partida e outras bobagens. Não existe nada na regra que fale em tempo para expulsar alguém ou se preservar este ou aquele talento em campo.

Também existe o árbitro malandro, que se acha muito esperto, finge ter o controle do jogo, exala uma autoridade que não possui. Esse tipo empurra os problemas para debaixo do tapete verde, se omite em lances complicados e olha para o relógio não para conferir o tempo, mas para ver se o jogo já terminou, que é seu grande desejo.

Há o treinador malandro, que se finge de bonzinho nas entrevistas e diz que não se preocupa com a arbitragem, mas passa o jogo inteiro azucrinando e pressionando. Aqui não me refiro a um indivíduo especificamente, mas ao gênero, cuja população é grande por aqui.

Enquanto não combater a falsa malandragem o futebol brasileiro não evoluirá como produto, espetáculo e negócio.

A verdadeira malandragem é a do craque, aquele que com sua arte e inteligência escapa do zagueiro botinudo, do volante maldoso e faz a alegria do jogo.

segunda-feira, abril 13, 2015

Sua majestade, a pauta


Discute-se aqui e acolá, na maior parte do tempo, nas onipresentes redes sociais, o momento atual do Jornalismo.

Ele sobreviverá, apesar de enfrentar mais uma das muitas crises porque passa periodicamente, com o perdão do trocadilho.

Acumulo algum tempo de estrada para poder opinar sobre o tema, sem achar que tenho a solução para tudo, como muitos colegas e consumidores do Jornalismo acreditam ter.

Eu vejo um problema em uma palavra de nome simples e execução complicada: pauta.

A pauta é a majestade de uma boa redação, de um bom informativo, em qualquer meio de distribuição. Notícia não se inventa, Jornalismo não é ficção. Mas notícia se fuça, se cava, se fareja. Grandes repórteres são perdigueiros da informação, com faro privilegiado.

Mas uma boa pauta muitas vezes dá o pontapé que falta para um bom repórter.

A pauta está morrendo por uma imposição econômica, que ceifa cabeças nas redações e muitas vezes leva as pensantes.

A pauta é uma função ao mesmo tempo ingrata e gratificante para quem a executa. Por isso é preciso ter vocação e uma boa dose de abnegação. O pauteiro é quem pensa para o brilho do repórter. Egos complicam essa relação.

Trabalhei com vários pauteiros. O melhor deles, de longe, foi o Nelson Nunes, nos tempos de Diário Popular. Nelsinho, como nós, os amigos, o chamamos, é um grande repórter e levava isso para suas pautas. Eu era novato na redação do velho Diário mas conhecia o Nelsinho dos tempos de Folha da Tarde e sabia de seu trabalho de excelência. Quando chegava à redação, ainda nos tempos de máquina de escrever, a pauta estava lá, afixada no quadro de recados. Detalhada e detalhista, com telefones de fontes, sugestão de perguntas, suítes e previsão do tamanho do texto e muitas vezes até a página em que seria publicada, porque o Nelsinho já antecipava o espelho para os editores.

Acredito que tenha sido um bom pauteiro quando exerci a função. Procurei usar as lições que aprendi com o Nelsinho, sempre tendo em mente que era preciso identificar os talentos dos repórteres para cada tipo de pauta. Quem tinha alma de repórter setorista, de dia-a-dia, quem gostava de fuçar, de investigar, quem sabia cavar bons perfis de entrevistados. Organização é outro requisito fundamental. Pauteiro confuso e bagunçado pode até ser um gênio, mas confunde.

A pauta é uma função solitária. Geralmente o pauteiro fica sozinho na redação, num horário em que pouca gente chegou. Também lida com o ciúme e com a ingratidão. Sempre há repórteres que acreditam estarem sendo preteridos em favor de outros repórteres - diga-se que muitos realmente têm razão. Se a edição do dia é fria e perde para a concorrência o primeiro a ser cobrado é o pauteiro.

Uma coisa que a pauta não admite é preguiça. Pauteiro preguiçoso é sinônimo de jornalismo preguiçoso. Pauteiro que não goste da função atrapalha tanto quando o preguiçoso. Se os dois tipos se unem no mesmo pauteiro, aí complica. Porque se um programa ou jornal nasce ruim ele dificilmente será salvo e terá o mesmo fim.

A recuperação do Jornalismo de mais uma crise, eu aposto, virá de boas pautas e boas reportagens.


segunda-feira, abril 06, 2015

Estaduais não são o problema. As federações é que são


A gritaria justificada contra os campeonatos estaduais me parece apenas com um problema de pontaria. A mira está nos campeonatos, quando deveria ser direcionada às federações.

Os campeonatos podem ser salvos, mas as federações não têm mais qualquer utilidade para o futebol, Servem apenas a elas próprias e a seus dirigentes.

A discussão sobre o calendário é saudável e bem vinda.

No entanto, sou contra decretar o fim dos estaduais.

Vejo uma tentativa de se encaixar uma realidade de país europeu no Brasil.

Inviável.

Ninguém é maluco de achar que atualmente os estaduais sejam torneios cobiçadíssimos.

Mas vejo como devaneio algumas propostas de limá-los do calendário e, por exemplo, liberar os clubes para excursões pelo exterior.

Os clubes brasileiros não competem pelo mesmo mercado que os grandes europeus e provavelmente jamais competirão.

Nosso futebol de clubes não é atraente e nem sequer conhecido em escala global.

Nossa praia, por enquanto, é tentar melhorar por aqui mesmo, tornar os clubes e campeonatos mais rentáveis e organizados.

Aplaudo a maioria das iniciativas do Bom Senso, mas faço essa ressalva com relação ao calendário. Claramente, e já disse isso para um executivo do Bom Senso, existe uma inspiração nos calendários de grandes nações futebolísticas europeias, notadamente a inglesa. Quem jogou lá provou dos melhores cardápios. Mas não se apresenta um menu feito ao gosto britânico para o consumidor brasileiros sem adaptações.

Vejo os estaduais como uma oportunidade jogada fora pela ganância e o amadorismo das federações. Eles deveriam ser os recepcionistas da nova temporada. Após as férias, o retorno ao futebol progressivamente, dando ritmo aos jogadores, apresentando as novas contratações, testando regras e formatos, fidelizando torcedores. Em tempo curto, permitindo, aí, sim, torneios de verão ou sendo eles próprios esses torneios.

Para que isso ocorra é preciso que os clubes entendam que são eles os donos do negócio e que os mais ricos precisam reservar uma parcela de seus ganhos para os mais pobres.

Não vejo saída a não ser que um percentual do que os gigantes recebem seja destinada aos clubes pequenos e médios para que eles sobrevivam e voltem a ser os fornecedores de matéria prima, interrompendo a maléfica atuação dos empresários mal intencionados.

Em alguns casos os torneios estaduais se justificam, em especial nos estados mais ricos. Em outros, competições regionais, com etapas classificatórias, parecem mais racionais. Taí o bom exemplo da Copa do Nordeste.

Assim como os anacrônicos Tribunais de Justiça Desportiva, as federações estaduais de futebol ficaram sem propósito. O que acontece no Rio de Janeiro só não ganha eco em São Paulo, por exemplo, porque a federação paulista paga uma bela grana aos clubes grandes para que joguem seu torneio.

Mas excetuando-se as torcidas de Corinthians e Palmeiras, o torneio paulista mostrou total desinteresse dos torcedores. E, convenhamos, corintianos e palmeirenses estão animados por razões que escapam à qualidade do estadual. O alvinegro está voando na Libertadores e seu programa de sócio-torcedor tem uma bem sacada cláusula de fidelização que torna a ida aos jogos quase obrigatória. O alviverde curte seu belíssimo novo estádio e vê a formatação de um time promissor após uma temporada de filme de terror.

Mas os clubes também merecem um puxão de orelhas: assinam regulamentos que parecem não ter lido e depois reclamam. Falta a eles coragem para se posicionar, de forma uniforme. Até porque sempre existem aqueles que adoram roer a corda e pensam micro, prejudicando o macro.