sábado, abril 22, 2006

TELÊ


A palavra mestre anda sendo utilizada ao acaso. Muito mais para bajulação que para reconhecimento. Fulano de tal é mestre, mestre fulano de tal. Afinal, brasileiro adora uma bajulação.
Tive a sorte de conviver com Telê Santana no período em que ele treinou o São Paulo. Fui repórter setorista do clube durante muito tempo e passei muitas manhãs (Telê adorava dar treino de manhã) vendo seu trabalho.
Era uma época em que a cobertura esportiva nos jornais andava em baixa. Quase ninguém ia aos treinos de sábado, os jornais eram fechados na véspera. Eu trabalhava no Diário Popular que, à época, era o único jornal que acompanhava as "sabatinas" de Telê.
Seu trabalho era simples, nada de treinos mágicos ou técnicas chamadas de revolucionárias. Telê adorava coletivos. E nesses treinamentos que imitam jogos, ia corrigindo tudo que podia. Um passe errado aqui, uma falta desnecessária ali, um posicionamento equivocado acolá. E tome bronca, uma atrás da outra.
Certo dia, Aílton, um meia que teve carreira razoável, corria pela lateral do campo, cansado de uma bronca atrás da outra, e disparou aos repórteres que ali estavam: - Que velho chato!
E Telê era mesmo chato no trabalho. Mas justo, honesto e respeitado.
Uma outra vez, o atacante Macedo, meio maluco, chega para o treino da manhã com um cabelo rastafári, que chamou a atenção de todos. Já no treino da tarde, o cabelo era passado. Ordem de Telê.
Mas o que mais me marcou nesse período foram duas características de Telê: adorava conversar com os repórteres de mídia impressa após os treinos e sentia prazer especial em criticar árbitros e cartolas. Não gostava de microfone e dava bronca em repórter que chegava atrasado aos treinos.
Matreiro, quando seu time era favorecido pela arbitragem, fingia que não era com ele, que não tinha visto o lance. Como qualquer um de nós. Isso o fazia, pelo menos para mim, ainda mais humano, longe da aura de perfeição que nenhum de nós, humanos, carrega.
Mas lembro especialmente de uma conversa, numa distante noite de abril 1993, em Rosário, Argentina. O São Paulo enfrentaria o Newell´s Old Boys no dia seguinte, e vejo Telê, solitário, sentado no bar do hotel, um copo de uísque a acompanhá-lo. Identifico um bom amigo por perto, Valdir Joaquim de Morais, companheirão de Telê, e pergunto se posso me juntar a eles. Telê diz que não dará entrevista. Respondo que só quero conversar. Sobre futebol e não sobre o do São Paulo, o do próximo jogo. Ele abre um sorriso e autoriza minha presença. Foram algumas horas de uma aula de futebol, de história, de lembranças de grandes jogadores e amigos dele e do Valdir, de "causos" curiosos e engraçados.
Outra lembrança foi de um dia qualquer em 1996. Ele se apresentava ao Palmeiras, como diretor técnico. Mas já era outro Telê. Olhar perdido, passos lentos e claudicantes, voz embargada. Sou capaz de apostar que ele não sabia onde estava e o que fazia. Foi amparado por Cafu, que o apresentou a todos os jogadores, um por um.
Naquele dia começava a aposentadoria de um verdadeiro e autêntico mestre.
Na última sexta-feira, faleceu um pai de família, irmão, avô e brasileiro sério, correto e honesto. Só isso já serviria para chamá-lo de mestre. Mas ele fez muito mais.

Um comentário:

Anônimo disse...

E um mestre de todas as torcidas.