sexta-feira, março 08, 2013



A vida com preço tabelado



Um jogo sem torcida e multa de US$ 200 mil. Esse é o preço - tabelado - de uma vida para a Confederação Sul-Americana de Futebol.

Ah, já estava esquecendo!

Some-se a isso o astronômico valor de US$ 10 mil de multa aplicado ao San José de Oruro, clube mandante do jogo contra o Corinthians, cuja inexistente fiscalização permitiu que um celerado entrasse o estádio e atirasse um sinalizador marítimo na rota da morte do garoto Kevin Spada.

Não discuto aqui apenas se o clube tem ou não culpa pela ausência de cérebro e de moral de um ou centenas de torcedores. A discussão é mais ampla, é macro.

Assisti, estarrecido, a uma parcela importante da opinião pública brasileira manifestar mais preocupação com o fato de a torcida do Corinthians não poder ir ao estádio (e aqui generalizo, poderia ser qualquer torcida, do Íbis, do Bambala, pouco importa) do que a morte estúpida de um ser humano inocente, provocada pela estupidez de outro ser humano (ou seria de um integrante de um grupo organizado de pretensos seres humanos?)

Pior que isso. Recebi uma enxurrada de e-mails de assessorias de imprensa oferecendo entrevistas de advogados querendo seu quinhão nos 15 minutos de fama e bradando baboseiras sobre defesa do consumidor. Típica conversa de almoço na sede da OAB. Façam-me o favor!

Sem falar naquela patética tropa de quatro torcedores que, por plantarem melancia em casa, penduraram-nas aos pescoços e foram ao Pacaembu na expectativa de virarem celebridades esporádicas nas redes sociais. Lamentável!

Confesso minha decepção com a direção do Corinthians. O clube é exemplo de revolução administrativa, marketing e exploração de receitas, mas teve um comportamento tímido, cabotino nesse caso.

Poderia ter desfraldado a bandeira da paz e do fim da violência gratuita nos estádios, das torcidas militarizadas. Seu presidente, no entanto, preferiu o discurso da fatalidade, numa constrangedora entrevista na qual parecia ter esquecido o que aprendeu na faculdade de Direito, bacharel que é.

Ora, presidente! Fatalidade é chegar ao Taiti no dia do tsunami.

A bola quicou na frente do Corinthians, que não precisa de alguns milhares de baderneiros porque tem milhões de apaixonados pacíficos e legítimos, que não merecem a comparação absurda com um bando de fanáticos violentos.

Não vou muretar. Acho que o justo nesse caso seria que o Corinthians jogasse sem torcida toda a primeira fase da Libertadores e fosse multado em US$ 1 milhão. Depois, vida que segue, e a mensagem estaria dada. E o mesmo valeria para todos os baderneiros de todas as torcidas. Sem exceção, com as penas dobrando em caso de reincidência. Além de uma cobrança feroz e ferrenha de fiscalização nos estádios.

Vou mais longe: se sou dirigente do Corinthians, processo quem levou e quem atirou o sinalizador e peço ressarcimento com base no que o clube deixou de arrecadar e no prejuízo para a imagem da instituição.

Mas haveria coragem para isso, se há conselheiros e dirigentes do clube que são das organizadas? E ajudam a eleger o presidente, conselheiros, vereadores e deputados.

Quem vai dar explicações aos pais de Kevin? A Conmebol tem seguro para os torcedores? A Federação Boliviana não deveria ser punida também? Na Bolívia a vida vale menos do que no Brasil? Porque US$ 190 mil de diferença nas multas?

Enfim...

TERROR VERDE


Que dizer do Palmeiras e da - pequena - parcela violenta e irracional de sua torcida?

Que faz da vida alguém que fica de tocaia em aeroporto para agredir jogador de futebol profissional?

E aquele papo de que clube não ajuda torcida organizada? Afinal, o próprio presidente do Palmeiras admitiu que ajuda e prometeu não ajudar mais. Porque então não ajudar outros torcedores independentes a ir aos jogos? São esses menos palmeirenses por acaso?

Presidente este que, ao assumir o cargo, foi até a sede de uma torcida dessas para mostrar os números claudicantes da economia palestrina e pedir paciência.

Pergunto: ele fez o mesmo para algum palmeirense comum, ordeiro, pacífico? Foi até a casa dele e deu satisfações? Porque, então, foi até a sede de uma torcida? Há milhões de palmeirenses espalhados pelo País, porque apenas alguns merecem explicações diretas do presidente do clube.

Novato nesse negócio de presidência de clube, Paulo Nobre adotou um discurso firme, duro. Resta saber se manterá a postura. Se efetivamente processará o agressor por ter agredido seu funcionário.

Porque este mesmo presidente oferece cargo importante a integrante de torcida em sua administração. Integrante de torcida que teve expressiva votação no Conselho Deliberativo. Ou seja: o clube está legitimando esses grupos.

Corinthians e Palmeiras são dois dos maiores clubes brasileiros, e têm a chance de dar o exemplo na batalha pelo fim da violência e pela devolução do ato de torcer ao legítimo torcedor.

O que eles fizerem certamente será imitado pelos outros clubes.

Cabe também aos jogadores uma mudança de atitude. Devem deixar de pagar pedágio para determinados grupos de torcedores e entender que jogam para muitos milhões, não apenas para alguns milhares.

Devem pensar duas vezes antes de ir a festas ou desfiles de grupos que podem ameaçá-los ou agredi-los no dia seguinte, em caso de derrota. Principalmente, devem parar de falar e escrever bobagens em redes sociais, atiçando uma violência que aflora ao menor gesto.

Enquanto escrevo essas linhas penso nos pais de Kevin Spada. Pobres seres humanos que criaram com amor uma criança para que ela morresse no chão frio de cimento de uma arquibancada, sob a irresponsabilidade de alguém (ainda duvido que tenha sido outra criança) que levou uma arma do Brasil até a Bolívia achando que era um brinquedinho.

Pior ainda é saber que a vida de um filho está tabelada em US$ 200 mil e mais um bônus de US$ 10 mil pela entidade máxima do futebol sul-americano.

Anotem aí: agora é esperar pela próxima tragédia e saber se a tabela será corrigida.

Cabe perguntar agora onde estão os promotores públicos que fizeram fama e conseguiram mandatos e cargos no Governo vendendo a falsa ideia de que tinham controlado essas gangues disfarçadas de torcedores? Sumiram?

Assim caminha a mediocridade.

2 comentários:

Juliana disse...

Fico imaginando como o tumulto que ocorreu dentro de um aeroporto na Argentina não foi coibido pela polícia com prisões? Como é que embarcaram, tumulto não é situação de segurança nacional de competência da PF? Agora eu que quis descer do avião, com ele em solo, após passar por turbulências, fui ameaçada de ser presa! rsrs

Francisco disse...

Nori,

Você é o primeiro jornalista a dizer que há milhares de baderneiros na torcida organizada do Corinthians (ou de qualquer outro grande clube), enquanto seus companheiros de profissão preferem a afirmação, covarde, de que "há meia dúzia de maus elementos e que não representam a torcida".
Fosse eu o ditador boliviano e mandaria enforcar os doze indivíduos que a policia daquele país aponta como autores e co-autores do assassinato do Kelvin, sejam ou não culpados. Justifico meu pensamento com a anedota a seguir:
Certa vez um bêbado entrou no ônibus, parou na roleta e gritou: "Daqui pra frente só tem FDP!". Obviamente o pessoal da parte de trás achou a maior graça. Porém o bêbado continuou: "Daqui pra trás só tem viado!". Um passageiro resolveu exigir respeito: "O cara, pera aí! Viado não". O bêbado retrucou; "Então o que você faz no meio dos viados? Passa pra frente seu FDP!".
MORAL DA HISTÓRIA: Se o cara não é assassino, o que faz no meio de assassinos?