quinta-feira, junho 20, 2013

A Copa e a insatisfação

A vida e o futebol permitem todas as teses.
Como o último talvez seja a melhor imitação do primeiro, permito-me pitacar minha tese de mestrado em gato-mestrice do momento atual do Brasil.
Somos uma pátria de insatisfeitos.
A insatisfação é que foi às ruas.
Mais do que um percentual ínfimo de baderneiros, mais que aqueles que pediram e conseguiram a redução da tarifa, mais do que os que protestaram conta tudo e contra nem eles sabem o que, a insatisfação entrou em campo.
Todo mundo tem um pouco de razão em tudo. Só perde a razão quem apela, quem aproveita o clima para saquear, vandalizar e roubar. 
Vi uma reportagem da tv Bandeirantes aqui de Fortaleza na qual um bando de arruaceiros invade um posto de gasolina, rouba cigarros e sorvetes, destrói equipamentos e ainda ameaça a equipe de reportagem. Esses não têm razão em nada.
Assim como os policiais despreparados e os vândalos infiltrados.
Eu me enquadro entre os insatisfeitos. Ainda que tenha sido um privilegiado graças ao trabalho duro e honesto dos meus pais, o Brasil de hoje me encheu o saco!
Um país de corrupção endêmica, de falta de respeito pelo próximo, de uma violência que já não se justifica pela desigualdade social. 
Um país que cultiva um sonho cafona de novo-riquismo mas que entrega serviços de quinta categoria, cobrando impostos aviltantes.
Eu me revolto contra isso dia após dia. O governo tunga praticamente 30% do que eu ganho todo mês e não me entrega nada que preste em termos de serviços. Meu plano de saúde quem paga somos eu e meu empregador. O resto, para ser decente, você precisa pagar, e caro.
Quem acompanha minhas opiniões aqui e naTV sabe que sempre fui a favor da Copa, mas contra os gastos públicos para construção de estádios. Essa opinião está registrada.
Achava que com a Copa o Brasil melhoraria sua infra-estrutura precária e se reapresentaria como destino turístico para o mundo.
O governo achou que a Copa seria a propaganda ideal de um Brasil grande (não importa a ideologia, sempre vem essa mania de grandeza idiota). E também aproveitaria para saldar dívidas com as empreiteiras, as grandes financiadoras das campanhas eleitorais no Brasil. Porque não existe melhor cliente para empreiteiras do que governos.
A Fifa faz negócio com o futebol, há muito tempo. Governos se envolvem nisso porque sabem a força política do esporte mais popular da Terra.
Não defendo a Fifa, mas trabalho com fatos. A Fifa não pediu ao Brasil para fazer a Copa. O Brasil concorreu, ganhou e quis fazer. A propaganda oficial usou e usa a Copa a rodo.
Quem quis fazer a Copa em 12 sedes foi a CBF, com a anuência do governo federal, não foi a Fifa.
O custo dos estádios sobe simultaneamente ao custo de qualquer obra no Brasil, onde tudo sempre é mais caro, como em passe de mágica.
São inocentes, quase bobocas, esses vídeos que circulam com menininhas bonitinhas, bem vestidas, dizendo que não vão à Copa e sugerindo o cancelamento. Se cancelar, as multas que o Brasil pagaria só aumentariam o buraco.
O que tem que ser feito é cobrar, fiscalizar e exigir punição a quem roubou.
E organizar o país para ganhar com a exposição e a chegada de turistas, para equilibrar os números.
Tem muita coisa ainda a ser feita.
Perdeu-se a oportunidade de incrementar o transporte público, as telecomunicações, os aeroportos. Mas certamente criaram-se e ainda serão criados empregos e circulará um bom dinheiro. Basta ter seriedade e fiscalização. E isso o povo pode cobrar agora e nas urnas.
Também é preciso aprender a respeitar o próximo, o cidadão. Os serviços no Brasil são péssimos. Ainda recebemos mal demais os visitantes, e eles continuam querendo vir.
Não sou hipócrita. A Copa é o maior evento esportivo e sou um jornalista que cobre esportes. Ter esse evento no Brasil é uma grande possibilidade em minha área.
Mas não vivo em uma redoma. E ao contrário do que muito babaca escreve em rede social, nunca recebi uma orientação da empresa que me paga para deixar de falar algo e jamais fui repreendido por falar alguma coisa. Mas é bom posar de revoltado usando uma vitrine grande, sem saber do que se trata.
Esse é outro problema do Brasil, a ignorância. Pior que ser burro, é ser ignorante por desconhecimento, despreparo, mesmo tendo dinheiro e condição para se informar.
Aí vira uma salada russa. Sonegador vira manifestante, funcionário público fantasma acha que pode se vestir de branco e reclamar contra ele mesmo, contra qualquer coisa. Dono de carro importado reclama do preço do metrô, a presidente acha que os protestos não são também contra ela.
Enquanto tudo isso gira, a bola rola. Com bons jogos, alguns espetaculares, como Japão e Itália. Felipão tenta dar um tom ufanista para lá de fora de moda à seleção. Mas pelo menos consegue fazer o time evoluir.
O estádio incompleto não honra o povo pernambucano. O Castelão está pronto, mas chegar e sair dele é um martírio. Quem tem de dar informação não sabe, a comida é uma ofensa de cara e ruim. Os integrantes dos tribunais esportivos gozam da boa vida de convidados da CBF. O estádio erguido no terreno onde havia o Maracanã é belíssimo, mas me pergunto quanto custará a próxima reforma até a Olimpíada?
Em Salvador, para onde vou agora, a água brota de tomadas e monitores de TV no aeroporto, mas a caríssima e até agora inútil transposição do São Francisco está emperrada e o sertão segue morrendo de sede, como sempre morreu.
Eu quero a Copa no Brasil e acho que pode ser legal. Mas quero que quem meteu a mão vá para a cadeia, que estádios erguidos com dinheiro público ofereçam serviços para o público, e que o País esteja cheio de gringos bem recebidos, em bons aeroportos, hotéis, interagindo, consumindo.
E quero que os protestos continuem, que os vândalos sejam presos, que apareçam novas lideranças antenadas com o mundo atual, que entendam que 1968 já passou faz tempo e que as ideologias antigas, de direita, centro e esquerda envelheceram mal. 
A molecada de hoje é muito mais rápida, esperta, apressada. Eles querem ser respeitados. 
Estão insatisfeitos. Eu estou com eles, mas sem violência e sem vandalismo.

3 comentários:

Bira Castellano disse...

Perfeito, grande Nori. E Reforma Tributária, Já! O mal cortado pela raiz é a solução para todo o resto.

eliana ortiz disse...

Concordo plenamente com seu texto, muito bom. Está mesmo virando uma salada e muita gente nem sabe o que fala. Fiscalização e honestidade, é isso que falta. Eu também acho que a FIFA não tem culpa de nada, o Brasil (o governo querendo ostentação) é quem procurou. E seria péssimo cancelar a Copa de 2014. Parabéns por dizer o que pensa e por promover a discussão e o debate em sua página do face.

Luciano disse...

Norasca, uma coisa que eu nao aguento é que, ao contrário de você, muita gente na imprensa ofende a minha inteligência. No vale tudo para ganhar $$$, fazem de tudo para promover um espetáculo que já nem existe mais -- o futebol brasileiro está tétrico e basta assistir 45 minutos de Espanha x Uruguai para perceber que estamos jogando outro esporte -- um sub-futebol. Infelizmente isso não é dito, a não ser pelos "heróis" de sempre (você, Tostão, a turma da ESPN etc). Há décadas nos fazem engolir historinhas para promover algo que é triste. Fizeram o país acreditar que a selecinha de 1994 jogou bola (aquilo foi uma piada), fizeram o país crer que em 2002 ganhamos por causa do Felipão (e não apesar dele), fizeram o Brasil acreditar que a selecinha de Dunga era boa. Isso é ofensivo, é um desrespeito à minha inteligência, e enquanto seguirmos mentindo e nos enganando não iremos pra frente!