quarta-feira, março 28, 2012



Só a educação salva


Estarrecidos, assistimos a mais um episódio de selvageria desses bandos que usurpam o nome dos verdadeiros torcedores. Mais mortes que poderiam ser evitadas. O que dói, o que choca, o que revolta é que todos os brasileiros sabem que não serão as últimas.

Não sou pretensioso ao ponto de acreditar que conheça a solução para um tema tão complexo. Mas, mesmo não sendo pregador e abominando os que fazem dessa função um nefasto caça-níquel, acredito que há um caminho para buscar a solução. Chama-se educação.

Uma educação que não se resume a ir à escola (mas antes é preciso que haja uma escola para ir e bons professores, bem pagos e motivados para ensinar). Refiro-me, também, à educação informal, aquela que passa de avô para neto, de pai para filho, que se ensina e se aprende no lar, na rua, no bairro. Uma educação que é baseada no respeito ao próximo, ao seu direito, à sua privacidade, suas opções de escolha. Sejam elas políticas, musicais, sexuais e futebolísticas.

Essa educação caminha rapidamente para a falência no Brasil. Sem ela a outra, a formal, da sala de aula, dos bancos escolares, não existe. Ainda mais quando se trata de um País em que a escola é negligenciada, os professores são tratados como cidadãos de segunda classe e qualquer assessorzinho parlamentar, um desses cabides de emprego que infestam as repartições públicas, ganha em um mês muito mais do que um professor em um ano de trabalho.

O futebol ainda se sustenta como uma paixão genuína, contagiante, que consegue unir e reunir amigos, mesmo que eles não torçam pela mesma equipe. Esses são os verdadeiros torcedores. Aqueles que riem, choram, brincam com os amigos, mas sabem que após aqueles 90 minutos há uma vida para ser vivida, pais, filhos, irmãos, amigos, trabalho, objetivos. Infelizmente, esse torcedor, o que merece vestir a palavra, está sendo expulso dos estádios pelas hordas.

São grupos de vândalos que vilipendiaram a expressão torcida uniformizada. Talvez eles próprios não saibam a origem da expressão torcida uniformizada. Eram grupos que tinham como único objetivo irem juntos, assistirem juntos a um jogo de futebol. Levavam almofadas para que mulheres e crianças pudessem enfrentar melhor o duro cimento das arquibancadas. Picavam papel, faziam faixas e cartazes, criavam músicas que passavam longe dos hinos de guerra e ódio que os herdeiros ilegítimos do nome entoam nos tristes dias de hoje.

Não se iludam porque tudo isso passa pela (falta de) educação. Literal e figurada. Basta ver a ultrajante troca de mensagens dessa gente nas redes sociais. Textos cravejados de erros de ortografia e gramática, mas o que é pior, sem sentido, sem nexo.

Nossa sociedade vive hoje na berlinda. Saímos de casa com medo, rezando para voltar. Torcendo (com o perdão da expressão) para que ninguém raspe no seu carro, que você não esteja na rota de uma quadrilha, no caminho de um assaltante em fuga, na mira de uma bala perdida. Ou, então, numa rua escolhida pelas hordas para um acerto de contas entre intransigentes.

Isso tudo brota em situações banais do cotidiano. Em alguém que fura uma fila porque se acha mais esperto. No sujeito que joga papel, bituca de cigarro e lata de cerveja no chão de uma rua onde não mora. No motorista que acredita poder dirigir bêbado sem se importar com o carro do próximo cruzamento, que carrega uma família que pode ser riscada da história sem nem ao menos entender o motivo. No comerciante que paga propina para vencer seu concorrente. No funcionário público que aceita propina para não prestar o serviço para o qual prestou concurso. No fabricante de automóveis que anuncia um carro que não tem para entregar. Na empresa aérea que cancela voos apenas para não prejudicar seu lucro. No político que compra o seu voto e vende o dele.

Tudo isso desagua no chamado tecido social brasileiro, que está prestes a se romper em várias partes. As hordas uniformizadas são uma das pontas que se romperam. Tente ir a um jogo de futebol em certos setores dos estádios e respirar fundo. O aroma sentido certamente será ilegal. Com que sentido a sede desses grupos reúne autênticos arsenais, se o objetivo é ser torcida, escola de samba e fazer trabalho social? Com paus, pedras, balas e bombas?

Conheço muitos torcedores que fazem parte desses grupos e são pessoas corretas, honestas, que gostam da festa, amam seu time e o futebol. Mas esses estão se afastando aos poucos.

Como no Brasil tudo se resolve por decretos que ninguém respeita, existem políticos que afirmam ter acabado com essa prática violenta. Elegeram-se com esse discurso, sabendo que existe uma massa de manobra política poderosa nessas agremiações. Tem político que faz campanha com camisa desses grupos e se elege.

A parcela do bem da sociedade, que ainda é a maioria, está cansada. Desiludida, desamparada.

O Estado omisso não cumpre seu papel de educar e não oferece às famílias as ferramentas para evitar que a falta de educação crie essas aberrações.

Tristes tempos esses. Em que pais pedem aos filhos para que não gostem tanto de futebol.

Sou de uma geração que, em São Paulo, via clássicos no Pacaembu com torcedores misturados no Tobogã. E todos trabalhavam na segunda-feira. Todos acordavam na segunda-feira. Era assim no Maracanã, no Mineirão, em Porto Alegre.

Se nada for feito agora, tudo isso se perderá no tempo. Como lágrimas na chuva (citação livre da mais bela cena do belíssimo filme Blade Runner).

Nenhum comentário: