terça-feira, abril 30, 2013


 

20 É DEMAIS!


Eis que a Federação Paulista de Futebol anuncia que reduzirá o número de datas do Campeonato Estadual de 2014. A medida foi tomada em virtude do aperto no calendário que será provocado pela realização da Copa do Mundo.

A tal redução será inócua pois, na prática, reduzirá o torneio em uma ou duas datas, se muito. O maior problema segue sendo o absurdo número de participantes. Vinte clubes para um torneio estadual é uma teimosia que só se explica porque são pelo menos 20 votos assegurados. Mais: sob a ótica das equipes que disputam as divisões de acesso e sonham com uma das quatro vagas na Série A-1 a cada ano, esse número se multiplica em termos eleitorais.

O argumento da pujança econômica de São Paulo e de seus 136 clubes, utilizado pela Federação, não dura um minuto de discussão. Nem os clubes mais tradicionais do interior têm conseguido se sustentar. Temos aí o Guarani em situação lamentável, o Paulista de Jundiaí com sérios problemas. São clubes de duas das cidades mais ricas do estado.

O que existe hoje é um núcleo de times que são bancados ou por empresários, ou por prefeituras, com claros objetivos financeiros de um lado e políticos de outro.

Mas a questão técnica nunca é vista em primeiro plano.

O problema do Paulistão não vem de hoje. Ele começou quando atingiu o auge a disputa política entre Ricardo Teixeira, então presidente da CBF, e Eduardo Farah, presidente da Federação Paulista. Na disputa pelo poder no futebol brasileiro, criou-se uma típica lenda urbana, por parte de Farah, tentando vender a ideia de que o Paulistão era o torneio mais forte do País, mais até que o Brasileirão. bobagem das grossas. Estadual algum paga placê para o Brasileirão. O Paulistão foi ficando anabolizado, disforme, fora da realidade.

O torneio paulista sempre foi interessante porque realmente o interior do estado era - e é - forte economicamente e havia equipes de tradição, identificadas com suas cidades, que revelavam jogadores importantes e faziam rodar a engrenagem do futebol, abastecendo os quatro poderosos da Capital e de Santos.

Mas o mundo mudou rapidamente. O futebol encareceu, os custos subiram, jogadores são estrelas milionárias, treinadores também. Bancar um time de futebol requer orçamentos que são impossíveis de assumir para a maioria dos clubes pequenos e médios. Há casos viáveis como o da Ponte Preta, por exemplo, que se sustenta na Séria A Nacional e na A-1 Paulista, o que torna sua existência economicamente plausível.

Mas como tocar um time que joga o Paulista e fica parado no resto da temporada, ou vai jogar a Série D? A resposta mais rápida é alugar a camisa para um grupo de empresários, que cedem os jogadores esperando que uma boa campanha no estadual, com cobertura pela TV, traga interessados em contratar seus produtos para o Brasileirão em suas quatro divisões.

Tecnicamente é impossível fazer um bom campeonato estadual com vinte times, porque não há vinte bons times entre os tais 136 federados em São Paulo. Se houver 14 já é lucro. Tiremos os quatro grandes dessa disputa. Talvez haja dez, doze equipes que podem sobreviver, com projetos bem definidos, estrutura, categoria de base, planejamento e viabilidade financeira para jogar uma divisão especial.

Qual seria a saída?

Não tenho a chave para todos os problemas, até porque meu interesse não é político, não é ganhar voto de clube. Meu interesse é avaliar jogos e ter um espetáculo interessante para oferecer ao telespectador que assiste as transmissões de que participo.

E posso afirmar sem erro: a maioria das transmissões do estadual paulista tem pouco ou nenhum atrativo. Times fracos, estádios precários, iluminações e gramados péssimos. A média de público traduz o desinteresse.

Para melhorar será preciso qualificar.

A Federação tem muito dinheiro, e os grandes jogam os estaduais porque recebem ótimas cotas para isso. Mas o dinheiro que chega para médios e pequenos é irrisório.

Minha sugestão: reduzir o número de clubes para 14. Fazer com que a Série A-1 banque financeiramente as divisões de acesso, que sairão fortalecidas. Obrigar as equipes que cheguem à primeira divisão a ter categorias de base ativas por pelo menos cinco temporadas. Ampliar a premiação em dinheiro por desempenho. Exigir que os estádios sejam minimamente confortáveis, bem iluminados, com bons gramados e seguros.

Cobrar preços de ingressos compatíveis com a realidade de cada espetáculo. Não adianta cobrar preço de clássico ou de jogo de Brasileirão. Transformar o torneio numa grande festa de pré-temporada, ainda que para alguns clubes seja classificatório. Os grandes seriam vitalícios, não poderiam ser rebaixados.

Enfim, há muitas ideias, mas nem Einstein conseguiria encaixar uma sacada genial para um estadual com 20 times. É impossível.

Reduzir as datas não adianta. É como a administradora de uma estrada dizer que vai reduzir de 15 para dez o número de praças de pedágio em um trecho de 300 km. Mas ao final da viagem o preço pago será o mesmo, mas com a cobrança em dez e não mais 15 paradas.

 

quinta-feira, abril 25, 2013



Jogo veloz


Um conceito que muita gente confunde no futebol é o de velocidade. Jogo veloz não é aquele em que um cara dá um chutão lá da defesa para um maluco sair em disparada atrás da bola. Jogo veloz é o que fazem os quatro semifinalistas da Liga dos Campeões da Europa, a troca rápida de passes com o time evoluindo em volta da bola.

Até o Chile, que não tem uma grande seleção, registre-se, fez um jogo veloz contra o Brasil, que insiste em jogar na base do chutão dos zagueiros para ver se lá na frente alguém resolve sozinho.

O futebol brasileiro se perde a cada dia em busca de uma solução para um problema cuja constatação é evidente: paramos no tempo e já não produzimos tantos craques como antes.

Nosso futebol sempre foi técnico e habilidoso. Muitas vezes mais habilidoso, mas quase sempre técnico.

Atualmente o jogador brasileiro padrão tem horror a posse de bola, tem paúra de dominar e tocar. Muitos jogadores profissionais precisam de dois, três toques para controlar uma bola. Ato que deve ser automático para um profissional dessa área. Dominar e tocar redondo, um passe preciso, então, é ainda mais raro.

Sem querer ser nostálgico e já sendo, até meados dos anos 90 ainda era assim.

Mas hoje, após anos e anos, de preparação física em excesso, luta incessante pelo resultado a qualquer custo, hoje o futebol brasileiro paga um alto preço por isso.

Não quero escrever com isso que o Brasil é carta fora do baralho na Copa de 2014. Mas temos poucos coringas e a mão é fraca. Para buscar uma canastra suja será difícil, que dizer de uma real.

Até nossos melhores jogadores andam óbvios.

Para buscar um sistema de jogo, acho que o treinador não deve impor seus conceitos. Tem que usar de sua capacidade e experiência par tirar o melhor de cada jogador dentro do que ele pode render e do que está acostumado a fazer em seu clube.

Acho inócuas as tentativas de colocar um Oscar, um Jádson para atuar do lado do campo, em posição fixa o tempo todo, apenas porque na Europa se faz assim em muitos clubes e seleções.

Neymar jogando enfiado no lado esquerdo, parado, com acesso fácil para qualquer marcador, é um pecado. Melhor é que ele esteja livre para criar, para rodar o campo, tabelar, driblar em velocidade.

Ronaldinho Gaúcho rende muito mais no Galo porque existe um sistema que funciona corretamente há muito tempo e que supre as carências do meia. Bernard corre por ele, os volantes correm por ele. E em termos nacionais o jogo é mais lento.

Em jogo internacional a coisa é muito mais complicada, e a velocidade com que a bola circula já complica até para um superdotado tecnicamente como Ronaldinho.

Que a Copa das Confederações seja utilizada para buscar uma maneira de jogar, para mudar conceitos, não apenas para vencer em busca de revanchismo e um ufanismo sem propósito.

 

terça-feira, abril 23, 2013



O tal do calendário



Um dia ainda desenvolverei esse tema num texto mais elaborado. Mas jogo aqui porque sei que vem pancada dos patoteiros. Mas cabe a discussão.

Sou contra essa ideia de se adequar o calendário do futebol brasileiro ao das grandes ligas nacionais europeias.

Parece aquele tipo de solução de patota mesmo, de turminha que acha que tem a resposta para tudo. Embora existam profissionais absolutamente sérios e competentes que defendam essa tese,  como  Mauro Beting , Amir Somoggi e outros.

Eu penso diferente. Acho que não se pode comparar realidades de países que estão em hemisférios diferentes e têm culturas diferentes.

Na Espanha o futebol segue o calendário escolar e parlamentar, simples assim. Porque é o futebol espanhol, que interessa para a Espanha e é jogado na Espanha.

Sem contar a Inglaterra, menina dos olhos de muitos torcedores brasileiros.

Adequar seria a melhor solução? Acho que não.

Parece complicado pegar uma realidade e encaixar em outro país, outra cultura.

Se fácil fosse, bastaria mudar a mão de direção de automóveis para o lado direito para reduzir o número de acidentes, certo? Porque certamente na Inglaterra o trânsito é menos violento.
Muitos patoteiros dirão que defendo interesses patronais, a frase preferida de certo tipo de patrulheiro que adota a tática do morde e assopra.

Eu acho que o Brasil tem que mudar seu calendário futebolístico, sim, mas para buscar uma solução que seja boa para o Brasil, para o torcedor brasileiro, os clubes brasileiros.

Pouca gente lembra que a Alemanha interrompe seu torneio por quase um mês no alto inverno, porque é impraticável jogar em virtude da neve e do frio.

Seria de bom tom jogar no Brasil, por exemplo, em 26 de dezembro ou 2 de janeiro? No auge do verão e do período de férias escolares.

Será que na Itália não se joga no alto verão por que acham bacana? Ou é lógico dada a rotina do próprio país?

Fora isso, os atletas têm direito a passar seu período de férias com seus filhos, que também estão em férias simultaneamente.

Sinceramente, acho que não resolveria o mais grave dos problemas do futebol brasileiro, que é a péssima administração dos clubes.

Seguimos exportando jogadores como ninguém, ganhando dinheiro como nunca se ganhou com futebol (os clubes) e as dívidas só aumentam.

Enfiar a realidade europeia de datas e rotina de sopetão mudaria isso?

Claro que tem que melhorar muita coisa. Reduzir estaduais, preservar datas Fifa, etc.

Mas simplesmente copiar eu discordo. Até porque não sou partidário do modelo de alguns clubes europeus que têm proprietários que administram fortunas de origem suspeitas e deixam o dinheiro limpinho via futebol.

Ou alguém acha que para curtir o verdadeiro espírito de Natal seria preciso nevar em dezembro no Brasil?

quinta-feira, abril 18, 2013



Diversão e intensidade



Não ouvi a declaração de Ronaldinho Gaúcho afirmando que o Atlético Mineiro tinha ido ao Morumbi para se divertir.

Ouvi e li reproduções desta frase. Não acredito que repórteres sérios a inventariam apenas para polemizar. Parto da suposição de que ela foi realmente dita, até que eu encontre o áudio em alguma parte.

Também não acredito que uma frase de um jogador sirva para explicar o comportamento de um time. Principalmente quando essa frase vem à tona em um intervalo ou após uma partida.

Acredito e analiso em cima do que vejo e do que se apresenta em uma competição esportiva.

Vira e mexe nós, comentaristas, e também jogadores e treinadores utilizam a palavra intensidade para analisar um jogo, uma equipe.

Apoio-me novamente nessa palavra para escrever sobre o que vi do jogo quente disputado no frio Morumbi, entre São Paulo e Atlético Mineiro.

Desde a entrada em campo foi fácil perceber uma energia distinta entre as equipes. O São Paulo elétrico, o Atlético mais tranquilo. Muitas vezes isso não se reflete na disposição quando a bola rola. E não faltou disposição ao Atlético, nem vontade. Longe disso. É que sobrou ao São Paulo. Transbordou. A equipe jogou uma final, contra um adversário que não conseguiu reagir a essa postura.

O Atlético segue tendo uma equipe de melhor desempenho que a do São Paulo. Mas o futebol sul-americano é muito parelho, as distâncias são curtas, e ninguém sobra tecnicamente. Por isso a tal da intensidade muitas vezes decide jogos e até campeonatos.

Mas que diabos seria essa tal intensidade?

Eu a definiria como uma mistura de entrega, concentração e superação, movida a um excelente preparo físico.

A maioria das equipes profissionais brasileiras está apta a executar isso. Poucas executam, e só o fazem em algumas oportunidades. Muitas vezes conseguem na primeira etapa e não conseguem na segunda.

Numa linguagem mais direta é correr sempre mais, chegar antes nas divididas, antecipar a marcação, incomodar o adversário, tirá-lo de seu padrão normal e não deixar de disputar uma bola sequer. Além de buscar o jogo, o resultado, assumir uma postura de quem deseja ganhar e lutará por isso.

O São Paulo se comportou assim a partir do primeiro segundo do jogo. O Atlético tentou igualar, mas quando foi à luta já não dava mais tempo, a distância de intensidade aplicada ao jogo já era muito difícil de ser compensada.

Além disso - ou talvez por isso - o desempenho técnico e tático do Galo foi muito inferior à média. Ronaldinho, se estava a fim de se divertir ou não, jogou mal, não foi protagonista. Luan esteve perdido, Leandro Donizeti jogou muito menos do que pode. Claro que Bernard fez falta, assim como Tardelli.

Mas Jádson e Luís Fabiano também fizeram falta ao São Paulo. A diferença: o time não se deixou levar pelas dificuldades impostas pelas ausências técnicas e as compensou com dedicação de sobra.

Ganso jogou, pensou, roubou bolas, esteve ligado o tempo todo. Osvaldo idem.

O Atlético poderia ter resolvido em uma partida o que precisará agora de duas.

Não é bom negócio para equipe alguma enfrentar o São Paulo em um mata-mata de Libertadores. Claro que não é impossível derrota-lo. O São Paulo, assim como já ganhou, também perdeu a Libertadores em casa em mais de uma oportunidade. Classificou-se e foi eliminado.

A diferença está no fato de que o mata-mata é um torneio à parte. O Galo teve a chance de um mata. Tinha um adversário fragilizado tecnicamente em campo, jogando por um resultado que ainda poderia depender de outra partida. Mesmo assim, deixou que o São Paulo colocasse a intensidade no jogo e retornasse para uma disputa na qual o jogo está zero a zero e ninguém entra classificado.

Não tenho bola de cristal nem gosto de palpite.

Sigo entendendo que o Atlético é melhor como time, como trabalho coletivo.

Mas o São Paulo conseguiu despertar sua torcida e até mesmo alguns jogadores que andavam apáticos. O ambiente, que era tenso, desanuviou.

A realidade de um jogo se desdobrou em três, com o time paulista jogando dois seguidos em casa.

É aquela história de pagar à vista com desconto ou parcelar em dólar. O Galo optou pelo parcelamento, mesmo sabendo que poderia haver uma supervalorização da moeda. Não é impossível de pagar, claro, mas pode custar muito mais caro.

O São Paulo aplicou no mercado futuro e já conseguiu zerar o prejuízo.

Cenas dos próximos capítulos no Morumbi e no Horto.

terça-feira, abril 16, 2013


A suprema covardia


O ser humano é capaz de atos nojentos aos montes.

Mas entre todos esses dejetos da nossa condição de experiência que insiste em não dar certo, o que considero de suprema covardia é o terrorismo.

Duvido que exista entre outros animais encontrados na natureza esse tipo de atitude. Escrevo outros animais porque é isso que somos, um grupo a mais nessa escala evolutiva. Tendemos a acreditar que estamos no topo, mas alguns comportamento nos remetem ao último lugar na fila.

A covardia do ato terrorista, entre outras coisas, reside na condenação sumária de inocentes, na promulgação de mortes por atacado sem chance de defesa, unindo como alvo dessa medida abjeta homens, mulheres, crianças, jovens, idosos, independentemente de credo, raça, origem.

O terrorismo é a estupidez por atacado.

Nada justifica atitudes terroristas.

Principalmente porque os alvos quase sempre são inocentes, já que o terrorista, que no fundo é um grande covarde, teme encarar seu verdadeiro alvo de frente, e prefere espalhar o pânico entre os indefesos.

Assim como são grandes covardes os terroristas suicidas, os que pensar estar se martirizando, os que acreditam ser instrumentos de vingança, mas que não passam de peões inúteis num xadrez comandado por reis e rainhas estúpidos e ainda mais covardes.

As bombas que explodiram na Maratona de Boston remetem ao ato terrorista de Munique, em 1972.

Com uma pitada a mais de crueldade, se é que pode ser possível em casos como esse.

Programadas para explodir quando os pelotões amadores estivessem passando, muito após a chegada dos atletas de elite, as bombas tinham como objetivo a destruição em maior escala, atingindo atletas amadores e amigos, parentes e apoiadores que estivessem por perto.

Se existe algum consolo nesse caso, é saber que se existe alguma consciência em quem pratica tal ato de covardia, esse remorso o acompanhará por toda a sua existência, em qualquer forma que possa existir de vida.

 

terça-feira, abril 09, 2013



Descaso olímpico


Inaugurado em julho de 1978, homenageando o jornalista Júlio de Lamare, morto no acidente com um avião da Varig em Paris, cinco anos antes, o parque aquático anexo ao estádio do Maracanã, no Rio, era um dos raros espaços públicos voltados para o esporte olímpico no Brasil. Escrevo era porque o local está condenado, será demolido para a construção de um estacionamento para a Copa do Mundo de 2014.
O vizinho estádio de atletismo Célio de Barros também teve o mesmo fim destinado ao parque aquático Júlio de Lamare. Com essas demolições virarão pó anos de história do atletismo, natação, pólo aquático e nado sincronizado brasileiros. Mais do que isso, cerca de dez mil pessoas, entre atletas e participantes de projetos sociais, ficarão sem um espaço sagrado para treinar e buscar integração e recuperação. Existe a promessa de construção de novos espaços. Promessa.

Tombado em 2002, o espaço que abrigava os atletas foi reformado para os Jogos Pan-americanos de 2007, ao custo de R$ 10 milhões. O tombamento foi revertido, e das piscinas e pistas surgirão restaurantes e estacionamentos para o estádio de futebol.

Essa situação triste para o país sede das Olimpíadas de 2016 motivou uma rara ação conjunta de atletas, inclusive jogadores do futebol, que assinaram um manifesto protestando contra a demolição dos complexos esportivos. Rara porque atleta no Brasil pensa somente em causa própria na maior parte do tempo e só costuma reclamar de falta de patrocínio. Casos como os de Paula, Ana Moser, Flávio Canto, Raí, Cafu, Deco são, infelizmente, exceções.

Infelizmente, o governo brasileiro, em todos os níveis, teima em não entender o papel fundamental do esporte como educação e instrumento de inclusão social. Em vez de investir no fomento e na popularização da prática esportiva geral, o Brasil dedica fortunas à construção de estádios de futebol, muitos deles particulares, e demonstra uma falta de sensibilidade ímpar. É dolorida a constatação de que a política esportiva no Brasil seja voltada muito mais para empreiteiros e construtores do que para esportistas.

quinta-feira, abril 04, 2013



Hermanos


Antes de mais nada, quero deixar claro que não compartilho com essa teoria boboca de rivalidade com os argentinos.

Nem sequer é o Brasil o grande adversário do futebol para nossos vizinhos. Há jogos contra equipes e as seleções de Uruguai e Chile que são tidos como muito mais importantes para o torcedor e a mídia na Argentina.

Já trabalhei num Uruguai x Argentina eliminatório e sei bem sobre o que opino.

A questão é que, como tem virado moda, sempre se misturam as coisas no Brasil.

Em virtude do grande destempero e da violência de boa parte dos jogadores do Tigre, um time praticamente inexpressivo, e de um quebra-pau que teve um dedo de despreparo de alguns seguranças e policiais mineiros em Galo x Arsenal, a coisa descamba para alguns comentários com os quais não concordo, em absoluto.

Talvez eu seja suspeito, porque pelos menos dois de meus melhores amigos são argentinos. Quase irmãos. Fernando de Oliveira e Galatea Cristaldi. Aliás, a família Oliveira toda é como se fosse a extensão de minha família no Pampa.

Estive pelo menos uma quinzena de vezes na Argentina, se não mais. Sempre fui bem tratado, com respeito. Nas cidades pequenas e bairros afastados o povo argentino é muito, mas muito parecido com o brasileiro do interior. Convidativo, agradável, hospitaleiro.

Mesmo se não fosse, nada a generalização grosseira.

Como acontece toda hora com o Paraguai, com aquela piadinha besta, idiota do cavalo paraguaio. Principalmente se lembrarmos o peso da nossa responsabilidade como nação pelo que fizemos com o país vizinho na história.

É a mesma coisa que me irrita profundamente quando saio do Brasil e vejo nosso povo caricaturado como um bando de bailarinos descompromissados e nossas mulheres como dançarinas seminuas.

Aí vem o inevitável comercial de cerveja que pinta o povo brasileiro como vagabundos que passam o dia na praia, bebendo, olhando para a bunda das mulheres que passam e fazendo piadas de gosto duvidoso.

Nem todo brasileiro é político corrupto, imigrante ilegal ou estelionatário. Aliás, bem poucos deles o são.

Por isso acho ridícula qualquer piadinha que se faça com qualquer povo que passe por perto da generalização preconceituosa.

Ou não foi aqui, no interior de São Paulo, que um jogador de futebol deu uma voadora no peito de um juiz recentemente?

Ou não foi de mãos brasileiras que partiu o foguete que matou o garoto boliviano?

Será que só tem barra-brava, não tem uniformizada violenta?

Nunca, nenhum time brasileiro apelou ao perder um jogo?

O que acontece num campo de futebol começa e termina num campo de futebol. Nada mais do que isso.

Um grupo de profissionais de um determinado ramo não representa um povo, uma cultura.

Tampouco duas dúzias de atletas de times inexpressivos são o raio-x do comportamento de atletas profissionais de um determinado território.

Brasileiro gosta de dizer que é gostoso ganhar de argentino no futebol porque geralmente os argentinos sabem jogar bola tão bem quanto os brasileiros. Houve época em que jogavam melhor.

E tem sempre a análise preguiçosa, de quem não se dá ao trabalho de pesquisar, de ver um vídeo, de telefonar para um colega.

Aí pinta o comentário padrão, de gabarito: os times argentinos e sul-americanos só sabem catimbar. Reparam que esse comentário nos exclui do continente?

É como brinco com meus amigos de Campinas, que quando viajam no rumo Norte dizem que vão para o Interior. Porque? Têm vergonha de se inserir no contexto? Eu sou caipira de Bariri com orgulho.

Será que estamos ficando metidos a bestas, empolgados pela sensação de novo-riquismo?

Ou parece mais confortável pensar que nosso vizinho mais próximo é Miami e que apenas por um azar da geografia estamos na América do Sul?

Afinal, somos integrantes dos poderosos Brics, o futuro econômico do planeta, os próximos milionários.

Que poderiam dizer por aí os familiares de turistas uruguaios, argentinos, chilenos etc. que foram brutalmente assassinados em nossas cidades litorâneas recentemente, simplesmente por estarem passeando e por terem dinheiro na carteira?

Será que nos chamam de bárbaros por aí?

Até acho divertidas as brincadeiras sadias que rolam entre brasileiros e argentinos no futebol.

A maior das brincadeiras é afimar que o Maradona foi melhor do que o Pelé.

Enfim, é só brincar direito e levar a sério o que é para ser levado a sério.

Simples assim.

 

terça-feira, abril 02, 2013


Regras e interpretações


No Brasil é extremamente complicado falar de leis e suas interpretações. Ainda que sejam leis de um jogo simples e direto como o futebol.

Como envolve paixão, o futebol distorce a realidade ao sabor do desfecho que cada torcedor pretende para seu time de coração. Quanto mais patológico o torcedor, pior. Para ele, as regras só servem para ajudar seu time e prejudicar o adversário. O mesmo lance visto sob a ótica favorável ou desfavorável tem dúzias de interpretações.

Quase nenhum torcedor se dá ao trabalho de ler as regras do futebol.

Tem gente que troca até o que é subir e descer. 

Eles preferem perpetuar bobagens como bola na área é do goleiro, último homem, dividida é da defesa, bateu na mão é pênalti, coisas da cultura de peladeiros que permeia nossa alegre nação.  

  A polêmica da semana aconteceu no clássico entre São Paulo e Corinthians. Leandro Bizzio Marinho marcou pênalti de Rogério Ceni em Alexandre Pato. Se quem jogou sabe, adapto a frase para um quem apitou, sabe. Sálvio Spínola Fagundes Filho foi um dos principais árbitros brasileiros até 2011, quando apitou a final da Copa América. Além de estaduais, brasileiros, Libertadores, Eliminatórias e Mundiais Sub-20, sub-17. Atualmente é um requisitado professor e instrutor de arbitragem no Brasil e da América do Sul. Fui a ele.
            Foi pênalti do Ceni no Pato?
            Foi. Não é tiro livre indireto em nenhuma situação, porque a bola está em disputa. Para mim é o típico exemplo de imprudência. Rogério não quer atingir o Pato, ele simplesmente quer chutar a bola, mas tem pela frente o Pato com mais agilidade que ele. Mais veloz, ele atinge a bola e tira a bola do ângulo de chute do Rogério. Caberia ao Rogério frear, mas ele não consegue, atinge o Pato, e aí é tiro livre direto. Caracterizo como imprudência. Ele tenta chutar a bola, mas atinge o adversário.
            Caso para cartão vermelho ou não?
            Para mim é cartão vermelho, oportunidade clara de gol. Se o Rogério não toca o Pato, ele não cai. A sola do Pato já está retraída, ele chuta a bola e tira o pé. Se a bola saísse antes de o Pato poder alcançá-la, nesse caso o árbitro daria amarelo. Olha a dificuldade para interpretar.
            Muitos argumentam que foi solada do Pato. Foi?
            A regra não tem solada ou não solada. O que tem é jogo perigoso. Jogar de forma perigosa é tiro livre indireto. Isso desde que não atinja o adversário. É a famosa bicicleta. Se o adversário está disputando de cabeça e o outro tenta a bicicleta, é jogo perigoso.
            A expulsão nesse caso não é muito castigo na mesma jogada?
            Existe uma força-tarefa da Fifa formada por 21 membros que discute coisas para melhorar o futebol. Franz Beckenbauer é o presidente, Pelé e Cafu participam. Esse grupo entende que um excesso de punição para esse tipo de jogada seja pênalti, cartão vermelho e punição automática. Seriam três punições. Para esse caso do Rogério, por exemplo, seria cartão vermelho, mas sem expulsão automática, porque é uma expulsão técnica, não disciplinar.
 
Para completar, detalhes interessantes do desconhecimento puro.
 
Jogador conhece a regra do futebol?
Raríssimos são os jogadores que entendem e conhecem a regra do jogo.
Você já viveu alguma situação curiosa graças a esse desconhecimento dos atletas?
Final da Copa América, Paraguai e Uruguai. O goleiro do Paraguai, Justo Villar, teve uma falta para ele dentro da área. Ele cobra a falta para o companheiro que está dentro da área. Mandei voltar. Ele foi atrás e bateu para o companheiro dentro da área. Expliquei três vezes. No intervalo, ele me procurou e perguntou: Spíndola, tem que sair a bola da área? Eu não sabia, mudou a regra faz pouco tempo? Respondi: não, sempre foi assim.
Uma vez expulsei o Fábio Luciano, no Flamengo, e ele me disse ao sair: jogador não sabe a regra mesmo.
Mas há exceções. O Messi, os jogadores do Barcelona, todos conhecem muito a regra. Vejam o quarto gol do Barcelona contra o Santos no Mundial, como eles fogem do impedimento. Eles entendem perfeitamente a regra.