Regras e interpretações
No Brasil é extremamente complicado falar de leis e suas interpretações. Ainda que sejam leis de um jogo simples e direto como o futebol.
Como envolve paixão, o futebol distorce a realidade ao sabor do desfecho que cada torcedor pretende para seu time de coração. Quanto mais patológico o torcedor, pior. Para ele, as regras só servem para ajudar seu time e prejudicar o adversário. O mesmo lance visto sob a ótica favorável ou desfavorável tem dúzias de interpretações.
Quase nenhum torcedor se dá ao trabalho de ler as regras do futebol.
Tem gente que troca até o que é subir e descer.
Eles preferem perpetuar bobagens como bola na área é do goleiro, último homem, dividida é da defesa, bateu na mão é pênalti, coisas da cultura de peladeiros que permeia nossa alegre nação.
A
polêmica da semana aconteceu no clássico entre São Paulo e Corinthians. Leandro
Bizzio Marinho marcou pênalti de Rogério Ceni em Alexandre Pato. Se quem jogou
sabe, adapto a frase para um quem apitou, sabe. Sálvio Spínola Fagundes Filho
foi um dos principais árbitros brasileiros até 2011, quando apitou a final da
Copa América. Além de estaduais, brasileiros, Libertadores, Eliminatórias e
Mundiais Sub-20, sub-17. Atualmente é um requisitado professor e instrutor de
arbitragem no Brasil e da América do Sul. Fui a ele.
Foi pênalti do Ceni no Pato?
Foi.
Não é tiro livre indireto em nenhuma situação, porque a bola está em disputa.
Para mim é o típico exemplo de imprudência. Rogério não quer atingir o Pato,
ele simplesmente quer chutar a bola, mas tem pela frente o Pato com mais
agilidade que ele. Mais veloz, ele atinge a bola e tira a bola do ângulo de
chute do Rogério. Caberia ao Rogério frear, mas ele não consegue, atinge o
Pato, e aí é tiro livre direto. Caracterizo como imprudência. Ele tenta chutar
a bola, mas atinge o adversário.
Caso para cartão vermelho ou não?
Para
mim é cartão vermelho, oportunidade clara de gol. Se o Rogério não toca o Pato,
ele não cai. A sola do Pato já está retraída, ele chuta a bola e tira o pé. Se
a bola saísse antes de o Pato poder alcançá-la, nesse caso o árbitro daria
amarelo. Olha a dificuldade para interpretar.
Muitos argumentam que foi solada do Pato.
Foi?
A
regra não tem solada ou não solada. O que tem é jogo perigoso. Jogar de forma
perigosa é tiro livre indireto. Isso desde que não atinja o adversário. É a
famosa bicicleta. Se o adversário está disputando de cabeça e o outro tenta a
bicicleta, é jogo perigoso.
A expulsão nesse caso não é muito castigo
na mesma jogada?
Existe
uma força-tarefa da Fifa formada por 21 membros que discute coisas para
melhorar o futebol. Franz Beckenbauer é o presidente, Pelé e Cafu participam.
Esse grupo entende que um excesso de punição para esse tipo de jogada seja
pênalti, cartão vermelho e punição automática. Seriam três punições. Para esse
caso do Rogério, por exemplo, seria cartão vermelho, mas sem expulsão
automática, porque é uma expulsão técnica, não disciplinar.
Para completar, detalhes interessantes do desconhecimento puro.
Jogador conhece a regra do futebol?
Raríssimos são os jogadores que entendem e conhecem a regra
do jogo.
Você já viveu alguma situação curiosa graças a esse desconhecimento dos atletas?
Final
da Copa América, Paraguai e Uruguai. O goleiro do Paraguai, Justo Villar, teve uma
falta para ele dentro da área. Ele cobra a falta para o companheiro que está
dentro da área. Mandei voltar. Ele foi atrás e bateu para o companheiro dentro da área. Expliquei três vezes. No intervalo, ele me procurou e perguntou: Spíndola, tem que sair a bola da área? Eu não sabia, mudou a regra
faz pouco tempo? Respondi: não, sempre foi assim.
Uma vez expulsei o Fábio Luciano, no Flamengo, e ele me disse ao sair: jogador não sabe a regra mesmo.
Mas há exceções. O Messi, os
jogadores do Barcelona, todos conhecem muito a regra. Vejam o quarto gol do Barcelona contra o Santos no Mundial, como eles fogem do impedimento. Eles entendem perfeitamente a regra.
5 comentários:
É perfeita sua interpretação dos fatos. Eu também vejo o lance da mesma forma que você.
Caramba, nestes 2 dias pós clássico ouvi cada bobeira típica de gente que não entende nada de futebol. O que você disse está corretíssimo, Nori e a explicação do Sálvio foi perfeita, o Godói disse o mesmo no programa Mesa Redonda domingo a noite. Pena que a emoção e o anti corintianismo de alguns deixa falar mais alto e temos que ler e ouvir um monte de baboseiras. Abração!
Gostei de seu comentário, pelo menos algum jornalista falou sobre o jogo perigoso e esta história de solada não existe. No site do pergunteaoarbitro@terra.com.br, é exlicado que o lance é interpretativo porque o jogo seria paralisado na hora do pé alto, o problema seria a distância dos jogadores. Também acho que as emissoras de tv, não falaram sobre pé alto / jogo perigoso e deviam mostrar lances de vários jogos mostrando jogadas de pé alto fora da área, para ver o que é marcado.
Maurício, gostei da sua coluna. Porque poucos jornalistas falaram do jogo perigoso e solada não existe, pode ser em qualquer parte do pé. Agora no site pergunteaoarbitro.blog.terra.com.br (falando sobre o pé alto e sobre o majestoso) escreveram que o lance é interpretativo devido a distância entre os jogadores, quanto ao toque no pé, o lance teria que ser paralisado antes devido ao jogo perigoso. Achei os programas esportivos não abordarem este problema, porque independentemente de ser pênalti ou não, o principal era o pé alto. E os programas esportivos deveriam ter exibidos várias jogadas dentro e fora da área quando foi dado o pé alto, para distâncias e se marcam falta ou tiro livre indireto.
Noriega, acabei de escrever e queria saber qual é especificamente a regra,li algumas regras e não encontrei, estava com pressa, o Sávio falou qual é a regra? Quanod mandei o primeiro comentário não tinha precebido que o Sálvio é que respondeu. Só não entendi se toca no outro jogador é falta ou pênalti,mas aí o que aconteceu antes o pé alto ou o pênalti? Se foi o pé alto o jogo deveria ser paralisado ali não? Fico com o Rafael que diz que o problema é a distância entre os jogadores.
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