AS DUAS VITÓRIAS DO
VOLEIBOL EM PEQUIM
Não há dúvidas de que o voleibol brasileiro se firmou como uma ilha de excelência no esporte brasileiro nas Olimpíadas de Pequim. A medalha de ouro no feminino já chegou atrasada, era para ter acontecido há algum tempo. No masculino, a prata não pode ter gosto de derrota, dadas as circunstâncias e ao nível de equilíbrio por que passa a modalidade atualmente.
Começo pelo masculino. O Brasil disputou com os Estados Unidos simplesmente a possibilidade de igualar-se à extinta União Soviética com três títulos olímpicos. Perdeu, mas já fez muito. Dois títulos mundiais e dois títulos olímpicos em 31 anos de trabalho profissional iniciado com a disputa do Mundial Juvenil de 1977, no Brasil. Ali nasceu a geração de Renan, Montanaro e cia.
O Brasil se transformou na mola propulsora do voleibol, das inovações táticas (que começaram em Barcelona, 92, tema ao qual voltarei mais adiante). Todos querem jogar como o Brasil. Os Estados Unidos, no masculino, conseguem. A escola é parecida, mais baseada na técnica e na velocidade do que na força. No vôlei anterior ao Brasil de 1992 usava-se o termo jogador universal para classificar o atleta capaz de executar bem todos os fundamentos. Exemplos: os fenomenais Karch Kiraly e Renan.
A seleção masculina dos EUA, em 2008, tinha jogadores versáteis, capazes de atacar e bloquear com força e técnica e também dar volume de jogo, com muita capacidade de defesa e improvisação. A final foi equilibrada e decidida em detalhes. Dois jogadores americanos desequilibraram: o levantador Ball e o oposto Stanley. Com 36 e 33 anos, sabiam que jogavam suas últimas Olimpíadas e deixaram tudo em quadra. Assim como o Brasil. Nos detalhes, o time americano foi mais completo e preciso. O que não diminui o tamanho da vitória contextual brasileira, por permanecer oito anos no topo.
É cabotino, pra dizer o mínimo, quem fala que Ricardinho fez falta, que se ele jogasse o Brasil venceria. Marcelinho disputou uma bela competição. É preciso saber perder. Com o nível de jogo mostrado pelos EUA, o Brasil provavelmente também perderia com Ricardinho.
Vem aí uma renovação que deve fazer o Brasil se aproximar um pouco mais do padrão europeu de jogo, com mais altura e força, mas sem perder a técnica e a velocidade.
No feminino, o grande vencedor foi o técnico Zé Roberto Guimarães. Fez história. Campeão olímpico com os homens em 92 e com as mulheres em 2008. Fato inédito. Em 92, Zé Roberto revolucionou o voleibol. O dilema era encontrar um lugar para três atacantes que jogavam como ponteiros: Tande, Negrão e Giovane. O dilema era reforçar o bloqueio e não perder a capacidade ofensiva de Negrão. O que fez o treinador: colocou Negrão para fazer a diagonal do levantador Maurício, mas bloqueando no meio em duas passagens da rede. Carlão faria a outra passagem. Com isso, Negrão passaria a atacar da saída da rede, e o Brasil teria ele, Tande e Negrão, uma força ofensiva descomunal. Negrão passava a ser o que se chama hoje de oposto, um jogador que atua na diagonal do levantador mas não tem mais a responsabilidade de passar e, eventualmente, levantar, como acontecia antigamente. Por causa do Brasil de 92 surgiu o líbero e o vôlei tem a cara de hoje.
Mas voltando às meninas do Zé, além do parão tático e da nova disposição física do time, processo esse iniciado por Bernardinho, a postura foi outra. A regra: MENOS MUSAS E MAIS ATLETAS, JOGADORAS DE VOLEIBOL. MENOS INTERESSES INDIVIDUAIS E MAIS INTERESSES COLETIVOS.
As decisões dentro de quadra foram muito mais sensatas, coletivas, de equipe. Fofão brilhou, mostrando que já poderia ter sido titular há muito tempo. Mari se recuperou da enrascada que sobrou para ela em Atenas, quando gente de mais responsabilidade encurtou o braço, literalmente.
O vôlei brasileiro entrou num ciclo virtuoso. A molecada quer jogar voleibol. Ao ponto de o basquete, decadente, se alimentar das sobras do voleibol, dos jogadores altos que não passam nas peneiras. Resultado de um trabalho profissional de excelência. Sempre houve bons jogadores e bons formadores de jogadores no Brasil. A partir dos anos 80, com recursos, intercâmbio e investimento em ciência do esporte, aconteceu a explosão.
Um exemplo para as muitas ilhas de incompetência do nosso esporte.
Um comentário:
Nori, se me permite, tenho uma visão diferente a respeito da invenção do líbero, mas também inspirada pela genialidade do Zé lá em 92: por causa dos três monstros - Tande, Giovane e Negrão -, ele teve de escalar o Carlão de meio-de-rede, função que o capitão já não fazia nos clubes - jogava de ponta e inclusive reclamou muito de voltar ao meio.
Nisso, o Carlão foi aproveitado para fazer também o passe, junto com o Tande e o Giovane, e o Brasil passou a ser a primeira seleção a atuar com três passadores especialistas, dando liberdade para o genial Maurício deitar e rolar.
A invenção do líbero, que cumpre a passagem do gigante meio-de-rede no fundo, acabou dando a todos os times a chance de ter três passadores. Pode ver que, depois de uma relutância inicial, não há time que não jogue dessa forma, com o líbero entrando em todas as passagens do fundo, à exceção de quando o meio tem de sacar.
No caso do Negrão bloqueando meio, vale lembrar que ele também batia a primeira bola, com uma velocidade impressionante. Diria que o Negrão é um Stanley melhorado.
De resto, concordo com sua brilhante análise. No caso Ricardinho, a impressão que tenho é que é um caso parecido, guardadas as proporções, a Felipão x Romário. A diferença é que o Brasil ganhou a Copa de 2002 e ninguém questionou o Felipão - como ninguém estaria falando do Ricardinho se tivéssemos levado o ouro.
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