terça-feira, maio 08, 2012

Que delícia de molecagem!


Reproduzo a coluna publicada hoje nos jornais da Rede Bom Dia.

Juventus apronta mais uma travessura e nos faz lembrar da paixão genuína por um time de futebol, seu bairro, sua gente


A vitória do Santos era tão previsível quanto a próxima estação do ano. Por isso, Neymar e os santistas que me perdoem, mas o que realmente marcou o domingo de futebol foi o acesso do Juventus à Série A-2 do Paulistão.

Foi bem ao estilo juventino, fazendo travessuras com o coração de seu torcedor. O time perdeu do Grêmio Osasco (que também subiu), mas foi beneficiado pela derrota do Guaçuano para o Marília. Senha para a festa na República Popular da Mooca.

Mas por que falar do Juventus? Sou caipira, não nasci e nunca vivi na Mooca. Mas o Moleque Travesso é um digno representante da resistência nessa era de “futebol é negócio”, empresários sem escrúpulos e marqueteiros de gosto duvidoso. O Juventus é uma viagem a um tempo em que as coisas eram diferentes. Ajuda a contar um pouco da própria história do desenvolvimento do futebol no Brasil e no mundo. É o time do bairro, um modelo seriamente ameaçado de extinção por aqui.

O Juventus não tem títulos importantes nem torcida gigante ou grandes craques, mas, ainda assim, cativa um pequeno e fiel grupo de seguidores, que seguem uma liturgia e, de certo modo, ajudam a criar uma mitologia em torno do time. Fundado por imigrantes italianos e instalado numa região inicialmente habitada por eles, o Juventus é embaixador dos costumes daquele que talvez seja o mais paulistano dos bairros. Então, quando entra em campo, mais do que a algodoaria da família Crespi, o Juventus perpetua a história dos operários que ajudaram a levantar o bairro e dos costumes que hoje se confundem com o estereótipo do paulistano. Desde o sotaque até a sagrada pizza de domingo.

O time de bairro é uma instituição ainda poderosa em países como a Inglaterra e a Argentina. Foi seguindo os trilhos de trem que ele surgiram, se instalaram e foram ficando. Um passeio de trem pela Grande Buenos Aires parece a tabela do campeonato argentino sendo feita a cada estação. No Rio, também foi assim. São Paulo cresceu de outro modo, embora também com influência das estradas de ferro, com times como o Nacional.

Mas o Juventus capturou a essência do bairro. Do sotaque moquense, do jeito simpático e acolhedor de seus habitantes, dos chinelos e das bermudas, dos mercadinhos e vendinhas que sobrevivem ao avanço insensível da especulação imobiliária.

Por isso, eu me plantei em frente à TV na manhã de domingo e torci pelo acesso do Juventus. Para nos lembrarmos de que o futebol só é o futebol porque ainda existem clubes como o Juventus e pessoas como as que torcem pelo Juventus. Durante muitos anos, eu joguei futsal na quadra da Rua Javari e, uma vez, só não fui bater uma bolinha naquele gramado sagrado porque tive um acidente de automóvel no caminho.

É um espaço mágico. Deveria ser declarado patrimônio cultural, com suas arquibancadas acanhadas, os vendedores de cannoli, a torcida Ju-Jovem. Posso estar enganado, mas acho que nenhum outro time faz tanto eco em sua gente como o Juventus. Não importa quantos sejam. Talvez tenha sido por isso, até como homenagem, que o Rei Pelé tenha resolvido fazer seu gol mais espetacular na Javari. Molecagem real.

Teoria da conspiração

Circula entre alguns cardeais são-paulinos a seguinte teoria: a ideia de tirar Paulo Miranda da concentração antes do jogo contra a Ponte Preta seria uma tentativa de provocar um pedido de demissão do técnico Leão. Não colou e acabou respingando nos jogadores, que não gostaram nada do que fez a diretoria.

Sábio Muricy

A idade e as conquistas só melhoram Muricy Ramalho como treinador. Ele ainda é da escola antiga e sabe que, entre outras coisas, o bom técnico é aquele que atrapalha pouco e consegue tirar o máximo dos grandes jogadores. Por isso, Neymar joga livre para criar e o técnico quer Ganso perto da área e do gol.

Hora do apetite

O Corinthians segue sendo um time organizado, equilibrado e forte. Mas agora, quando o bicho pega na Libertadores, é hora de mostrar mais fome. Até para colocar a Fiel no jogo, o time precisa chutar mais a gol, criar mais, apertar e encurralar o adversário. Vale até deixar um pouco de lado a organização em busca da inspiração.

Nó tático

Considero o Brasileirão o torneio nacional mais equilibrado e difícil do futebol mundial. Não existe campeonato entre clubes de um mesmo país que tenha tantos candidatos ao título, possibilidades de surpresa e elementos complicadores como distâncias, variação de clima e temperatura e rivalidades locais e regionais.

Para complicar ainda mais a vida dos 20 times que disputam a Série A do Brasileiro, por aqui a temporada tem uma particularidade. Ela se divide em duas, na verdade. Porque o efeito do fracasso de algumas equipes nos estaduais é tão grande que provoca reformulações com o avião em pleno voo. Fora isso, não há tempo para pensar, se esquecer da derrota. Em uma semana, é preciso virar a chave dos estaduais e reprogramar tudo para o Brasileirão. Quem sobrevive na Copa do Brasil, geralmente, entra com o time reserva no começo do nacional.

Dois gigantes paulistas vivem esse dilema. Eliminados precocemente no estadual, Palmeiras e São Paulo ainda sonham na Copa do Brasil. O Verdão já deu início a uma grande reformulação no elenco. Que pode respingar no vizinho de CT caso o time seja eliminado pela Ponte Preta. Mas, no caso do Tricolor, a reforma deve começar pelo técnico em caso de fracasso.

2 comentários:

Robert Alvarez Fernández disse...

Nori, como mooquense que sou,residente a 10 minutos de caminhada do "Monumental da Javari" quero te agradecer pela nota e torcida, comecei a ver futebol ao vivo lá, com 11 anos de idade. Faz tempo que amadureço a idéia de que os jogos do Juventus deveriam fazer parte do roteiro turístico da capital, poderia ser algo tipo "esportivo/cultural/gastronômico". Mesmo sendo administrador e profissional de marketing, acredito que as características mais antigas e peculiares tem que ser preservadas, e é possível obter ganhos com isso. Por mim lá nada mudaria, mas pode-se vender melhor o conceito Móoca/Juventus. Temos mesmo que tombar a Móoca, o cannoli do Sr. Antônio, o estádio e tudo mais à volta. Quando vier ao "Principado", nome alternativo à República Popular, és meu convidado.Ainda guardamos as antigas características por lá, também somos meio "caipiras" e curtamos isso na essência sem preocupação alguma.

Abraços e obrigado.

Robert

Anônimo disse...

Caro Nori,

Nasci na Mooca (a poucos carteirões da Rua Javari), na Mooca me formei em Direito. Frequento o Clube desde pequena, e cheguei a ver o Juventus campeão na própria Rua Javari em 2007.

Como mooquense fiquei emocionada com o seu texto.

Só quem já torceu pelo Clube ali na Javari sabe como o futebol pode ser uma experiência deliciosa.

O mais bacana é ir para o estádio e ver pessoas de todas as idades: desde daqueles sexagenários que juram que estavam lá quando o Pelé fez seu legendário gol; até os mais hovens na faixa dos 20 e 30 (como eu) que levam os filhos...

O Juventus é a prova de que títulos são superestimados; e que gostoso mesmo, é curtir um jogo de futebol sem frescura, num campo pequeno, sem grandes pretensões, rodeado de pessoas do seu bairro, que você já viu em algum lugar...

Grande abraço, e obrigada pela lembrança

Thaís