1/05/1994
O telefone tocou ao lado da cama. Atendi como deu para atender, após uma noite de balada da qual retornei por volta das 4h30.
Era meu chefe no Diário Popular.
- Você está vendo a corrida? - perguntou.
- Não - respondi.
- Pois ligue a TV. O Senna está morrendo. Depois me telefone.
Não liguei a TV. Só podia ser trote. Nunca fui um grande fã de automobilismo, embora quando criança, nos ano 70, acompanhasse a categoria e os grandes pilotos dos tempos românticos, época em que se falava mais das pessoas do que de pneus. Tenho em algum lugar um disco compacto de vinil com as narrações do Barão Fittipaldi na primeira conquista do filho Emerson.
Não sei quanto tempo passou, mas o telefone tocou de novo.
- Você não ligou a TV? Liga agora e veja o que aconteceu com o Senna - pediu, em tom de ordem, o chefe.
Liguei e vi imagens de uma câmera posicionada num helicóptero, um carro parcialmente destruído, ambulâncias. Aumentei o volume e a voz em tom grave do Galvão Bueno sinalizava algo realmente sério.
- Esquece toda a pauta de hoje. Vai para a sede da Torcida Ayrton Senna, em Santana. O fotógrafo encontra você lá.
De nada adiantou dizer que era minha folga, que não tinha pauta etc.
Antes de seguir com esse relato, 19 anos depois, registro alguns fatos relevantes para a compreensão do texto.
Nunca fui fã de Ayrton Senna. Sempre fui fã de Nelson Piquet e, antes, de Emerson Fittipaldi. Nunca fui especialista em automobilismo, embora tenha feito dezenas de coberturas de GP de F-1, de Fórmula Ford, Mil Milhas etc. Até vi o Nelson Piquet (à época Piket, assim mesmo, com K, ganhar do Alfredo Guaraná Menezes na Fórmula Super V).
Tomei muita patada do Piquet e do Senna em entrevistas. Até do Gugelmim e do Pedro Paulo Diniz tomávamos patada, acreditem se quiserem!
Piquet era o que era sempre. Senna era agradável com quem interessava ser, o que certamente não era meu caso, nem o do jornal em que trabalhava naquele período.
Senna era mestre em convocar a imprensa quando embarcava de madrugada para alguma corrida, pilotando seu próprio avião muitas vezes. O texto da assessoria prometia: Senna atenderá a imprensa no aeroporto. Ele só atendia a Globo e se mandava.
Tomei muita patada de coleguinha que era setorista de Fórmula 1 naquele período. Havia um fenômeno curioso. A turma que cobria F-1, salvo honrosas exceções de gente do mais alto gabarito e simpatia, como Lemyr Martins, Reginaldo Leme, Silvio Nascimento, olhava para quem não era do clubinho com ar de desprezo. Alguns ficavam mascarados apenas porque cobriam a F-1 na época do Senna. Meu Deus!!!!!
Pois segui para a sede da Torcida Ayrton Senna (TAS), que ficava em Santana, Zona Norte de São Paulo. Pelo que lembro, era uma casa que pertencera ao próprio Senna, onde havia sido seu escritório, que ele doara para os torcedores.
Havia uma grande aglomeração de repórteres e curiosos, além dos integrantes da torcida. Conheci o presidente da TAS, Adílson, se não me falhe a memória quase duas décadas depois. Ali acompanhamos os boletins de TV, rádio etc.
Quando o repórter, se não me engano era o Cabrini, anunciou a morte de Senna, vi coisas que até hoje me impressionam, mesmo o fato para mim sendo puramente jornalístico, já que não compartilhava daquela idolatria. Vi homens crescidos batendo a cabeça contra a parede. Mulheres crescidas se atirando ao chão em desespero. Jovens em estado de choque vagando pela casa.
Lúcido, embora profundamente abalado, o presidente da TAS deu uma rápida declaração.
Lá fora, a multidão crescia. Percorri a rua atrás de personagens que pudessem contar mais sobre o ídolo que morria precocemente, um outro olhar. Descobri uma senhora que tinha várias fotos de Senna, dos tempos em que ele ainda não era famoso. Imagens com suas netas, algumas dele almoçando na sala daquela simpática senhora. Colecionei depoimentos que ajudariam a humanizar o personagem.
A contar daquele dia, trabalhei sem parar até o dia do sepultamento do corpo.
Meu turno era o da madrugada, na Assembléia Legislativa de São Paulo, onde o corpo foi velado. Era mais fácil para mim, pois morava muito perto.
Esse turno me proporcionou entrevistas muito interessantes. Peguei Alain Prost praticamente sozinho, chegando de madrugada, com a ajuda da colega Betise Assumpção, assessora de imprensa de Senna e profissional de altíssimo gabarito.
Como relatei antes, o impacto talvez tenha sido diferente para mim porque não compartilhava da idolatria brasileira por Ayrton Senna, embora jornalisticamente reconhecesse nele o fenômeno de público, mídia e resultados que dificilmente se repetirá.
Hoje recordo aquele dia e fico tocado pelas manifestações de carinho do povo. A passagem do féretro pelas ruas de São Paulo foi acompanhada por um silêncio dolorosamente respeitoso.
No aspecto prático da coisa, o Brasil deixou de ser protagonista para ser a cada ano mais coadjuvante na Fórmula 1.
A mobilização de cobertura de mídia, a maneira como se respeitou a privacidade da família de Senna e, mesmo assim, se cobriu tudo, mostram como num período tão curto de tempo nossa mídia regrediu em qualidade e progrediu em futilidade.
Certo está quem diz que para os milhões de brasileiros fãs de Senna as manhãs de domingo nunca mais foram as mesmas.
Um comentário:
Muito show o texto.
Chutaria que 99% dos torcedores/público não tem noção do desprezo e antipatia que grandes nomes do "esporte/cinema/música etc" tem com outros profissionais.
Hoje li uma matéria do Jon Bon Jovi. Chamou Justin Bieber de c**** por seu comportamento e por ter feito seus fãs esperaram por duas horas em um show em Londres.
Madona, Axel entre outros que tem esse tipo de conduta.
Fazendo o público esperar de 2 até 3 horas por um show de 60 minutos.
Outra, concordo muito nessa parte
"mídia regrediu em qualidade e progrediu em futilidade"
Aqui sendo um espaço aberto e livre...
tem muito jornalista desse tipo, um Renato M. Prado chato, patético e tosco.
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