terça-feira, dezembro 17, 2013

Futebol brasileiro atira no próprio pé


Ainda senhor absoluto da paixão popular esportiva o futebol posicionou-se em uma perigosa encruzilhada no Brasil.

Nunca antes na história deste País (sem nenhuma picardia política) se investiu tanto dinheiro em futebol como nos últimos 15 anos. As verbas advindas de TV, patrocínios de camisa e material esportivo deixaram o patamar da caridade para chegar a níveis excelentes. O valor do ingresso foi catapultado a um estrato que só agora começa a ganhar, sabe-se lá a que preço, equivalência no conforto de alguns estádios nababescos.

Tudo parecia caminhar para uma rota evolutiva consistente.

 Só faltou combinar com uma categoria fundamental: o dirigente. Aquele mesmo que odeia ser chamado de cartola mas raramente consegue se comportar como um manager, um gerente, um diretor remunerado.

Refém das décadas de amadorismo e coronelismo mascaradas pelas conquistas e pelo que parecia ser uma produção infindável de grandes jogadores, o futebol no Brasil começa agora a pagar o preço do amadorismo quase absoluto de seus dirigentes.

Embora nunca tenha entrado tanto dinheiro no mercado, os clubes acumulam dívidas que se afastam cada vez mais da casa das centenas de milhões para flertar com o bilhão.

O mercado de compra e venda de jogadores, que costumava ferver na segunda quinzena de dezembro, chafurda na penúria econômica da maioria dos clubes.

Nos últimos dez anos a praga cafona dos Novos Ricos se abateu sobre o futebol cinco vezes campeão do mundo. Jogadores medíocres cobram salários de três dígitos. Treinadores entendem que precisam receber soldos que ultrapassam a casa de meio milhão mensal e carregam a tiracolo comissões técnicas que custam o equivalente a uma diretoria de multinacional. Resultado que é bom, poucos dão.

Os calotes são frequentes. Alguns clubes se sustentam na base do mecenato, como o Fluminense com a Unimed. Outros sobrevivem antecipando receitas de patrocinadores e parceiros e incrementando as dívidas.

Os jogadores, acostumados ao patamar salarial surreal e inviável agora não aceitam propostas de redução. Afinal, precisam saciar a sede de empresários e investidores, sedentos de lucros, e das famílias que aumentam da noite para o dia, alimentadas por primos que surgem do nada e um rosário de namoradas e ex.

O quadro que se desenha, salvo um ou outro clube com números mais próximos do saudável, porém modestos, é de um futuro para lá de preocupante.

Jovens atletas sem qualquer resultado esportivos estrelam propagandas como se já fossem grandes craques. Falam de si próprios na terceira pessoa e exigem compensação financeira para algo que só conseguem prometer. Têm staff de estrela de cinema e bola de figurantes. Mas a marra, o cabelinho produzido, as fotos no Instagram e as bobagens postadas no Twitter estão lá.

Os dirigentes amadores que sustentaram durante décadas o profissionalismo da ala bandida dos torcedores enfrentam agora o dilema da rejeição pelo mercado.

O cancelamento do contrato da Nissan com o Vasco é emblemático. Motivado pela violência da torcida que o próprio Vasco insiste em ajudar financeira e juridicamente. Quem arca com o prejuízo? A instituição e o torcedor amador e verdadeiro. Quem terá coragem de, um dia, cobrar na Justiça ressarcimento?

Para completar, temos o quadro da chamada Justiça Desportiva, que no Brasil tem importância que, salvo grave engano desse modesto escriba, não encontra paralelo em qualquer outra nação boleira. Não tenho informação de que na Espanha, na Itália, na Alemanha, na Argentina procuradores e auditores tenham seus nomes conhecidos pelos torcedores e apareçam tanto na mídia como no Brasil.

Muitos campeonatos foram decididos na canetada sob o argumento da legalidade. Mas a interpretação da chamada letra fria da lei não responde ao anseio do verdadeiro dono do espetáculo, o povo, o torcedor, aquele que não recebe para fazer o futebol, mas que tira do bolso para nele buscar entretenimento, seja ao vivo no estádio ou pagando para ver na TV.

O amadorismo profissional do futebol brasileiro apresenta uma conta que agora ainda parece fácil de ser paga, mas que daqui a dez, vinte anos pode ser prenúncio de quebradeira.

Há tempos que observamos a nossa criançada correndo pelas ruas e quadras de grama sintética (a versão moderna e adaptada à insegurança vigentes dos campos de terra e de várzea) vestindo camisas do Barcelona, do Real Madrid, do Chelsea, do Bayern de Munique. Muitos já têm idade para ter medo de ir à escola com as camisas dos seus times brasileiros, o que pode ocasionar uma surra de um bando de covardes simpatizantes de algum rival. Outros são desencorajados por pais zelosos. E há aqueles que simplesmente não torcem para nenhum time brasileiro, são do Barça, do Real, do Arsenal. Não são poucos.

O nível técnico do último campeonato brasileiro foi sofrível, abaixo da crítica. O último ídolo que reverberava nacionalmente hoje brilha na Europa.

Quando um tribunal cujos integrantes afirmam ser defensores da Lei aplica penas risíveis após a Barbárie de Joinville fica difícil acreditar que algum de seus integrantes realmente se importe com o futuro do futebol. Porque esses 12 ou oito jogos em breve estarão reduzidos pela metade, serão convertidos na mágica favorita dos doutos, que transforma violência em cestas básicas ou multas se impacto algum.

Dia após dia as pessoas que dirigem o futebol no Brasil estão atirando com mira telescópica. Nunca erram o alvo: o próprio pé. Quando acordarem pode ser tarde.

 

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