sexta-feira, maio 31, 2013


Uma certa noite no Horto



Há jogos e jogos. Várias vezes já citei Gana e Uruguai, na Copa de 2010, como o jogo mais incrível em que tive a sorte de trabalhar num transmissão. Contarei para meus filhos e, espero, netos.

Pois a noite de 30 de maio de 2013, no Horto, na acolhedora BH, vivi outro desses momentos. Galo e Tijuana me fizeram viajar no tempo até aquela noite gelada de 2010, no Soccer City.

Assim é o futebol. Milhões pelo Brasil e pelo mundo viram um roteiro épico, de puro improviso, com um final que faria qualquer diretor de cinema ficar com fama de repetitivo.

Filhos e netos que se preparem. Além de uma noite gelada em Joanesburgo, eles vão ouvir muito o papai e vovô falando de uma certa noite no Horto.

sexta-feira, maio 24, 2013



Galo de briga (e de bola)


Quando até o mais otimista dos atleticanos poderia pensar que o melhor futebol orgânico da América do Sul sucumbiria ao gramado sintético de Tijuana, o Galo provou que é de briga. E também é de bola -e bola bem jogada.

Os 2 a 0 contrários cutucaram o time de Cuca e a resposta veio rápida. Diferentemente da maioria dos times nacionais da atualidade, que se limitam a especular com o tal do gol qualificado, o Atlético tomou duas bicadas e foi para a rinha a fim de não apenas fazer um gol, mas de buscar o resultado.

É essa postura que se cobra de um time como o Fluminense, por exemplo.

O Atlético Mineiro tem sido fiel a sua proposta de ganhar jogos, sem o papo de regulamento embaixo do braço.

É por isso que dá gosto ver o Galo em campo. Porque é um time que quer jogar, que assume os riscos dessa postura.

Fora isso, tem Diego Tardelli numa grande fase, um sistema de jogo definido e um bom banco, capaz de transformar Luan em nome do jogo. É a tal da contratação feita pensando no time. Ainda que não se equipare tecnicamente a Bernard, Luan taticamente exerce a mesma função.

O Tijuana não é um time para ser desprezado, mas só mesmo um acaso, uma falha como a do palmeirense Bruno, por exemplo, para tirar o Galo do prumo da semifinal. Até porque, mesmo que essa falha ocorra, o Atlético é muito mais time que o Palmeiras e o Tijuana juntos e pode se recuperar.

Afinal, como pregam os eufóricos atleticanos, caiu no Horto...

quinta-feira, maio 16, 2013

Riquelme, Bianchi,

Amarilla e Pato

  
 
Não tem jeito, o Boca Juniors, sua mística, sua camisa e sua história são uma pedra no sapato dos times brasileiros. Santos, Grêmio, Palmeiras e agora novamente o Corinthians provaram desse sabor amargo. Mesmo com um time que talvez seja o mais fraco dos últimos tempos, o Boca e seu invejável portfólio de títulos é sempre um adversário indesejável.

O jogo do Pacaembu, palco de duas eliminações seguidas de grandes brasileiros, teve muitos personagens.

Riquelme foi o grande destaque. Preparou-se para jogar esta partida e foi decisivo. Jogou como atacante e desfilou sua técnica e visão tática enquanto as pernas deixaram. Ainda que esteja em fim de carreira, era, disparado, o jogador com mais currículo e qualidade em campo. 

O retorno de Carlos Bianchi ao Boca potencializou a capacidade do time. É um treinador fantástico, que inspira seus jogadores e conhece todos os atalhos da Libertadores. Seu time não teve vergonha de assumir a inferioridade técnica e marcou o Corinthians com grande dedicação. Conhece profundamente o futebol brasileiro, o jogador brasileiro e sabe como ninguém anular as virtudes do adversário. O primeiro tempo do Boca foi estrategicamente perfeito.

A arbitragem de Carlos Amarilla foi um desastre. Ele e seus auxiliares erraram em lances capitais. O pior deles foi o pênalti não marcado no lance em que Marín meteu a mão na bola escandalosamente. Além da penalidade, o jogador argentino seria expulso, o que mudaria radicalmente o cenário tático. O paraguaio estava mal posicionado e perdeu o ângulo correto para observar o lance, por isso não conseguiu ver a mão na bola. A interrupção da jogada que Romarinho completou para o gol (não foi gol anulado porque o lance parou antes da conclusão) está na conta do bandeira Rodney Aquino. O outro lance de gol em que a arbitragem interrompe é mais polêmico, mas pode-se dizer que a marcação de falta de Paulinho em Orion não é absurda. De qualquer modo, foi uma arbitragem ruim de Amarilla.

Destaco a grandeza dos jogadores do Corinthians após a partida, ao não jogar nas costas da arbitragem a culpa pelo resultado. Postura digna e rara nos tempos atuais.

Por fim, puxo Pato para falar do Corinthians. Pato não conteve o desabafo ao final da partida e disse, respeitosamente, que voltou ao Brasil para jogar e queria jogar mais. 

Não é fácil deixar no banco um jogador-celebridade, bom de bola e caro. Tite o fez com boa dose de razão, mas em algumas ocasiões Pato poderia, sim, ser efetivado como titular.

O fato é que o Timão não foi intenso na Libertadores 2013 como fora em 2012. Houve queda de rendimento. O nervosismo de ontem e o péssimo jogo da Bombonera pesaram. Algumas peças não renderam, como Guerrero e Romarinho. Faltou uma opção de velocidade no ataque. Certamente haverá uma avaliação e mudanças, naturais, podem ocorrer.

A questão fundamental, apesar dos erros de arbitragem, é que o Boca é um time cujo cartel os brasileiros apenas sonham ter. Com Riquelme e Bianchi inspirados, não se brinca com os xeneizes. 


 

quarta-feira, maio 15, 2013



Quando um frango

não engole o homem



O futebol é cruel como a própria vida. Por isso é tão popular e apaixonante.

Bruno, goleiro do Palmeiras, papou um frango histórico, de almanaque, na eliminação de sua equipe da Libertadores.

Mas o frango não engoliu o homem.

Ao assumir publicamente o erro, ainda no intervalo, e posteriormente ao dar a cara para bater após o jogo, sem fugir de perguntas e questionamentos, alguns até descabidos, Bruno mostrou que tem caráter, hombridade e personalidade.

Nos tempos do velho estádio Palestra Itália, hoje em transformação radical, existia uma passagem secreta para jogadores e dirigentes fugirem da mídia e do torcedor em dias de vexame. Muitos medalhões e dirigentes pegaram esse túnel da vergonha. Bruno preferiu abrir suas feridas publicamente, sem procurar desculpas como iluminação, gramado, bola etc.

Como goleiro acho Bruno de razoável para bom. Erra mais do que acerta. Tecnicamente, tem alguns defeitos que saltam aos olhos. Embora seja muito alto, é inseguro para sair do gol e sai mal. Não consegue aproveitar a ótima envergadura porque sua impulsão lateral é ruim.

Mas é preciso ser justo.

O Palmeiras só chegou vivo ao jogo de ontem contra o Tijuana porque Bruno fechou o gol no México. Mais ainda: se o Verdão jogou a Libertadores de 2013 foi porque nas finais ante o Coritiba, Bruno teve destacada atuação. No jogo de Barueri, suportou um massacre imposto pelo Coxa na primeira etapa, quando o Palmeiras escapou de uma goleada definitiva. Depois garantiu em Curitiba.

Isso tudo não anula sua falha. Que foi cometida pouco tempo depois de outra partida desastrosa, coincidentemente contra um adversário com as mesmas cores do Tijuana, o Ituano. Na transmissão do SporTV, disse, em tom de brincadeira, que Bruno merecia uma estátua em Itu porque foi o responsável direto pela permanência da equipe na Série A-1 paulista.

Contra o Tijuana, Bruno abriu o caminho para a vitória mexicana, sem dúvida. Sua falha apagou o fogo mágico da torcida palmeirense, que é a única integrante do universo alviverde que atualmente merece o rótulo de primeira divisão.

Sejamos realistas: a Libertadores de 2013 foi um sonho de uma noite de verão para os palmeirenses. Um último suspiro na vida de elite, antes de encarar a dura rotina da Série B. É como curtir o último final de semana das férias e gastar os tubos mesmo sabendo que se está endividado até o pescoço. A segunda-feira (sem trocadilhos) é o choque de realidade.

Bruno falhou feio, é verdade, mas o que fez o Palmeiras no jogo? Kléber, um centroavante assustadoramente limitado, não matou uma bola. Fez um gol mal anulado, é verdade, mas será esse o camisa 9 que uma instituição como o eterno Palestra merece?

A verdade que dói nos palmeirenses é que o elenco atual é formado basicamente por um tipo de jogador: aquele que não acontece nada.

Valdívia sequer joga para ser avaliado. Wesley é de uma nulidade irritante. Márcio Araújo corre, corre e sempre chega atrasado. Vinícius e Maikon Leite esbanjam velocidade mas não conseguem acertar chutes e cruzamentos. O futebol de Souza certamente não vale o que pede seu empresário. Tiago Real não consegue executar um pensamento. Juninho, Marcelo Oliveira, Ayrton, todos correm, se esforçam, são profissionais corretos, mas em 90% de suas atuações é aquilo: não acontece nada.

Numa análise fria, tecnicamente, o elenco atual tem raros jogadores com capacidade. Henrique, Léo Gago, Leandro, Vilson, Charles e o eterno ausente Valdívia. Numa peneira mais rigorosa, talvez somente Henrique seja um jogador que tivesse espaço assegurado numa boa equipe de Série A.

A prova cabal disso veio no jogo contra o Tijuana. Quando o Palmeiras precisava de um mínimo de técnica e inteligência, entrou com doses extras de vontade e a chamada pilha. Caiu no jogo que interessava ao time mexicano. Tanto que em momento algum do jogo o Verdão se impôs e seguiu o diapasão proposto por sua fanática torcida.

Muito da pilha vinha do banco. Visivelmente nervoso, Gilson Kleina não transmitiu segurança aos jogadores. É jovem, tem capacidade, mas ainda não desencarnou do papel de técnico de time pequeno. Qualquer coletiva de Kleina começa com a inevitável reclamação de arbitragem. Ontem falou do escandaloso pênalti sofrido por Welsey em Tijuana, mas passou batido pelo pênalti inexistente dado a favor do Palmeiras no Pacaembu. Não era dia, nem momento para buscar refúgio na arbitragem.

Taticamente, Kleina sabe das limitações de seu time, mas parece ainda não ter compreendido que time grande, de camisa, de massa, muitas vezes passa por cima dessas limitações quando se tem uma certa dose de coragem.

Coragem que não faltou a Bruno para expor sua falha, classificada de grotesca por ele próprio.

Ao despertar do sonho da Libertadores e acordar na realidade dura e de cimento frio da Série B, o Palmeiras e sua nova direção têm uma rara chance de avaliar o momento e pensar na reconstrução de forma séria. Ao ganhar uma Copa do Brasil improvável em 2012, o Palmeiras acreditou que tinha um time melhor do que os fatos mostravam. Alguns jogadores pensaram assim.

Embora a situação financeira seja caótica e o peso de décadas de administração amadora e política canibal esteja cobrando seu preço, a força da marca e do patrimônio formados pela história e pela torcida gigantes impõe um desafio maior: dotar a camisa de jogadores com, pelo menos, perspectiva de qualidade melhor. O grupo atual tem condições de passar pela provação da Série B, mas não sem turbulências.

É preciso ser realista, duro e tomar medidas impopulares. Reavaliar contratações como Valdívia, Maikon Leite, Welsey e Kléber, que foram caras e são pouco produtivas. Zerar dívidas com os atletas é primordial para poder dispensá-los, negociá-los, envolvê-los em trocas.

O primeiro passo para isso é ter a hombridade de Bruno, mesmo que falte qualidade.

sexta-feira, maio 10, 2013




Cuca, Ceni e Gaúcho



Três personagens do futebol brasileiro vivem momentos distintos, cada um em sua particularidade, mas que ilustram perfeitamente a gangorra que é o mundo do esporte de alto rendimento, suas cobranças, a competitividade até certo ponto desumana.

Começo por Cuca, treinador do Atlético Mineiro. Bom jogador, atacante de importantes passagens por vários clubes, ele tem se mostrado há tempos um treinador capaz de armar boas equipes, de dar a famosa cara de time aos clubes que treina. Mas também ficou marcado por derrotas em momentos importantes, perdas de classificações e títulos que pareciam certos e por uma fama de supersticioso que até certo pronto prejudica a avaliação de alguns dirigentes, jogadores e analistas.

Uma cena me chamou a atenção na impiedosa goleada aplicada pelo Galo no São Paulo. Quando o jogo ainda estava 1 a 0, no começo da segunda etapa, houve um momento de confronto aberto, cerca de 5, 8 minutos em que foi lá e cá, tudo poderia ter acontecido. O São Paulo teve uma grande chance, em jogada na qual a bola circulou pela pequena área do Galo e Silvinho quase marcou. As câmeras do SporTV mostraram um Cuca com olhar petrificado, acompanhando lance a lance, esperando pelo pior que, felizmente para ele, não veio.

Essa imagem mostra muito do que ainda parece circundar a mente de Cuca. Talvez ele conviva com aquele questionamento: "de novo comigo? Por que perder sendo o melhor time?"

Acho que Cuca, vencendo ou não a Libertadores na qual o Atlético é o grande favorito, já não precisa se preocupar com isso. Ele é, de fato, um dos melhores treinadores do Brasil. Não apenas pelo que faz no Galo, mas porque sempre consegue montar boas equipes por onde passa. Seus times têm um perfil definido, geralmente são ofensivos sem deixar de ser competitivos. Atacam sem esquecer de defender, e ostentam algo que parece ficção científica para muitas das equipes nacionais: aquilo que se convencionou chamar de padrão de jogo.

Convivo com o Cuca desde seus tempos de jogador. Mais agora como treinador. É um sujeito boa praça, simples. Chega até a ser engraçado por causa da superstição. Dizem alguns mais próximos a ele que tem mania de perseguição, acha que sempre tem alguém querendo derrubá-lo. Quando ele assumiu o Atlético Mineiro, fui comentar um jogo em Ipatinga, contra o Corinthians. Estava fazendo check-in no hotel, e chega o Cuca. Sempre cordial, me saudou com alegria. Perguntei se ele estava chegando de uma corridinha matinal. A resposta diz tudo:

- Que nada! Fui à missa porque a fase tá brava e estamos precisando de todo tipo de ajuda - emendou, sério a ponto de nem sequer sorrir.

Relaxa, Cuca! Seu trabalho é sua maior ajuda.

No time de Cuca joga o último grande craque do futebol brasileiro. Depois de Ronaldinho Gaúcho não apareceu mais ninguém. Robinho deu pinta, mas não vingou. Adriano chegou perto, mas infelizmente está se perdendo pela vida. Neymar é o mais forte candidato. Já é o craque em atividade no País, porém, ainda não alcançou o patamar que Ronaldinho Gaúcho teve em seu auge.

Mesmo que o apogeu já tenha passado, o atual camisa 10 do Galo segue sendo um expoente. Ronaldinho tem uma característica que era a marca registrada do futebol brasileiro, mas está em extinção: ele se diverte jogando. O que pode parecer gracinha, firula e provocação para certos atletas, para ele não é. Porque o R10 ainda cultiva aquele gosto pelo aspecto lúdico do jogo de futebol, o brincar com a bola, o controle total, o drible, subjugar o adversário com base na habilidade. Fez isso a vida toda, mas contra o São Paulo ficou marcante, porque em momento algum ele deixou de ser objetivo e competitivo.

Talvez Ronaldinho já não consiga repetir em jogos internacionais entre grandes seleções o desempenho que ainda mostra no Atlético. Porque são mundos diferentes. O nível técnico de uma seleção como Espanha, Itália, Inglaterra, Alemanha, Argentina, Holanda está muito acima do futebol praticado entre clubes no Brasil e na América do Sul. E na maior parte do mundo, exceto algumas exceções, os maiores times do mundo. Mas ele continua intimidando adversários e impondo respeito.

Por fim, Rogério Ceni. Goleiro excepcional, histórico. Cruzei rapidamente com ele no aeroporto de Confins, em Minas. Comigo sempre foi educado, solícito e profissional. Veio até onde estávamos eu, Milton Leite e o companheiro André Plihal, da Espn. Ao contrário do que muitos bobocas fanáticos teimam em espalhar por aí, Rogério e Milton se tratam muito bem e com grande respeito. Rogério cumprimentou e abraçou Milton. Troquei com ele a tradicional saudação e perguntei se estava tudo bem, como é automático nesses casos.

- Tudo bem não está - respondeu, lacônico, cabeça baixa, desanimado o camisa 1 do São Paulo.

Havia um abatimento surpreendente em Rogério. Personagem polêmico graças a sua personalidade. Muitas vezes ele se expressa como torcedor, em outras como um autêntico cartola, e propaga uma arrogância que o São Paulo equivocadamente colou em sua imagem de time vencedor, em virtude do que considero um marketing equivocado, que usa mal o termo soberano. Mas isso é tema para outra postagem.

Rogério muitas vezes é julgado como atleta em virtude de seu comportamento como personagem histórico do clube que defende. O que é injusto. Pode-se gostar ou não dele como entrevistado, de algumas atitudes que soam incoerentes - quem não as tem? Rogério não tem o carisma natural de Marcos, por exemplo, mas é um goleiro sensacional. Vive aquele momento cruel que é o da aproximação do fim da carreira. O que para alguém que se acostumou a ganhar nos níveis em que ele ganhou, deve ser muito complicado. Sem contar as limitações físicas impostas pela idade, que chegam para todos nós, atletas de alto rendimento ou meros peladeiros.

terça-feira, maio 07, 2013



Conmebol arma golpe

contra times brasileiros



Faço a seguinte leitura a respeito da proposta do novo presidente da Conmebol, o uruguaio Eugenio Figueiredo, de reduzir o número de participantes da Libertadores. Em vez de investir na melhora da qualidade técnica, como propaga em seu discurso o novo presidente, vejo uma clara intenção de atacar o domínio brasileiro no futebol sul-americano.

Segundo a ideia de Figueiredo, a Libertadores passaria a ser disputada por 24 equipes. Seriam dois times por federação nacional. Vinte equipes sul-americanas, duas mexicanas (que pagam para jogar) e mais campeão da Libertadores anterior e da Sul-americana. O que abriria uma vaga extra para o país que tivesse o campeão continental.

Não é preciso ser gênio para saber que o futebol brasileiro vive numa redoma de sucesso econômico impensável para os países vizinhos do continente. Nem mesmo os mexicanos, que têm forte injeção financeira das emissoras de TV locais, conseguem competir com o Brasil hoje em termos de recursos.
O futebol argentino virou programa de governo de Cristina Kirchner, o campeonato nacional foi estatizado e os clubes não conseguem competir de igual para igual com os brasileiros. Ainda assim, os argentinos também serão prejudicados pela medida, se ela for adotada, porque têm equipes bastante superiores à média do continente.

A partir de 1990, os clubes brasileiros venceram dez vezes a Libertadores e chegaram a nove decisões, sendo que em duas delas a final foi entre times do Brasil. Os times argentinos, que sempre foram os bichos-papões, venceram sete vezes. Baixando a estatística para os últimos dez anos, a partir de 2002, foram cinco conquistas brasileiras e três argentinas.

Enfim, Figueiredo me parece ter claras intenções eleitorais nesse sentido, porque faria um agrado às demais federações nacionais, tirando o peso de Brasil e Argentina. Talvez de olho em sua permanência no cargo nas eleições de 2015.

Não se discute o fato de que muitos times que se classificam para a Libertadores não reúnem condição técnica de participar do torneio.

A Champions League tem 32 equipes e não perdeu qualidade, poderia argumentar. Mas não há como comparar Europa e América do Sul economicamente.

Parece-me que para equilibrar tecnicamente a Libertadores a Conmebol talvez devesse pensar em aumentar a fatia do bolo econômico para os clubes, subir os valores de premiação por participação e investir em programas de incentivo ao futebol em países onde o esporte não tem as mesmas facilidades de Brasil, principalmente, e Argentina.

Outro objetivo disfarçado dessa medida seria dar algum peso à Copa Sul-americana, competição que segue sem grande prestígio entre a maioria dos clubes, em especial os brasileiros, que a tratam com certo desdém em relação à Libertadores. Reduzindo a presença brasileira na Libertadores, a Conmebol jogaria mais equipes brasileiras de peso na Sul-americana.

Enfim, essa é a minha leitura.

sexta-feira, maio 03, 2013



Libertadores: todo

mundo na parada


Não há motivo para desespero e nem para euforia entre os seis times brasileiros que jogam as oitavas-de-final da Libertadores.

Obviamente que os resultados dos jogos de ida terão impacto técnico, tático e emocional nas partidas de volta. Mas nenhum placar foi definitivo, acachapante, assim como desempenho algum fez torcidas esfregarem as mãos ou baterem a cabeça na parede por desespero.

O elemento que parece mais interessante nesse momento é o tal do gol fora de casa. Marcado ou não.

O caso do Palmeiras, por exemplo, sugere que o resultado (como a atuação do time) em Tijuana foi bom. Talvez tivesse sido ótimo se, em vez de um zero a zero, fosse 1 a 1.

Há um truque psicológico nesse tipo de situação. Embora o Verdão tenha mostrado bola suficiente para vencer e seguir adiante, ainda mais agora que sua torcida parece ter abraçado de vez a equipe, um gol sofrido no Pacaembu pode criar um drama. Embora tenha evoluído consideravelmente como equipe, o Palmeiras ainda padece de alguns erros individuais de certos jogadores em momentos-chave. Concentração e capacidade de definição devem ser as armas alviverdes.

As situações de Galo e Tricolor também devem ser avaliadas pela questão dos gols marcados ou sofridos como mandante. Tem gente que não gosta, mas esse detalhe do gol qualificado eu acredito que dê um toque dramático imprescindível para uma boa eliminatória.

Para o Atlético o quadro é muito mais convidativo, obviamente. Pode perder por 1 a 0. Cada gol que eventualmente fizer jogará mais pressão sobre o São Paulo. Fora o fato de ter uma equipe individualmente melhor e um grupo mais entrosado. Mas 2 a 1 fora de casa entre equipes dessa importância está longe de ser um placar impossível. Como o próprio Galo mostrou.

Nesse confronto me parece que o equilíbrio emocional será determinante. É exatamente o que tem faltado a jogadores experientes do São Paulo, notadamente Lúcio e Luís Fabiano. O Atlético tem se saído melhor no controle dos nervos. Em confrontos com esse nível de equilíbrio, pode decidir.

Exaltado justamente pela frieza de sua equipe, o Corinthians mostrou temperatura baixa demais ante um Boca em ebulição na Bombonera. Tem sido um pouco a cara do Timão essa confiança na capacidade de resolver os jogos na hora em que quiser. Pode valer para um Paulistão, mas na Libertadores a história é diferente. Embora não seja prudente deixar de lado a frieza e o controle, o Corinthians tem que botar alguma pimenta no jogo de volta. Tem mais time, só que não pode ser gelado (no sentido de apatia) como foi em Buenos Aires.

O Grêmio começou a mil por hora contra o Santa Fé, mas foi caindo, caindo. Elano exemplifica bem o que acontece com a equipe gaúcha. Jogador técnico, experiente, capaz, mas cujo ritmo oscila demais dentro da partida, a ponto de sumir em algumas situações. Assim como André Santos. O gol sofrido em casa é, de novo, um drama. Que pode ser minimizado pela volta de Zé Roberto, sempre regular, eficiente e jogando bem. Cris se encaixa no mesmo quadro dos são-paulinos Lúcio e Luís Fabiano. Não tem como faltar controle para alguém tão rodado. Segue faltando ao Grêmio a cara de time pronto que Luxemburgo costumava emplacar por onde passava.

Ao Fluminense faltou, em especial no primeiro tempo, um pouco do modo Abelão de ser. Faltaram atenção, intensidade, pegada. Falhas incríveis de cobertura comprometeram o rendimento da equipe, que é muito superior ao Emelec, com ou sem Fred. O golaço de Vagner vale muito pelo regulamento. Principalmente em virtude da péssima e caseira arbitragem, que inventou um pênalti Mandrake para os equatorianos.

Aliás, arbitragens péssimas e caseiras seguem sendo uma das marcas registradas da Libertadores.

Tudo sugere que dos seis brasileiros, cinco estarão nas quartas.

quarta-feira, maio 01, 2013



1/05/1994



O telefone tocou ao lado da cama. Atendi como deu para atender, após uma noite de balada da qual retornei por volta das 4h30.

Era meu chefe no Diário Popular.

- Você está vendo a corrida? - perguntou.

- Não - respondi.

- Pois ligue a TV. O Senna está morrendo. Depois me telefone.

Não liguei a TV. Só podia ser trote. Nunca fui um grande fã de automobilismo, embora quando criança, nos ano 70, acompanhasse a categoria e os grandes pilotos dos tempos românticos, época em que se falava mais das pessoas do que de pneus. Tenho em algum lugar um disco compacto de vinil com as narrações do Barão Fittipaldi na primeira conquista do filho Emerson.

Não sei quanto tempo passou, mas o telefone tocou de novo.

- Você não ligou a TV? Liga agora e veja o que aconteceu com o Senna - pediu, em tom de ordem, o chefe.

Liguei e vi imagens de uma câmera posicionada num helicóptero, um carro parcialmente destruído, ambulâncias. Aumentei o volume e a voz em tom grave do Galvão Bueno sinalizava algo realmente sério.

- Esquece toda a pauta de hoje. Vai para a sede da Torcida Ayrton Senna, em Santana. O fotógrafo encontra você lá.

De nada adiantou dizer que era minha folga, que não tinha pauta etc.

Antes de seguir com esse relato, 19 anos depois, registro alguns fatos relevantes para a compreensão do texto.

Nunca fui fã de Ayrton Senna. Sempre fui fã de Nelson Piquet e, antes, de Emerson Fittipaldi. Nunca fui especialista em automobilismo, embora tenha feito dezenas de coberturas de GP de F-1, de Fórmula Ford, Mil Milhas etc. Até vi o Nelson Piquet (à época Piket, assim mesmo, com K, ganhar do Alfredo Guaraná Menezes na Fórmula Super V).

Tomei muita patada do Piquet e do Senna em entrevistas. Até do Gugelmim e do Pedro Paulo Diniz tomávamos patada, acreditem se quiserem!

Piquet era o que era sempre. Senna era agradável com quem interessava ser, o que certamente não era meu caso, nem o do jornal em que trabalhava naquele período.

Senna era mestre em convocar a imprensa quando embarcava de madrugada para alguma corrida, pilotando seu próprio avião muitas vezes. O texto da assessoria prometia: Senna atenderá a imprensa no aeroporto. Ele só atendia a Globo e se mandava.

Tomei muita patada de coleguinha que era setorista de Fórmula 1 naquele período. Havia um fenômeno curioso. A turma que cobria F-1, salvo honrosas exceções de gente do mais alto gabarito e simpatia, como Lemyr Martins, Reginaldo Leme, Silvio Nascimento, olhava para quem não era do clubinho com ar de desprezo. Alguns ficavam mascarados apenas porque cobriam a F-1 na época do Senna. Meu Deus!!!!!

Pois segui para a sede da Torcida Ayrton Senna (TAS), que ficava em Santana, Zona Norte de São Paulo. Pelo que lembro, era uma casa que pertencera ao próprio Senna, onde havia sido seu escritório, que ele doara para os torcedores.

Havia uma grande aglomeração de repórteres e curiosos, além dos integrantes da torcida. Conheci o presidente da TAS, Adílson, se não me falhe a memória quase duas décadas depois. Ali acompanhamos os boletins de TV, rádio etc.

Quando o repórter, se não me engano era o Cabrini, anunciou a morte de Senna, vi coisas que até hoje me impressionam, mesmo o fato para mim sendo puramente jornalístico, já que não compartilhava daquela idolatria. Vi homens crescidos batendo a cabeça contra a parede. Mulheres crescidas se atirando ao chão em desespero. Jovens em estado de choque vagando pela casa.

Lúcido, embora profundamente abalado, o presidente da TAS deu uma rápida declaração.

Lá fora, a multidão crescia. Percorri a rua atrás de personagens que pudessem contar mais sobre o ídolo que morria precocemente, um outro olhar. Descobri uma senhora que tinha várias fotos de Senna, dos tempos em que ele ainda não era famoso. Imagens com suas netas, algumas dele almoçando na sala daquela simpática senhora. Colecionei depoimentos que ajudariam a humanizar o personagem.

A contar daquele dia, trabalhei sem parar até o dia do sepultamento do corpo.

Meu turno era o da madrugada, na Assembléia Legislativa de São Paulo, onde o corpo foi velado. Era mais fácil para mim, pois morava muito perto.

Esse turno me proporcionou entrevistas muito interessantes. Peguei Alain Prost praticamente sozinho, chegando de madrugada, com a ajuda da colega Betise Assumpção, assessora de imprensa de Senna e profissional de altíssimo gabarito.

Como relatei antes, o impacto talvez tenha sido diferente para mim porque não compartilhava da idolatria brasileira por Ayrton Senna, embora jornalisticamente reconhecesse nele o fenômeno de público, mídia e resultados que dificilmente se repetirá.

Hoje recordo aquele dia e fico tocado pelas manifestações de carinho do povo. A passagem do féretro pelas ruas de São Paulo foi acompanhada por um silêncio dolorosamente respeitoso.

No aspecto prático da coisa, o Brasil deixou de ser protagonista para ser a cada ano mais coadjuvante na Fórmula 1.

A mobilização de cobertura de mídia, a maneira como se respeitou a privacidade da família de Senna e, mesmo assim, se cobriu tudo, mostram como num período tão curto de tempo nossa mídia regrediu em qualidade e progrediu em futilidade.

Certo está quem diz que para os milhões de brasileiros fãs de Senna as manhãs de domingo nunca mais foram as mesmas.