Os pênaltis que não vimos
A Copa de 1986 foi a primeira que eu curti como torcedor de verdade. Já maior de idade, tinha aval para ver os jogos onde bem quisesse, com amigos, na balada, sozinho. O ritual daquele ano era reunir a turma a cada jogo do Brasil na casa de um amigo. Assim foi rolando. Àquela época eu já estava na faculdade, mas os amigos eram os de sempre, a turma do colégio Arquidiocesano e os amigos dos tempos de vôlei no Paulistano, Pinheiros e Banespa. Um dos rituais era vermos sempre juntos os jogos eu, Maurão e Capi, um trio que mantinha a amizade desde os tempos de mirim no vôlei do Paulistano.
E assim fomos passando de jogo em jogo até chegar a partida contra a França. O nosso calendário marcava que aquela partida seria acompanhada na casa do Eliseu Labigalini, mais conhecido entre nós como Ganso e hoje um conceituado psiquiatra. Ele morava na Vila Mariana, na descida da Loeffgren rumo à Imigrantes, depois do pontilhão. Casa grande, legal, churrasco programado.
Tudo ia bem até chegarem os pênaltis. O perdido pelo Zico e a decisão propriamente dita. Decidimos, eu, Maurão e Capi que não dava pra ver, tamanho o nervosismo. Fomos pro carro do Maurão, um possante Dodge Polara, e ficamos dando voltas pelas ruas da vizinhança, ouvindo algumas fitas (naquele tempo o CD era um feto). Uma esquina aqui, outra ali, calculamos que tudo já deveria ter acabado. Não ouvíamos rojões, porque decidimos fechar as portas e colocar a música bem alto. Após uma das curvas, entramos numa rua pequena, estreita. E eis que sai de uma casa simples, pintada de verde, uma linda garotinha de uns 7, 8 anos. Ela chora, o que basta para desligarmos o som, abrirmos as janelas e decidirmos comer alguma coisa para driblar a fossa de outra Copa perdida. Era a sina daquela geração. Ouvíamos falar de 70, da festa, víamos os gols, mas nada de comemorar uma Copa. Já eram 16 anos de fila. Ainda deu tempo de ver o pai da linda garotinha buscá-la na porta de casa, também com lágrimas nos olhos, e levá-la de volta à realidade.
Sorte teve aquela menina que chorava na tarde ensolarada de um dia de inverno de 1986 na Vila Mariana. Com 15, 16 anos, ela pôde comemorar o tetra em 94, certamente entre amigos e família, com muita festa.
Aquele trio de amigos, que ainda é amigo até hoje, não teve essa chance. Em 1994 cada um viu a Copa na sua casa, assim como em 2002. Mas até hoje lembramos de 1986 e do choro daquela criança amparado pelo pai.
Torço para que a geração que tem hoje de 8 a 15 anos possa comemorar o hexa. Ser campeão mundial como criança ou adolescente deve ser o máximo.
Um pouco dessa frustração eu tirei com a minha filha Clara.Em 2002, com um aninho, tirei uma foto dela com a imagem da TV ao fundo, mostrando o Cafu erguendo a taça. Gostaria de ter a certeza de fazer o mesmo agora com o Rafael, que tem um ano e meio, mas não consigo ter tanta fé.
Um comentário:
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