sexta-feira, maio 16, 2014

É crise técnica, sim, senhor!


A palavra crise provoca calafrios no ambiente do futebol e do esporte.

Crise política, crise financeira, administrativa, crise no vestiário e crise técnica, sim, senhor!

Não tenho receio algum em afirmar que o futebol brasileiro vive uma grave crise técnica.

Que não se instalou da noite para o dia, mas foi germinada há dez, quinze anos, floresceu silenciosamente, sendo ocultada por alguns bons resultados, e agora é fruta madura (ou seria podre?).

Por crise técnica eu entendo o que se vê na maioria das partidas de futebol disputadas no Brasil e por jogadores brasileiros.

Uma coisa é o futebol jogado no Brasil. Outra é o futebol praticado por brasileiros que atuam na Europa.

Não se trata de apontar culpados, mas de buscar as causas, identificá-las e tratar de combatê-las. Enriquecer o debate, como propôs Mano Menezes, que encontrei por acaso num aeroporto da vida, dia desses, perguntando se alguém chamaria o San Lorenzo de retranqueiro.

Visivelmente irritado com algumas críticas, ensejando um debate mais amplo, que envolva a qualidade do atleta profissional de futebol que se produz por aqui.

Concordo com ele quanto à riqueza do debate e não fujo da responsabilidade do meu lado da trincheira, o do analisa, crítico, comentarista, enfim, a mídia.

Assim como não excluo do rol de responsabilidades os treinadores, em todas as esferas. A começar pelos que formam jovens jogadores, chegando ao topo da cadeia alimentar, aqueles que, consagrados, recusam-se a tentar algo novo, a ousar, a arriscar perder um torneio aqui pra vencer muitos acolá.

O debate sobre futebol no Brasil está infestado por uma mania de querer demonstrar conhecimento e erudição. Citar números, esquemas, treinadores e ligas estrangeiras. Em muitos casos parece mais discussão sobre economia e estatística.

Gosto da parte tática e, modéstia à parte, estudo muito para me aprimorar. Há quem concorde e discorde do que opino, o que é uma maravilha.

Mas o cerne da questão vem sendo deixado de lado.

Volto ao San Lorenzo, citado pelo Mano. Bom time, arrumado, bem treinador. Tem jogadores com leitura de jogo inteligente, preparada. Não tem craques. Eliminou três dos seis times brasileiros que jogaram a Libertadores. É uma equipe que sabe se defender, mas não abdica do jogo. Basta ver os teipes dos jogos contra o Grêmio e o Cruzeiro, no Brasil, para verificar que em ambos o San Lorenzo esteve algumas vezes cara a cara com os goleiros adversários em contragolpes bem moldados. E que raramente ofereceu contragolpes aos adversários.

Jogadores como Villalba, Mercier e Piatti possuem uma inteligência tática, uma compreensão do jogo que rareia em atletas brasileiros, que muitas vezes são tecnicamente bastante superiores.

A questão chega à formação do jogador brasileiro.

Muricy Ramalho, provavelmente o mais vencedor dos treinadores nacionais no século XXI, fala disso há tempos. O Brasil não forma mais laterais e meias. Mas a linha de montagem despeja alas e volantes aos borbotões. O Brasil não se preocupa com a produção de jogadores de futebol capazes de dominar os fundamentos técnicos do jogo, mas a cada ano lança um exército de atletas capacitados para correr muito e trombar bastante.

Respeito demais o Muricy. É dos raros treinadores que ainda admitem que seu time jogou mal, quando joga mal. Tem seu jeito meio tosco, mal humorado, mas não foge da responsabilidade e não costuma jogar as derrotas nas costas das arbitragens.

Há muitos bons treinadores no futebol brasileiro. Muitos mesmo. Seria burrice afirmar que nossos "professores" não têm conhecimento, que não se atualizam, que não sabem dar treino. Claro que sabem. Óbvio que buscam o padrão e a intensidade de jogo praticados pelos melhores times do mundo.

Mas é preciso perguntar: e os jogadores?

Não somos nós mesmos, torcedores e analistas, que seguidamente apontamos estrangeiros como destaques em nossos campeonatos? Tivemos recentemente Tévez, Conca, Seedorf. Temos ainda Barcos, D´Alessandro, Valdívia, Aranguiz, Guerrero (sua seleção não se classificou). Todos jogadores estrangeiros que freqüentemente são apontados como acima da média atual do futebol brasileiro. Realmente são. Detalhe é que destes que citei, apenas os dois chilenos estão convocados para a Copa do Mundo por suas seleções. Perdoem-me se esqueci de algum gringo bom de bola.

O último grande camisa 10 do futebol brasileiro é alguém que foi sem ainda ter sido: Ganso.

Dos prováveis titulares do Brasil para a Copa, só um atua no Brasil: Fred, remanescente da Copa de 2006.

Nosso melhor jogador, disparado, Neymar, ainda luta para se firmar no Barcelona.

É para pensar, ou não?

Claro que o Brasil tem boas condições de vencer mais uma Copa do Mundo. Mas isso mudará alguma coisa no sistema de formação de nossos jogadores e na qualidade do jogo que se pratica por aqui?

Vencemos em 1994 e 2002 e a crise técnica já estava em gestação, silenciosa, sorrateira.

Vasculhe sua memória em busca de um grande jogo de futebol que você tenha assistido neste ano, em campo ou pela TV, disputado por times brasileiros.

Vale ou não enriquecer o debate?

3 comentários:

Tati. disse...

Acho que a crise, como todas, aliás, não surgiu ontem, ano passado. É consequencia de diversos fatores como a falta de disciplina tática dos jogadores e a velha mania de depender do talento. Acredito que para se ter resultado e sucesso na vida, temos que aliar técnica (talento) e competência. Talento por si só não resolve nada, não ganha jogo. Ainda mais para os times bem montados de hoje é preciso que os jogadores obedeçam taticamente e tenham sim, as jogadas diferenciadas de técnica e habilidade. No futebol brasileiro, vemos meninos cada vez mais fortes, altos, sendo formados nas categorias de base. Os laterais não existem, viraram reproduções de alas velozes, habilidosos mas que tem muita dificuldade para marcar, acompanhar o jogador nas suas costas e fazer a cobertura da zaga quando a bola está do lado oposto. Algo simples como cobrir a diagonal do passe fica perdida na ânsia de se projetar ao ataque.

Alcides Drummond disse...


Prezado Maurício

A raiz de tudo, ou, a causa de todas as causas, é a lei Juca, digo, a Lei Pelé.

Dificultou a vida dos grandes clubes enfraquecendo-os, aumentou o poder dos empresários, e, enfim, liquidou com o futebol no interior do Brasil.

O segundo mercado mais importante do país, o interior de São Paulo, principal celeiro nacional, já não cumpre, com a pujança e com a importância de outros tempos, a sua função de transição de jogadores de centros menores para os grandes paulistas cariocas, mineiros e gaúchos,da mesma forma que produz, cada vez menos, novos jogadores.

Aliás, um interessante fenômeno vem ocorrendo ultimamente, pois os clubes do interior é que estão se reforçando a partir das categorias de base dos grandes, quando não deveria ser assim.

Clubes de grande tradição do interior paulista ou lutam para sobreviver ou estão fechando as portas, reduzindo, drásticamente as vagas e as oportunidades na profissão!

Em razão disso, estamos vivenciando um tempo em que falta quantidade para apurar qualidade!

O cara que concebeu e redigiu a lei Pelé, um burocrata, sou convicto de que ele não é do interior, e, tampouco o conhece bem!

Por isso, não tem consciência da força, da pujança e, sobretudo, da importância e da influência do futebol interiorano no produto final do futebol brasileiro, os grandes clubes e a própria Seleção

Quem elaborou a Lei Pelé, o fez, certamente com as melhores intenções, embora copiando, colonizadamente, como de hábito, o que era vigente na Europa.

Porém não levou em conta e se esqueceu que "o que é ideal para a Europa, nem sempre é ou será ideal para o Brasil"!

OBS- Melhor seria se propugnasse por uma lei trabalhista clara e específica para o futebol, ou pela reforma da atual, pois a ilógica,paternal e interpretativa CLT é outra praga que está liquidando os clubes do interior.

É muita demanda e indenização demasiada para tão poucas rendas, embora, nem sempre o "obreiro" esteja com a razão!

Aliás, este assunto pode proporcionar uma "baita" pauta para o seu Canal de TV: Times que não aguentaram e os que não aguentam mais as intermináveis demandas trabalhistas.

Os clubes atuais,- a maioria, sazonais- que, apesar de tudo o que sofrem e o que citamos, ainda conseguem sobreviver, não podem mais investir porque não têm mais competições motivadas e rentáveis para disputar.

Em razão disso (a destruição, ou, vá lá, o enorme esvaziamento do futebol do interior), não temos mais quantidade (de jogadores) para apurar qualidade como havia, de sobejo ao tempo em que seu pai, eu, os contemporâneos de mídia contávamos, com alegria, a sucessão de conquistas do futebol brasileiro.

Tudo decorre daí. O resto é efeito, ou, mera consequência.(AD)

Luciano disse...

Norasca, mais uma na mosca. Perguntas: 1) Valeu a pena ganhar a Copa de 1994 jogando um futebol que mais se preocupava em defender do que marcar gols? 2) Vale a pena elogiar um técnico como Muricy, que apesar de ser (muito) vencedor, jamais foi capaz de montar um time de encher os olhos? 3) Será que ninguém viu que a seleção do Dunga ganhou "tudo" antes da Copa jogando um futebol horroroso? 4) Será que ninguém lembra que antes daquela final da Copa América contra a Argentina, a seleção do Dunga jogou terrivelmente, e só passou para a final porque o Doni se adiantou uns 50 metros na cobrança de penaltis contra o Uruguai? 5) Será que vamos continuar a entregar a nossa seleção nas mãos de treinadores que estão mais preocupados em "alistar" guerreiros/cordeiros, desses que "lutam" em campo e jamais questionam o "professor", do que em selecionar os melhores jogadores do país? 6) Será que ninguém vê que só mesmo o Brasil é capaz de deixar Ganso e Ronaldinho, os dois jogadores mais talentosos de meio de campo do país, de fora da seleção, e dar a posição de meia-armador para um jogador de 20 e poucos anos que jamais venceu um título importante seus muitos clubes? 7) Será que ninguém percebe que só o Brasil leva a sério a Copa das Confederações e que nossas seguidas vitórias nessa competição têm servido para "congelar" a seleção e transmitir uma falsa tranquilidade? 8) Será que a TV continuará pagando taxas extremamente desiguais para os clubes e, inevitavelmente, provocará a espanholização do futebol? 9) Será que essa mesma TV não consegue ver que na Alemanha e na Inglaterra se pagam taxas muito menos desiguais e que por isso os campeonatos são muito mais emocionantes? 10) Será que a TV vai seguir fazendo matérias oba-oba, dando importância para coisas esdrúxulas, e relegando notinhas de rodapé para o que realmente acontece de importante, como, por exemplo, o Bom Senso FC? 11) Será que ninguém percebe que é muito melhor oferecer um grande número de ingressos baratos e ter estádios cheios (como fez o São Paulo em 2013) do que jogar para estádios vazios, que roubam a magia do futebol tanto para quem está no estádio como para quem assiste de casa? 12) Será que ninguém percebe que basta remover a separação de torcidas nos estádios que as brigas acabarão como se fosse mágica? 13) Será que o Muricy Ramalho vai continuar sendo tratado como sucessor de Telê Santana quando, obviamente, ele faz tudo ao contrário do Telê, a começar pelo futebol horroroso, que privilegia ligação direta e chuveirinhos, até chegar ao ponto mais óbvio, que é a triste constatação que seus jogadores vão ao campo sem ter noção alguma de fundamentos básicos como passar a bola, coisa que Telê trabalhava diariamente para corrigir?......... Tenho mais 100 perguntas dessas Norasca...